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Poder geral de tutela provisória no recurso especial e a dupla competência jurisdicional

Um dos pontos mais sensíveis e que deve ser mais uma vez mencionado, destas e de outras situações práticas envolvendo o Poder Geral de Tutela Provisória, é a verificação da inauguração da competência do STJ para a apreciação do requerimento do interessado.

27/3/2023

Antes do enfrentamento do objeto central, alguns registros devem ser feitos, relacionados à competência jurisdicional na apreciação do REsp e a possibilidade duplo exercício do chamado Poder Geral de Tutela Provisória perante órgãos jurisdicionais diferentes.

De maneira geral, a tutela provisória é tratada entre os arts. 294 e 311, do CPC e possui citações em diversos outros dispositivos do mesmo Código, dentre os quais: arts. 9º, §único, I; 69, §2º, III; 519; 537; 555, §único, II; 919, §1º; 932, II; 937, VIII; 969; 1012, V; 1013, §5º; 1015, I, 1029, §5º e 1059.

Como é sabido, para a concessão da tutela provisória de urgência é necessária a demonstração dos seguintes requisitos positivos (art. 300, do CPC): a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Outrossim, o pronunciamento judicial pode concedê-la de forma liminar (inaudita altera parte), após justificação prévia (art. 300, §2º, do CPC), ou em qualquer outra etapa durante o andamento processual. A rigor, inexiste preclusão em relação ao momento de concessão da tutela provisória incidental.

Vale partir de uma premissa, com o objetivo de enfrentar as variáveis envolvendo a tutela provisória requerida no REsp: o Poder Geral de Tutela Provisória (art. 932, II, do CPC/15) é consagrado aos Ministros Relatores, no STJ e STF, nas ações originárias, incidentes processuais (como o Pedido de Suspensão) e também nos recursos, desde que inaugurada a sua respectiva competência.

De maneira geral, os regramentos para a tutela provisória visando a obtenção de efeito suspensivo em REsp e o afastamento do cumprimento provisório da decisão recorrida ou mesmo efeito ativo para a efetivação dos atos de cumprimento do julgado, podem ser assim divididos: a) recurso oriundo do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR; b) apelo interposto contra acórdão de Tribunal Local (TJ ou TRF).

No primeiro caso, diante da possível extensão nacional do resultado do julgamento (art. 987, §2º, do CPC), o REsp tem efeito suspensivo automático e ex legis (art. 987, §1º, do CPC). Já no segundo, o efeito suspensivo ou ativo deve ser objeto de requerimento autônomo, formulado perante a autoridade competente para sua apreciação, a saber: a) junto ao Tribunal Superior, entre a publicação da admissão do recurso e sua distribuição; b) ao Relator no Tribunal Superior, se o recurso já tiver sido distribuído; c) ao Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local, entre a interposição do recurso e publicação do resultado da admissibilidade, bem como no caso de sobrestamento (art. 1029, §5º, do CPC).

Neste prisma, a tutela provisória deve ser objeto de incidente processual a ser formulado no próprio Tribunal Local ou no STJ, antecipando, neste último caso, a atuação da Corte da Cidadania antes mesmo do próprio recebimento do próprio recurso.

Resta, portanto, enfrentar o tema central deste texto: a possibilidade de mais de uma tutela provisória no mesmo REsp, mesmo que sejam contrapostas, diante da existência da dupla competência de apreciação recursal (arts. 1.029 e 1.030, do CPC). Ao Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal local compete adotar as condutas previstas no art. 1.030, do CPC, bem como apreciar os pedidos de tutela provisória (art. 1.029, §5º, III, do CPC), apenas inaugurando a competência do STJ apenas quando encerrar a atuação local.

Assim, a depender do resultado da apreciação local, poderá ou não inaugurar a competência do Tribunal Superior, o que ocorrerá, por exemplo, em caso de inadmissão do REsp e a possibilidade de manejo do AREsp (art. 1030, V, §1º e 1.042, do CPC). Neste caso, a 4ª Turma do STJ consagra quais são os requisitos para a concessão da tutela provisória para a concessão de efeito suspensivo ao recurso: “A concessão da tutela de urgência, para conferir efeito suspensivo a recurso inadmitido na origem, e objeto de agravo (art. 1042 do CPC/15) é excepcional e pressupõe a aferição da existência de decisão teratológica ou manifestamente contrária à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, somada à demonstração dos requisitos da viabilidade do apelo nobre e plausibilidade do direito invocado, e do perigo da demora” (AgInt na Pet 15063 / SP – Rel. Min. Marco Buzzi – J. em 15/8/22 - DJe 18/8/22).

