Do acompanhamento de processos gravados com "segredo de justiça" pelo sistema informatizado do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Sandor Krisztan Borcsik*
Nesse padrão de alteração estrutural do modelo processual, inúmeros juristas de escol e o próprio legislador têm envidado esforços para equacionar o binômio custo-duração do processo, de forma a tornar a administração da justiça, por meio do processo, instrumento hábil e efetivo a tutela tempestiva de direitos.
Todavia, contribuem como fatores de retardamento da entrega da prestação jurisdicional, ao lado da legislação processual ainda muito burocrática, dificuldades materiais e de ordem prática, o excessivo apego a dogmas e fórmulas ultrapassadas e a forte cultura burocrática dos operadores do direito.
Acrescenta-se ao fenômeno, ainda, que dúvidas e interrogações constituem a tônica dominante em todas as proposições de alteração do sistema judiciário, sobretudo porque não temos tradição na conjugação do estudo científico com os conhecimentos empíricos.
De ordinário, começamos pelo planejamento de objetivos e estratégias, invariavelmente dirigindo esforços para a alteração da legislação aos fins de alcançar os resultados esperados, retrocedendo mais tarde para corrigir os desvios de rota não esperados e as conseqüências não previstas, em razão de não termos uma visão clara do ambiente onde intentamos projetar os resultados pretendidos.
E assim têm ocorrido com o sistema informatizado, não obstante os louváveis esforços do Poder Judiciário Bandeirante, especialmente no que diz respeito ao acompanhamento processual pela internet relativamente aos processos que correm em segredo de justiça, na forma do art. 155 do Código de Processo Civil, o qual não é disponibilizado.
Com efeito, a Constituição Federal (clique aqui) instituiu como regra, no art. 93, inciso IX, a publicidade dos atos processuais, autorizando sua restrição a determinados atos, desde que por disposição legal, para a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo, acrescentando, ainda, no art. 5º, inciso LX, que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
Assim, o segredo de justiça que a Constituição Federal admite, quando acolhe a publicidade restrita, e que o Código de Processo Civil prevê no art. 155, diz com as pessoas do processo e com os fatos do processo que não podem ser revelados ao público em geral, ou seja, apenas as partes e os respectivos procuradores têm acesso aos fatos e fundamentos jurídicos que no processo se contêm.
O Código de Processo Civil não explicita a extensão do segredo, porém é de rigor distinguir entre o sigilo que se impõe sobre o conteúdo do processo e o segredo quanto à sua existência, que não tem qualquer razão de ser. Assevera com muita propriedade o Prof. José Raimundo Gomes da Cruz que 'o legislador, admitindo o segredo de justiça, deixou claro que o princípio de publicidade processual não é absoluto. Mas também é relativo o sigilo que deve cercar certos processos' ('Segredo de Justiça', nº 4, Rev. For., 284/57).
O que o segredo de justiça protege, portanto, é o conteúdo dos processos abrangidos pelas hipóteses do art. 155, incisos I e II, do Código de Processo Civil, o qual também é relativamente excepcionado em seu parágrafo único, quanto ao direito que assiste a qualquer pessoa, que demonstrar interesse jurídico, de requerer certidões de certas peças dos processos que correm em segredo, disposição prevista também no art. 5º, inciso XXXIV, alínea 'b', da Constituição Federal.
