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Competência para a criação de plano de cargos da Defensoria Pública: Com a palavra, STF

Autonomia da Defensoria Pública é reafirmada: Supremo ratifica a competência privativa do Defensor Público-Geral para propor lei sobre cargos, carreira e remuneração da categoria.

22/3/2023

No final de dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIn) 5.943, cujo cerne era a declaração da inconstitucionalidade de diversos dispositivos da lei Complementar 717 de 22 de janeiro de 2018, a qual “Institui o Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos dos servidores da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina e adota outras providências”.

Objetivando a valorização da Defensoria Pública, a referida Lei foi proposta pelo Defensor Público-Geral do Estado de Santa Catarina mediante o Projeto de Lei Complementar (PLC) 31.3/2017 – subsequentemente aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc). Quando submetido à apreciação do Governador do Estado, o PLC foi parcialmente vetado1, ato derrubado pela Casa Legislativa. Com isso, os dispositivos impugnados foram promulgados pelo Presidente da Alesc e passaram a fazer parte, portanto, da lei Complementar 717/18, a qual entrou em vigor a partir de junho de 2018.

O veto parcial do Poder Executivo recaiu nos dispositivos mais importantes do Projeto: aqueles que versavam sobre temas essenciais à carreira, como plano de cargos, vencimentos, normas de ingresso, progressão e promoção funcional, jornada de trabalho, adicionais, funções gratificadas, quadro de cargos comissionados e sistema remuneratório dos servidores. O veto rechaçou, dentre outras questões, a criação de um regime jurídico dos servidores da Defensoria Pública estadual, o pagamento do adicional de pós-graduação e a revisão anual do piso salarial da categoria.

Nessa toada, dada a derrubada dos vetos, o Governador do Estado de Santa Catarina propôs a ADIn 5.943, tendo por objeto, justamente, os dispositivos da LC 717/18 originalmente vetados.

Em sua fundamentação, para além do suposto vício de iniciativa – a matéria “regime jurídico de servidores públicos” estaria submetida à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, e não do Defensor Público-Geral -, a alegada inconstitucionalidade da Lei Complementar catarinense se sustentou em três pilares:  (i) na violação ao regime jurídico único no âmbito da competência de cada ente federativo porquanto a Lei instituiu regime jurídico próprio àqueles Defensores Públicos estaduais; (ii) na criação de cargos de comissão para o exercício de funções não admitidas pela Constituição; e (iii) na violação ao limite de despesas de pessoal ativo, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ao julgar a ADIn 5943, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, destacou o teor das Emendas Constitucionais 74/13 e 45/042 que conferiram maior independência funcional-administrativa à Defensoria Pública e afastaram-na da subordinação ao Poder Legislativo. Inclusive, no voto, evidenciou-se que esse novo tratamento constitucional foi chancelado pelo próprio STF, quando decidiu que a iniciativa de lei sobre criação de cargos, política remuneratória e planos de carreira da Defensoria Pública é privativa do Defensor Público-Geral. Daí a reafirmação da autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública, essenciais à justiça.

Quanto à violação ao regime jurídico único previsto no art. 39 da Constituição, o Ministro Relator ponderou que tal regime não deve ser confundido com plano de cargos e salários, o qual deve ser previsto em lei para categorias de servidores específicos – como bem dispôs a LC 717/18 e seus dispositivos na ADIn impugnados.

A alegação de criação de cargos de comissão para o exercício de funções não admitidas constitucionalmente – as admitidas seriam apenas aquelas enquadradas como funções de direção, chefia ou assessoramento -, também foi rechaçada. O Ministro entendeu que, apesar de a jurisprudência do STF ser clara em não admitir a criação de cargos em comissão com atribuições meramente técnicas e burocráticas, no caso, o cargo de “Assessor de Credenciamento” – criado pela Lei impugnada – possuía, de fato, função de assessoria.

