O termo Pejotização surge da denominação Pessoa Jurídica: é utilizado para descrever o ato de manter empregados através da criação de empresa pelos contratados – a relação passa a ser entre empresas ao invés do contrato de trabalho entre a empresa e seus empregados. O termo ficou vinculado a uma prática pejorativa, onde na verdade o empregador nada mais faz do que maquiar a relação de trabalho – por reduzir os direitos do empregado, a pejotização traria benefícios financeiros ao empregador.1
A Pejotização é uma prática comum, mais do que se imagina, mas que se contrapõe ao ordenamento jurídico, uma vez que permite a diminuição dos encargos sociais e fiscais dos empregadores, além da redução dos preços e melhor competitividade com os concorrentes, o que denota a relação com o fenômeno do dumping social e, consequentemente, desrespeito aos padrões mínimos trabalhistas defendidos na órbita internacional pela Organização Internacional do Trabalho e pela Organização Mundial do Comércio (patamar mínimo civilizatório), e com consequências funestas para os trabalhadores, que não veem assegurados direitos como FGTS, décimo terceiro salário, férias, sem olvidar da não limitação da carga horária de trabalho, ausência do descanso remunerado, da contração de seguro de vida e acidentes, impossibilidade de gozo das garantias de emprego, enfim, falta de amparo às regras da CLT.
O objetivo é apenas a economia ilegal de impostos e contribuições, uma vez que a tributação incidente sobre a pessoa física é bem maior do que sobre a pessoa jurídica.
Laura Machado de Oliveira2, no artigo “Pejotização e a precarização das relações de emprego”, comenta:
“O fenômeno, a primeira vista, chama sua atenção do empregado, pois a pecúnia oferecida pelo empregador é maior, alegando que com a redução com o pagamento de impostos possibilitará o aumento do valor do “salário”, contudo, leva o a acreditar que a oferta é recompensadora, mas na verdade ao empregado não será assegurado pela lei o direito ao décimo terceiro salário, às horas extras, às verbas rescisórias, os direitos previdenciários (e consequentemente à licença maternidade, auxilio reclusão, auxílio doença, etc), ao salário mínimo, ao labor extraordinário, aos intervalos remunerados (descanso semanal remunerado e férias com adicional constitucional de um terço), aos direitos concernentes na ocorrência do acidente de trabalho, entre outros direitos garantidos pela Lei ou em acordos e convenções coletivas, além de trazer muita insegurança ao empregado que labora em tais condições, sem nenhuma garantia. Se não fossem apenas os direitos trabalhistas suprimidos, o empregado ainda terá que arcar com as despesas provenientes de uma pessoa jurídica, como o contador, o pagamento de impostos e contribuições de abertura, manutenção e encerramento da firma, além de assumir os riscos de um negócio que não tem razão de existir.
Por outro lado, o empregador se beneficia pela desoneração de uma séria de responsabilidades como a acima expostas, além da carga tributária reduzida, contando com a prestação de serviços ininterrupto pelos 12 meses do ano (pois a empresa contratada não tem o direito a gozar férias), é liberado do pagamento do INSS de 20% sobre a folha a título de contribuição previdenciária assim como a contribuição para o Sistema “S” sobre esse prestador de serviço, também não precisará pagar a alíquota de 8% referente ao FGTS assim como a indenização de 40% sobre o seu montante, nem tampouco o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Um empregador que se dispõe a pejotizar um empregado com o fim de pagar menos encargos sociais, desrespeitando os preceitos laborais, provavelmente também estará disposto a aplicar outras arbitrariedades. Partindo do mesmo raciocínio, o empregador almejando o maior lucro possível, sobrecarrega os empregados e não possui nem o encargo de efetuar o reajuste salarial na data base.”
Ainda, é importante frisar que a qualificação do trabalhador na categoria de empregado não se realiza de acordo com a vontade e a conveniência das partes envolvidas no contrato, mas pela subsunção da relação efetivamente construída entre elas à hipótese prevista no artigo 12, inciso I, alínea “a”, da lei 8.212, de 24 de julho de 1991 (existência dos pressupostos do vínculo empregatício: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica).
