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O consumidor de planos de saúde e a privacidade

A partir da análise dos prismas normativos internacional e doméstico, constata-se o amplo amparo e o fundamento, que justificam a tutela do consumidor, para que não se afrontem os direitos fundamentais basilares da saudável relação jurídica.

22/3/2023

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, conceituou a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade.” Nesse sentido, a saúde relaciona-se diretamente com a qualidade de vida, não devendo ser encarada meramente como um negócio, ou ainda, business. Como veremos, cabe a proteção de dados pessoais sensíveis inerentes a consultas médicas e outros procedimentos, sob pena de se violar os direitos à privacidade, intimidade e vida privada, além da própria dignidade da pessoa humana.

Nos termos do artigo 196, da Constituição brasileira, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Com base no artigo 199, do mesmo diploma normativo, a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Daí os planos de saúde poderem atuar em complemento ao Sistema Único de Saúde.

Quanto à tutela de dados sensíveis, abarcados pelos direitos inicialmente mencionados, temos o que segue:

A Convenção 108 do Conselho da Europa para a Proteção das Pessoas Singulares, no que tange ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais é tida mundialmente como um dos mais importantes marcos ligados ao assunto. É tida como suporte, para que os Estados o regulamentem em seus sistemas jurídicos internos. Criada em 1981, tem como escopo assegurar a todos o respeito a direitos e liberdades fundamentais, em particular o direito à vida privada, diante do tratamento automatizado dos dados pessoais.

No âmbito constitucional, temos o artigo 1o, inciso III, que protege o direito à dignidade da pessoa humana. Nos termos do artigo 5o, inciso X, são invioláveis a intimidade e a vida privada. Vale frisar que a Constituição brasileira, no ordenamento jurídico, é hierarquicamente superior a Resoluções.

Por sua vez, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), lei Federal 13.709/18, foi promulgada para proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.

No plano externo, temos ainda a Organização das Nações Unidas (ONU), que, por meio de sua Assembleia Geral, adotou as Diretrizes das Nações Unidas de Proteção do Consumidor em 1985 (resolução 39/248), posteriormente ampliadas pelo Conselho Econômico e Social (em 1999) e revistas pela Assembleia Geral na Resolução 70/186 de 2015, como modo de instituir um marco internacional de guia aos Estados, na proteção dos direitos fundamentais do consumidor, tais como a proteção da privacidade e da vulnerabilidade do consumidor.

Nota-se, por fim, na óptica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) o princípio da vulnerabilidade, segundo o qual o usuário de plano de saúde é a parte mais fraca da relação jurídica e, assim, merece proteção.

Finalmente, entende-se que, a partir da análise dos prismas normativos internacional e doméstico, constata-se o amplo amparo e o fundamento, que justificam a tutela do consumidor, para que não se afrontem os direitos fundamentais basilares da saudável relação jurídica, tais como dignidade, intimidade, privacidade e vida privada. Assim, os dados pessoais sensíveis do consumidor, usuário do plano de saúde, devem ser protegidos e resguardados, a menos que o consumidor autorize o seu uso, sob pena de violação de direitos alicerçados em normas alienígenas e internas.

Nicholas Maciel Merlone
Advogado | Professor na Pós-graduação do Senac & Escritor. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Autor de artigos, ensaios e análises.

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