Migalhas de Peso

De carpacídios a emacídios, um palácio dos horrores

Quem de qualquer forma concorre para o abuso ou maus-tratos a animais, seja por ação ou omissão deliberada, deve responder pelo crime e sofrer as penas respectivas.

20/3/2023

Ainda sem digerir o extermínio das carpas ornamentais, que se insinua sacrificadas por um punhado de prata, fomos informados pela imprensa que as famosas emas que habitavam os jardins do Palácio da Alvorada também sucumbiram.

Segundo noticiado, o “carpacídio” se dera pela supressão de oxigênio. Os caros e longevos peixes ornamentais, presentes Hirohito, foram descartados em circunstâncias ainda nebulosas. Segundo alguns, num esquema que envolve entidade civil e até lavagem de capitais (não somente das moedinhas batizadas), que deveria merecer a atenção da imprensa e órgãos investigativos.

Já o “emacídio” se consumou pelo excesso de comida imprópria. Uma dieta de morte lenta: vegetais, insetos e pequenos vertebrados foram substituídos por restos de comida humana, de gente afartada (camarão, lagosta, leite condensado, etc). Não bastasse a oferta de cloroquina às pobres pernaltas...

Enquanto o zoocídio vinha à tona, noticiava-se que o palácio sofrera nos últimos tempos outra infestação animal.

Uma longa reportagem do televisivo Fantástico mostrou que o local se transformara num ninho de guaxe, tamanho o desleixo.  Parecia ter sido pilhado e abandonado por uma vara esfaimada. Da sobra dos restos ainda deram conta uma espécie inusitada de catartídeos, que se apossaram do local nos estertores de 2022.

Tudo no contexto – da forma em que noticiado – de uma verdadeira pilhagem a sobras e restos de patrimônio público. Bens havidos como carniça, embora de significativo valor, cujo dano ou surrupio fede a crime e exala improbidade administrativa.

Também os atos de crueldade para com as valiosas carpas e as humilhadas emas respondem pelos mesmos nomes, acaso comprovados. Revelam, em tese, ilícito criminal e civil.

Aves e peixes maltratados sofrem e sentem dor; têm terminações nervosas iguaizinhas às nossas.  Não à toa, os animais recebem proteção legal de todo e qualquer grupamento de homens civilizados há décadas. Só para ilustrar, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da UNESCO, já vai para seu 45º aniversário.

No Brasil, maus-tratos a animais são sancionados pela lei há quase um século, objetos de uma progressiva tutela normativa. O primeiro documento legal de proteção aos animais, decreto 24.645/34, já descrevia o ilícito penal de maus-tratos, inclusive com previsão de prisão.

Hoje, a proteção à fauna encontra assento constitucional, artigo 225, CR/88: §1º, I: “incumbe ao Poder Público [...] preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.

A legislação infraconstitucional protetiva aos animais (à fauna em geral), atualmente está em boa medida contida na lei 9.605/98, conhecida como lei de Crimes Ambientais (LCA). Ela prevê pena de detenção de três meses a um ano (além de multa) àquele que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (LCA, artigo 32), pena que se aumenta de um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal (§2º).  Quem de qualquer forma concorre para o abuso ou maus-tratos, seja por ação ou omissão deliberada, pode responder pelo crime e sofrer as sanções respectivas.

Os maus-tratos noticiadamente sofridos por animais no primeiro-lar do Brasil são repugnantes e intoleráveis. Um péssimo e tenebroso exemplo à nação e um vexame internacional. Os responsáveis, eles sim, são animais perigosos.

Se alguém nessa estória merece gaiola, não são as emas.

Paulo Calmon Nogueira da Gama
Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio

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