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Empregada gestante: Ausência de abuso de direito na recusa de voltar ao trabalho

Não há má-fé na recusa de retorno ao emprego e, igualmente, não se aplicaria hipótese de abuso de direito, dado que a gestante está no exercício de um direito fundamental.

28/3/2023

Existe uma interpretação rotineira de que, em caso de dispensa de empregada gestante, quando ela recusa o convite para retornar ao trabalho, estaria abusando do seu direito porque há entendimento corrente de que a estabilidade provisória no emprego, prevista no ADCT, art. 10, "b", condicionaria o gozo do direito à preservação do vínculo de emprego. O ato de recusa da empregada, portanto, seria caracterizado como abuso de direito e renúncia aos direitos do período da estabilidade provisória.

A garantia constitucional da maternidade vem recebendo diversas interpretações envolvendo a obrigação de a gestante comunicar o empregador sua gestação a fim de que, sabedor, o empregador não poderia romper o contrato. Esta tese está superada pela jurisprudência trabalhista e que foi objeto da súmula 244 do TST, sinalizando que o conhecimento pelo empregador não afasta o direito à indenização do período de estabilidade. Esta mesma súmula, no item II, afirma que somente a estabilidade provisória "autoriza" a reintegração se ela ocorrer durante o período de estabilidade, fixando, portanto, que, em situação adversa, a garantia se restringe aos salários e demais direitos do período de estabilidade. A seguir, ainda, sobre a proteção à maternidade, a jurisprudência do TST se firmou para estender o direito de estabilidade nas hipóteses de contrato a prazo, item III, da súmula em referência.

A tese de fundo refere-se à proteção da maternidade vis à vis o nascituro e não o emprego essencialmente. Trata-se, assim, de direito fundamental destinado à proteção da gestante e do nascituro e que atrai como consequência o compromisso do empregador de garantir o seu gozo pela gestante.

Na contramão dessa tese da estabilidade provisória de efeito duplo (gestante e nascituro), criaram-se condições para a preservação pragmática do benefício do direito. Assim, o desconhecimento pelo empregador seria superado ou reparado mediante nulidade da dispensa (art. 9º da CLT) seguido do convite para retornar ao emprego nas mesmas condições anteriores à dispensa. Contrario sensu, caso a empregada dispensada se recusasse a retornar ao emprego implicaria, este ato, renúncia à garantia constitucional e a pretensão de receber exclusivamente a indenização do período "abuso de direito".

A dúvida em torno da discussão, diz respeito em saber se poderia haver renúncia de direito à garantia constitucional. Neste sentido, o Tema 1.040 do STF já disse que o negociado não pode excluir direitos constitucionalmente assegurados e que estes gozam de indisponibilidade. Portanto, se não pode excluir direitos pelo viés da negociação coletiva, menos ainda por manifestação individual.

Neste sentido, a análise que se faz está no campo do exercício do direito. De um lado, o empregador teria se utilizado do poder potestativo de romper o contrato da empregada e está, uma vez afastada do vínculo trabalhista, não mais se submeteria às regras disciplinares do contrato de trabalho, não se aplicando o pedido de reconsideração previsto no artigo 487 da CLT, pois, o período de aviso prévio já teria transcorrido e, ainda assim, a lei faculta a reconsideração pela empregada.

Mais se pode dizer.

Ainda que se pudesse admitir a pretensão exclusiva de reparação pecuniária, a renúncia do retorno ao emprego não parece se encaixar na tese do abuso de direito pela empregada gestante, pois ficaria contaminado, de forma equivocada, pelo ato ilícito de que trata o art. 187 do Código Civil que considera que "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Depois, no artigo 188 se assevera que não se caracteriza como ato ilícito aquele praticado no exercício regular de um direito. O abuso do direito é o mal uso do direito, é o seu uso anormal, situações que não se podem atribuir à gestante que se recusa a retornar ao emprego.

No caso da gestante, a proteção da maternidade é um direito fundamental que, por si só, afasta a hipótese de abuso e cujo gozo não pode ser condicionado à aceitação do retorno ao emprego. É incondicional e tem efeitos sobre o respeito à dignidade humana e ao exercício da cidadania.

No dia 22/3/23 o sítio do Tribunal Superior do Trabalho, deu notícia de que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) condenou a empresa ao pagamento da indenização substitutiva a uma gestante que recusou a oferta de reintegração da empresa, considerando que a recusa não constitui abuso de direito nem retira da empregada o direito de receber a indenização substitutiva do período de estabilidade. Foi relator o ministro Alexandre Ramos cujo fundamento condutor foi no sentido de que a "norma constitucional se destina à proteção não apenas da empregada gestante, mas também da criança" (E-ARR-10538-05.2017.5.03.0012).

A decisão da SDI-1 é paradigmática e reformou o que a 8ª Turma do TST tinha como entendimento pois havia julgado improcedente o pedido de indenização, por considerar que a gestante teria agido de má-fé e com abuso de direito, porque não pretendia o restabelecimento do vínculo, mas apenas a indenização.

Desta feita, não há má-fé na recusa de retorno ao emprego e, igualmente, não se aplicaria hipótese de abuso de direito, dado que a gestante está no exercício de um direito fundamental.

Paulo Sergio João
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Relações Coletivas do Trabalho e sócio fundador do escritório Paulo Sergio João Advogados. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUCSP

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