A despeito de encontrarem-se na relação laboral, durante sua integralidade, perfeitamente caracterizados, todos os elementos fáticos-jurídicos do vínculo empregatício, na conformidade do disposto no artigo 2º e 3º da CLT, as empregadoras mascaram esta situação através de contrato de trabalho firmado com pessoa jurídica constituída pelo empregado.
Para que esteja configurado o vínculo empregatício regido pela CLT, deverão estar presentes todos os seguintes elementos fáticos da relação de emprego:
- trabalho por pessoa física;
- pessoalidade;
- não eventualidade;
- subordinação;
- onerosidade, como nos ensina Mauricio Godinho Delgado3, vejamos:
“O fenômeno sócio-jurídico da relação empregatícia surge desde que reunidos seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de serviço por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação”
Em breves linhas será tratado de forma simplificada cada um dos elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego.
- Trabalho por Pessoa Física: A prestação de serviço é aquela pactuada por uma pessoa física (ou natural);3 Curso de Direito do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado, 7ª Edição, Editora LTR, página 305
- Pessoalidade: o empregado não pode enviar ou fazer se substituir por qualquer outra pessoa em seu lugar para prestar serviços para o empregador, já que a prestação de serviços era “intuito personae”;
- Não Eventualidade: o empregado destina seu trabalho de modo constante, inalterável e permanente a um destinatário, de modo a manter uma constância no desenvolvimento de sua atividade em prol da mesma organização, suficiente para que um elo jurídico seja mantido, resultante, muitas vezes, dessa mesma continuidade4;
- Subordinação: De forma simplificada o empregado, além de estar obrigado a trabalhar, deverá fazê-lo sob as ordens do empregador. Trata-se de uma vinculação jurídica, visto ser originária de um negócio jurídico (contrato de trabalho).
- Onerosidade: É a contraprestação pecuniária ao trabalho desempenhado por determinada pessoa (Salário/remuneração)
Desta maneira, preenchidos os requisitos supramencionados resta configurada relação de emprego.
A jurisprudência indica:
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015 /2014. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. CONTRATAÇÃÇO DE TRABALHADOR POR MEIO DE PESSOA JURÍDICA. Do exame das premissas delineadas no acórdão, entendo que o Tribunal Regional adotou enquadramento jurídico equivocado quanto aos fatos analisados. Por oportuno, não é demais salientar que o Direito do Trabalho consagra o Princípio da Primazia da Realidade, sendo certo que a conduta da reclamada, revela o emprego de meio simulado (contrato com pessoa jurídica) para o fim de recrutamento do autor como verdadeiro empregado. Recurso de revista conhecido e provido" (TST - 2ª T. - RR 717400-35.2009.5.12.0026 - Relª Minª Maria Helena Mallmann - DEJT 1/7/2016).
"RECURSO DE REVISTA - RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE AS PARTES - PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES - FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. No caso dos autos, diante do contexto fático-probatório delineado no acórdão recorrido, constata-se que o ingresso da autora em sociedade empresária dera-se tão somente para permanecer prestando serviços para a ré vinculados diretamente à sua atividade fim. Isso porque, durante aproximadamente dez anos, período em que ostentava a suposta qualidade de sócia de empresa prestadora de serviços, a reclamante realizou serviços de médica veterinária em benefício da reclamada, que consiste em uma clínica veterinária, mediante pagamento, além do mais, as substituições eram apenas esporádicas e sem oposição da reclamada, o que efetivamente não é suficiente para descaracterizar o requisito da pessoalidade, conforme consignado na decisão regional. Nesse passo, conclui-se que a demandada utilizou-se do fenômeno conhecido como "pejotização" para burlar a legislação trabalhista, tendo em vista que restaram demonstrados todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, circunstância que configura fraude às leis trabalhistas, atitude rechaçada no art. 9º da CLT. Desse modo, no caso vertente, não pairam dúvidas de que o objeto do contrato era a própria atividade da reclamante e não meramente o resultado do serviço prestado, sendo que a contratação de mão de obra por empresa meramente interposta para o desenvolvimento das atividades fim do tomador implica a formação do vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços, nos termos dos arts. 3º e 9º da CLT. Nesse exato sentido, é a Súmula nº 331, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. (...)" (TST - 7ª T. - RR 1535-57.2010.5.02.0381 - Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho -DEJT 20/11/2015).
