O crime de gestão temerária está previsto no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº. 7.492/1986, e tem como objeto jurídico tutelado a credibilidade do sistema financeiro nacional.
“Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único. Se a gestão é temerária:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.”
Esse tipo penal pode ser cometido por aquele que detém competência institucional para a prática de atos de gestão bancária, onde o desprezo pelas normas de conduta da instituição financeira tem potencial para causar danos subjetivos à coletividade.
“A concessão em série de dezenas de empréstimos aprovados pelos diretores de entidade governamental de fomento, sem a devida observância das normas editadas pelo Banco Central do Brasil, e o gerenciamento desses créditos, sem controle e sem cobrança daqueles em atraso, pode, em tese, configurar o crime de gestão temerária de instituição financeira, que não depende de resultado, não havendo como afastar a responsabilidade penal sem a realização da instrução criminal.
HC 44.866/GO, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 3/11/05, DJ de 5/12/05, p. 346.)”
Trata-se de delito considerado de mão própria, de conduta pessoal ou de atuação infungível, isto é, pode ser praticado por aquele que detém poder de decisão sobre o deferimento uma operação financeira, admitindo-se, consequentemente, ex vi do art. 29, do Código Penal, a participação de terceiros que contribuíram para a realização do fato típico.
“É possível, todavia, a participação de terceiras pessoas não integrantes do rol taxativo previsto em lei na prática do delito, desde que se demonstre o nexo de causalidade entre a conduta da terceira pessoa e a realização do fato típico. Esse nexo exige a presença do elemento subjetivo, consubstanciado na consciência de que sua conduta, mediante ajuste de vontades, voltada para a ocorrência do resultado que a lei visa reprimir.
RHC 18.667/DF, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 9/10/12, DJe de 19/10/12.)”
O delito em análise exige que o gestor tenha intenção de colocar em risco a instituição financeira (ou assume o risco – dolo eventual), ou seja, só haverá justa causa para a formalização de uma acusação criminal quando estiver comprovado o dolo:
“A denúncia que emprega os termos imprudência e negligência, descrevendo, pois, comportamento culposo, apesar da imputação de crime punível apenas a título de dolo, conduz ao reconhecimento da atipicidade.
(HC n. 101.570/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/9/10, DJe de 11/10/10.)”
Aliás, o mero descumprimento de normas internas da instituição financeira não caracteriza o delito, uma vez que a gestão temerária exige ato voluntário típico de gestão desastrosa:
“O descumprimento de normas internas da agência bancária, relativas à empréstimos e financiamentos, não legitima a acusação de gerente pelo delito de gestão fraudulenta se os atos não chegaram a compreender o núcleo contido no verbo "gerir", pelo qual se tem real comprometimento da administração da instituição.
(REsp 897.864/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/11/10, DJe de 29/11/10.)”
Nesse sentido, a infração penal não exige efetiva lesão, pois o resultado naturalístico não é previsto na norma. Trata-se de infração conceitualmente conhecida como formal ou de consumação antecipada, sendo a lesão ao sistema financeiro nacional mero exaurimento do crime:
“A consumação do crime de gestão temerária não depende da produção de resultado naturalístico, que nem sequer é previsto no tipo penal.”
REsp 1.352.043/SP, Relator Sebastião Reis Júnior Sexta Turma, julgado em 17/10/13, DJe de 28/11/13
Embora existam divergências sobre o conceito de gestão para a caracterização do tipo penal em análise, prevalece o entendimento de que a gestão temerária poderá estar configurada com apenas um único ato típico. Trata-se de delito definido como habitual impróprio, onde a reiteração criminosa não configura pluralidade de crimes.
Confira trechos das ementas de dois julgamentos divergentes ocorridos no Superior Tribunal de Justiça:
“O crime de gestão temerária de instituição financeira caracteriza-se como crime acidentalmente habitual, razão pela qual, embora um único ato seja suficiente para a configuração do crime, a sua reiteração não configura pluralidade de delitos. Precedentes do STJ e do STF.
HC n. 391.053/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/5/19, DJe de 2/8/19.)”
“Embora exista controvérsia, com entendimentos doutrinários e jurisprudenciais em sentido contrário, a tese mais plausível é de que o crime do art. 4º, parágrafo único da Lei nº 7.492/1986 (gestão temerária) exige para a sua consumação a existência de habitualidade, ou seja, de uma sequência de atos, na direção da instituição financeira, perpetrados com desmedido arrojo.
A descrição de um só ato, isolado no tempo, não legitima denúncia pelo delito de gestão temerária.
(HC 97.357/GO, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28/9/10, DJe de 18/10/10.)”
Por fim, em regra, por ser um delito que se presuma estar embasado em decisão proferida pelo Banco Central do Brasil, só haverá justa causa para a persecução criminal quando houver o trânsito em julgado da decisão punitiva da autoridade administrativa, sendo inaplicável a regra das independências das instâncias administrativa e criminal, pois, na gestão temerária, a decisão administrativa punitiva vincula a justa causa para a ação penal.
“Tendo o órgão estatal responsável pela fiscalização do Sistema Financeiro Nacional, após regular e amplo procedimento administrativo, concluído que as práticas que motivaram a representação administrativa e, posteriormente, a investigação criminal, não caracterizaram gestão temerária, evidente a atipicidade da conduta, a conduzir ao trancamento da Ação Penal por falta de justa causa. Precedentes do STF e do STF (RHC 12.192/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJU 10.03.03 e HC 83.674/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJU 16/4/04).
(HC 77.228/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 13/11/07, DJ de 7/2/08, p. 343.)”