Por fim, o Ministro Relator afastou o argumento de que o aumento de gastos decorrente da criação de cargos pela lei 717/18 violaria as normas gerais de responsabilidade fiscal. Isso, porque como a ofensa seria à Lei Complementar 101/00 – cujo teor estabelece o limite das despesas com pessoal no âmbito da Defensoria Pública catarinense –, tornar-se-ia necessária a análise da inconstitucionalidade reflexa – e não direta – da Lei impugnada, o que é impossível de ser apreciado em uma ADIn.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na ADIn 5.943 e, com isso, manteve em vigor todos os dispositivos da lei catarinense 717/18. Ratificou-se, portanto, a importância das Defensoras e Defensores Públicos, os quais devem ter as suas prerrogativas de autonomia e independência garantidas em todo o território nacional.

Nesse contexto, destaca-se que, segundo a pacífica orientação do Supremo Tribunal Federal, as normas constitucionais acerca da competência para a iniciativa de proposições legislativas constituem cláusulas elementares do Estado Democrático de Direito, por delimitarem a distribuição e a separação de poderes dentro dele. Isso significa dizer, em um contexto federativo, que os dispositivos constitucionais referentes à iniciativa legislativa tratam-se de normas de observância e reprodução obrigatória pelos Estados-membros, afinal, são elementares para a manutenção do regime democrático e federativo.

Posto isso, entende-se como fundamental, ao aperfeiçoamento do sistema democrático e à concretização dos direitos fundamentais, principalmente aos hipossuficientes, que se reconheça e legitime a importância institucional das Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal. Isso é, assegurar a sua autonomia funcional e administrativa como uma base fundante do sistema de justiça, o qual não guarda vinculação direta à essência da atividade dos demais poderes, não, portanto, a eles se sujeitando.

É notório o papel das Defensorias no cumprimento do dever do Estado em prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5°, inciso LXXIV), garantindo a eles, por consequência, o direito fundamental ao acesso à justiça (art. 5°, inciso XXXV). Nessa linha, nota-se que, por vezes, na defesa dos direitos de seus assistidos, os membros das Defensorias atuam contra o Estado, o que torna categórica a necessidade de garantia e proteção da autonomia funcional e administrativa desses profissionais, essenciais para a salvaguarda dos direitos fundamentais da população carente — principalmente, em um país no qual 29,6% de sua população encontra-se abaixo da linha da pobreza.3  

Tal pressuposto sobre a importância da existência, de forma independente e autônoma, de instituições provedoras de assistência jurídica gratuita encontra-se amparado em importantes tratados internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto de San Jose da Costa Rica. Inclusive, no contexto internacional, destaca-se a Resolução 2.656 da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual expressamente recomenda “aos Estados membros que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas que garantam que os defensores públicos oficiais gozem de independência e autonomia funcional”.4

Assim, seja pelo entendimento manifestado na Assembleia Geral da OEA, na supracitada Resolução; seja pelo teor do Acórdão da ADIn 5.943; é nítida a necessidade da autonomia e independência das Defensorias Públicas, as quais justificam-se pela importância do serviço de assistência gratuita para a promoção e proteção do direito ao acesso à justiça de todas as pessoas, especialmente daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade.

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1 Os dispositivos vetados pelo Governador do Estado foram os seguintes: arts. 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e os Anexos I, II, III, IV, V, VI e X do PLC 31.3/2017.

2 Tais reformas constitucionais foram resultado das Emendas Constitucionais 74/2013 e 45/2004, as quais foram declaradas constitucionais pelo Supremo no julgamento da ADIn 5296. A Emenda 80/2014 também foi um exemplo, afinal, além de atribuir independência funcional às Defensorias Públicas, estabeleceu que compete à Defensoria Pública propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de cargos.

3 https://portal.fgv.br/noticias/mapa-nova-pobreza-estudo-revela-296-brasileiros-tem-renda-familiar-inferior-r-497-mensais

4 https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/11698/AG_RES_2656_pt.pdf

Walter Maia
Sócio do escritório Malta Advogados; Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Pós-Graduado em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Administração pela Universidade de Brasília (UnB).

Aline Benção
Sócia do escritório Malta Advogados.

Lucas Pietschmann
Colaborador no escritório Malta Advogados.

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