APRESENTADORA DE TELEJORNAL. PEJOTIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. VÍNCULO DE EMPREGO CARACTERIZADO. O apelo da reclamada atribui mais atenção à autonomia da vontade e ao princípio da livre iniciativa do que ao modo com que o trabalho da reclamante era desenvolvido dentro do seu empreendimento, mas é importante partir da premissa de que o contrato de trabalho tem particularidades que guiam o julgador para o enquadramento adequado da relação jurídica, como a característica de se consubstanciar em contrato-realidade. As relações jurídico-trabalhistas se definem pela situação de fato, pelo modo como se realizou a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhes tenha sido atribuído pelas partes contratantes, de maneira que a autonomia da vontade cede espaço para a matéria de ordem pública. É difícil conceber autonomia na prestação diária de serviços de uma apresentadora de um dos mais importantes telejornais da TV aberta do Brasil, visto que as tarefas e atribuições designadas às pessoas envolvidas na transmissão televisiva são demasiadamente dependentes umas das outras, o que demanda uma pirâmide hierárquica bem definida a fim de harmonizar, dirigir e coordenar os trabalhos, tanto que a prova oral demonstrou que havia diretor de jornalismo, chefe de redação, redator-chefe, chefe de pauta, coordenador de produção, todos atuando nas reportagens que seriam levadas ao ar pelo telejornal apresentado pela autora. A terceirização prevista na Lei 6.019/74, de atividade-fim ou de atividade-meio, não subsiste quando há subordinação direta entre o trabalhador e o tomador da mão de obra, como ocorreu no caso vertente.
Presentes os requisitos para a caracterização do vínculo de emprego (arts. 2º e 3º da CLT). Recurso ordinário da ré conhecido e não provido nesse ponto. (TRT/SP Nº 1000258-94.2021.5.02.0383 - 14ª TURMA – Rel. RAQUEL GABBAI DE OLIVEIRA) CONTRATO CELEBRADO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS.
APRESENTADOR DE PROGRAMA DE TELEVISÃO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS FÁTICO-JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. NULIDADE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO. Comprovado que o trabalhador prestou serviços de forma pessoal, onerosa, não eventual e mediante subordinação jurídica, em atividade relacionada aos fins econômicos da contratante, é nulo o contrato formalmente celebrado entre pessoas jurídicas, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador e a contratante. (RT 0010028-72-2015.5.03.0105 – 8ª Turma – TRT/MG - Rel. José Marlon de Freitas - DJE 25/08/2016)JORNALISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. No presente caso, evidencia-se a chamada "pejotização”, fenômeno em que a utilização de pessoas jurídicas é fomentada pelo tomador de serviços a fim de evitar os encargos trabalhistas. Contudo, vigora no Direito do Trabalho o princípio da irrenunciabilidade, mediante o qual não é permitido às partes, ainda que por vontade própria, renunciar os direitos trabalhistas inerentes à relação de emprego existente. Impõe-se, pois, confirmar a sentença que reconheceu a relação de emprego. (RT 0001702-52.2012.5.01.0019 – 7ª Turma – TRT/RJ – Rel. Giselle Bondim Lopes Ribeiro)
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A autora comprovou a subordinação na relação de trabalho havida com a ré, porquanto a segunda testemunha ouvida nos autos declarou que trabalhava em conjunto com a autora, na atividade fim, formando equipe de reportagem, submetida a escala de horário. O entendimento pacífico no C. TST, consubstanciado na Súmula nº 331, item III, determina o reconhecimento do vínculo em caso de serviço ligado à atividade fim do tomador, devendo ser acrescentado que no presente caso foi comprovada a subordinação, onerosidade, habitualidade e pessoalidade, por meio de prova documental. (RT 0010388-76.2013.5.01.0058 – 7ª Turma – TRT/RJ –Rel. Alvaro Luiz Carvalho Moreira)