Portanto, tanto o tribunal local quanto o STJ podem exercer o Poder Geral de Tutela Provisória, inclusive com decisões em sentido contrário e sem qualquer preclusão. Isso foi exatamente o que ocorreu na TP 4302/STJ.

Neste caso concreto, ao admitir o REsp interposto pela autora de ação de imissão na posse de imóvel arrematado junto à Caixa Econômica Federal, a Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul concedeu efeito suspensivo ativo (tutela provisória atribuindo efeito ativo) para determinar a imediata desocupação do imóvel. Contra esta decisão, a parte adversa apresentou o pedido de tutela provisória de urgência ao Superior Tribunal de Justiça (TP 4302/STJ), fundado no art. 1.029, §5º, do CPC, visando a suspensão de qualquer ordem de imissão.

Considerando o recesso forense, o Incidente foi apreciado pela Exma. Ministra Presidente do STJ que deferiu, diante da comprovação dos requisitos legais, “o pedido de tutela provisória de urgência, determinando o imediato recolhimento do mandado/ordem de imissão na posse expedido” (grifo no original).

Importante destacar que ocorreram dois pronunciamentos ligados ao mesmo tema tutela provisória (efeitos ativo e suspensivo), em ambientes cognitivos diferentes e com a sobreposição da decisão da Presidência da Corte da Cidadania. Isto demonstra que, em razão da dupla competência para o REsp, é admissível também a duplicidade de pronunciamentos pautados no Poder Geral de Tutela Provisória, sem qualquer preclusão.

Aliás, essa possibilidade de mais de um pronunciamento com o mesmo objeto e conclusões diferentes também pode estar presente em outras classes processuais, sendo assegurado à Presidência ou Membro de Tribunal Superior a suspensão de tutelas provisórias concedidas por outros órgãos colegiados nacionais, em recursos, incidentes ou mesmo ações originárias. Tudo dependerá da inauguração da competência do Tribunal Superior.

À título de exemplo, vale indicar que na Suspensão de Liminar 1431, o Presidente do STF suspendeu tutela provisória concedida na classe Pedido de Suspensão, pela Presidência de Tribunal de Justiça Estadual; ou seja: contra a tutela provisória concedida na classe Pedido de Suspensão, foi apresentado outro Pedido de Suspensão, em que foi deferida tutela provisória pela Presidência do STF, suspendendo a ordem judicial anterior.

Nestes casos, independente da classe judicial (ação, recurso, incidente processual, etc) em que a ordem positiva ou negativa é concedida, estamos diante do Poder Geral de Cautela como atributo do próprio exercício da Jurisdição, sendo certo que órgão de hierarquia maior irá dar a última palavra sobre o assunto, desde que inaugurada sua competência e sem qualquer preclusão em razão de apreciação anterior.

Voltando para a TP 4302/STJ, a questão a ser discutida, além da própria duplicidade do exercício do Poder Geral de Tutela Provisória, é se estava efetivamente inaugurada a competência do Superior Tribunal de Justiça no caso concreto.

Com a admissão do REsp e a concessão de tutela provisória (efeito ativo) pela Vice-Presidência da Corte local, automaticamente transfere-se ao STJ a competência para o (novo) exercício do Poder Geral de Tutela Provisória, nos termos do art. 1.029, §5º, I, do CPC.

Necessário fazer uma distinção entre esta hipótese (admissão e efeito ativo ao RESp) e a que foi tratada no AgInt na TP 3001 (Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. em 14/11/22 – DJe 17/11/22), em que a 4ª Turma do STJ deixou claro que, em caso de concessão de efeito suspensivo em REsp antes da admissibilidade, em regra a competência para a tutela provisória é do Tribunal Local. Vale citar passagem do Acórdão:

“1. A competência para analisar pedido de tutela provisória referente a recurso especial pendente de admissibilidade é do tribunal estadual ou regional, nos termos do art. 1.029, § 5º, III, do CPC de 2015. 2. Se, antes do exercício do juízo de admissibilidade do recurso especial, houve o deferimento de efeito suspensivo pela corte de origem, a pretensão de contracautela só pode ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça se demonstrada situação de excepcionalidade, ilegalidade ou teratologia na decisão que se pretende suspender.3. Evidenciado que a competência para análise de requerimento de efeito suspensivo é do presidente ou do vice-presidente do tribunal a quo e não verificada situação de excepcionalidade, eventuais pedidos, enquanto pendente o exame da admissibilidade do recurso especial, devem ser àqueles dirigidos”.