Essa conclusão pode ser extraída, ainda, do magistério do Dr. Egas Dirceu Moniz de Aragão, ao comentar o art. 155 do Código de Processo Civil, em sua obra "Comentários ao Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973)", Volume II (Arts. 154-269), 1ª edição eletrônica, Rio de Janeiro 2002, senão vejamos:
"Acresce que certos atos do processo, mesmo que sigiloso, devem necessariamente ser divulgados, na sede do juízo e pela imprensa, oficial e comum, no caso das citações por edital (art. 232, II e III), ou somente oficial, no caso das intimações aos advogados (arts. 236 e 237). Para praticar tais atos é inevitável revelar a existência do processo, embora com o cuidado de resguardar seu conteúdo. A essa conclusão chegaram os magistrados brasileiros, reunidos em Congresso (1974), no qual foram aprovadas duas teses: uma quanto à publicação das intimações aos advogados, que o segredo não impede mas devem ser feitas com omissão de "quaisquer referências a questões de fato ou de direito discutidas na causa"; outra quanto à citação por edital, de que "não constarão as especificações da petição inicial a que se refere o art. 225, II". Como se observa, preservado o sigilo quanto ao conteúdo, a existência mesma do processo não é (nem pode ser objeto de segredo)".
Com efeito, a tão só veiculação do andamento do processo na internet, por meio do sistema informatizado adotado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para fins de acompanhamento processual, não tem o condão de invadir a esfera do segredo de justiça, violando a intimidade e a vida privada das partes, tampouco tangenciar interesse de ordem pública, até mesmo porque as mesmas informações são veiculadas no Diário Oficial do Estado.
Todavia, sem qualquer razão aparente, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não disponibiliza o acompanhamento processual dos feitos gravados com a situação de "segredo de justiça", impondo a necessidade às partes e aos respectivos procuradores de se dirigirem pessoalmente ao Ofício Judicial para o mero acompanhamento do processo, ou seja, para o simples conhecimento das fases do andamento processual – v.g., se houve juntada de peças, abertura de vista às partes, abertura de vista ao Representante do Parquet, se os autos subiram conclusos, se houve decisão, se estão aguardando publicação, etc.
Tal modus operandi, a par de reduzir sobremaneira a eficácia do sistema informatizado, inviabilizando sua utilização como forma paralela às intimações pelo DOE, como meio de acompanhamento processual, provoca o congestionamento dos balcões dos Cartórios das Varas de Família e Sucessões, responsáveis pela tramitação de grande parte dos litígios, contribui para o injustificado aumento do custo operacional, da demanda de tempo, de recursos pessoais nem sempre disponíveis, agravando a relação custo-benefício-duração do processo sem a necessária contraprestação de qualquer benefício ao jurisdicionado e ao próprio Estado.
Contudo, felizmente a providência é, em verdade, muito simples e não demanda qualquer despesa, bastando a alteração de uma linha de comando na programação do sistema informatizado para que os nomes das partes sejam veiculados de forma abreviada, indicados por suas iniciais como, de resto, ocorre nas intimações pelo diário oficial, na forma prevista no Capítulo II, Seção VIII, item 187, das Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, a exemplo do que ocorre no sistema informatizado de acompanhamento processual do egrégio Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar de exemplos colhidos no site https://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/, referentes às ações de Habeas Corpus (HC 39902-MG, Registro: 2004/0168400-1) em que se discute Prisão Civil por inadimplemento de Pensão Alimentícia, Separação Judicial (REsp 686978-RS, Registro: 2004/0116174-4) e Alimentos (REsp 804150/DF, Registro: 2005/0207864-0).
Não obstante, enfrentamos nesta sede a forte tendência burocrática e a praxe, reiteradamente utilizadas com a consciência de que assim deve ser, embora, na maioria das vezes, desvinculados da necessária orientação à produção de resultados efetivos no mundo fático, motivo da criação de todo o aparato para a intervenção do Estado na tutela dos interesses em litígio.
Contudo, é dentro desse cenário e neste período de tempo da história que nos cabe estudar, desenvolver e impulsionar o sistema jurídico atual ao encontro da outorga aos jurisdicionados de um processo caracterizado pela efetividade, utilidade e tempestividade da tutela, equacionando o trinômio custo-benefício-duração do processo. Resta saber se há interesse no propósito de abreviar o momento crucial de ter de decidir a causa e de fazer cumprir, efetivamente, a decisão proferida.
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*Escrevente-Chefe no 1º Ofício Judicial da Comarca de Votoranim/SP
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