A TP 4320/STJ também é diferente da situação em que a tutela de urgência é apresentada para a cassação do efeito suspensivo concedido no REsp pelo Órgão de Origem. Na Pet 14756 (4ª Turma – STJ - Rel. Min. Raul Araújo – J. 08/11/22 – DJe 24/11/22), restou claro que:

“Admite-se a apreciação de medida cautelar/tutela de urgência que vise à cassação de efeito suspensivo a recurso especial (contracautela), condicionando sua procedência à demonstração da inexistência de perigo da demora (periculum in mora) e a inviabilidade do apelo (fumus boni iuris) (AgInt na Pet 11.734/MS, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe de 22/2/17)”.

Um dos pontos mais sensíveis e que deve ser mais uma vez mencionado, destas e de outras situações práticas envolvendo o Poder Geral de Tutela Provisória, é a verificação da inauguração da competência do STJ para a apreciação do requerimento do interessado.

Aliás, em alguns casos bem específicos, o STJ tem admitido a antecipação de sua competência para a apreciação da tutela provisória em REsp, desde que atendido um requisito a mais: a teratologia da decisão recorrida. A Corte da Cidadania tem precedentes mitigando este regramento do art. 1.029, §5º, do CPC, permitindo a antecipação de sua competência para a apreciação da tutela provisória antes da admissibilidade ou mesmo da própria interposição do REsp, como se pode observar neste julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. TUTELA PROVISÓRIA. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. TERATOLOGIA. AUSÊNCIA. ART. 1.029, § 5º, DO CPC/2015. SÚMULAS 634 E 635 DO STF. 1. Consoante o disposto no art. 1.029, § 5º, do CPC/15, que positivou a orientação jurisprudencial contida nas Súmulas 634 e 635/STF, a competência do STJ para a concessão de efeito suspensivo a recurso especial instaura-se após o prévio juízo de admissibilidade no Tribunal de origem. 2. A jurisprudência desta Corte somente admite a mitigação desse entendimento, para que seja concedido efeito suspensivo a recurso especial ainda pendente do prévio juízo de admissibilidade ou mesmo não interposto em hipóteses excepcionais, quando, além do periculum in mora e do fumus bonis iuris, for demonstrada a teratologia da decisão recorrida. 3. Hipótese em que não se evidencia a plausibilidade do direito invocado ou teratologia nas decisões impugnadas, de modo a justificar a não incidência do óbice veiculado pelas Súmulas 634 e 635/STF. 4. Agravo interno no pedido de tutela provisória indeferido” (AgInt no TP 2616 / SP – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. em 08/06/2020 - DJe 10/06/2020)1.

No AgInt na TP 3576 / SP (4ª T – Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – J. 25/04/2022 - DJe 28/04/22) restou claro que: “"a competência do STJ para analisar o pedido de atribuição de efeito suspensivo a recurso ordinário constitucional nasce após a conclusão da tramitação do recurso no Tribunal de origem (arts. 1.027, § 2º e 1.029, § 5º, III, do CPC/2015). Excepcionalmente, é possível o exame do pedido de tutela provisória diretamente por este Tribunal caso evidenciada a teratologia da decisão impugnada e, cumulativamente, se estiverem presentes a plausibilidade do direito alegado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação" (AgInt no TP 2.522/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 1/03/21, DJe 3/3/21)”.

Portanto, há a necessidade de análise com parcimônia do caso concreto e da competência para a apreciação da TutPrev em REsp, tendo em vista que o Tribunal Superior admite, em situações específicas, a antecipação de sua competência, estando presentes, além dos requisitos do art. 300, do CPC, o fenômeno da teratologia da decisão recorrida  que, como se sabe, é de demonstração subjetiva e argumentativa.

De mais a mais, a TP 4.302/MS demonstra que, no mesmo REsp, podem ser concedidas decisões contrapostas diante da apreciação do mesmo fenômeno (Poder Geral de Tutela Provisória) por autoridades hierarquicamente diferentes.

São estes os pontos relevantes acerca das variações práticas ligadas ao instituto da TutPrev em sede de recurso ao STJ e a possibilidade de sua dupla apreciação.

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1 Ver também o AgInt nos EDcl no TP 2837  SP e, mais recentemente, o AgInt no TP 3539 / CE.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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