VÍNCULO DE EMPREGO. Configurado o vínculo de emprego entre as partes, nos termos do art. 3º, da CLT, é de se manter a r. sentença, eis que a contratação da reclamante, no cargo de jornalista, mediante pessoa jurídica da qual é sócia, teve como finalidade fraudar a legislação trabalhista, a teor do art. 9º, da CLT. (TRT-1 - RO: 698004720095010067 RJ, Rel. Maria Das Gracas Cabral Viegas Paranhos, Julgamento: 25/04/2012, Sétima Turma, Publicação 10/05/2012)
JORNALISTA - VÍNCULO DE EMPREGO. A presença dos requisitos previstos nos artigos 2° e 3° da CLT autoriza o reconhecimento de vínculo de emprego, em detrimento de retratação formal diversa, o reclamante, seja sob o ponto de vista do regime de titularidade dos resultados ao trabalho, seja sob a ótica do modo de organização e execução da sua atividade produtiva – não compunha empreendimento verdadeiramente autônomo, mas desenvolvia função ligada diretamente à atividade-fim da empresa jornalística. (Processo 00895-2007-003-04-00-4 (RO)
Redator: RICARDO TAVARES GEHLING - Data: 11/12/2008 - 3ª' Vara do Trabalho de Porto Alegre)
RECURSO ORDINÁRIO - PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO- CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO - CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. -PEJOTIZAÇÃO-. CONFIGURAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. O ordenamento jurídico pátrio veda que empresas, ao invés de contratarem empregados para a realização de sua atividade[1]fim, terceirizem esta atividade, que passa a ser prestada aos seus clientes através de outras pessoas jurídicas, frequentemente constituídas por antigos empregados. Tal prática constitui-se no fenômeno conhecido como -pejotização-, repudiado por esta Justiça Especializada, de forma que, restando evidenciada tal prática, deve ser reconhecido o vínculo de emprego. (TRT-1 - RO: 8789520105010041 RJ, Rel. Paulo Marcelo de Miranda Serrano, Julgamento: 31/10/2012, 7ª Turma, Publicação 30/11/2012)
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA PEJOTIZAÇÃO – OMISSÃO DE RENDIMENTO DO TRABALHO COM VÍNCULO DE EMPREGATÍCIO RECEBIDOS DE PESSOA JURÍDICA
Outro aspecto relevante é no campo tributário, onde também não cabe aos particulares decidirem quanto à existência ou não de relação empregatícia, assim como não lhes é possível afastar os efeitos tributários decorrentes das relações que estabelecem, conforme o disposto no artigo 123 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - publicada no DOU de 27 de outubro de 1966 e retificada no DOU de 31 de outubro de 1966):
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Convém ressaltar, ainda, que não se trata de interferência estatal na liberdade constitucionalmente assegurada de que dispõem as pessoas para se organizarem e realizarem negócios lícitos da maneira como entenderem mais conveniente para a consecução de seus objetivos. Contudo, a liberdade das partes não pode transpor os limites traçados pelo ordenamento jurídico.
É exatamente contra a quebra da legalidade causada pela prática conhecida como “pejotização” que o judiciário e a fiscalização devem atuar.
Sobre o assunto, o decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das leis do Trabalho), estabelece, em seus artigos 3º e 9º:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
(...)
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Por sua vez, o art. 3º da lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que trata do imposto de renda, determina:
Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90)
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
Ainda, o decreto 3.000, de 26 de março de 1999 (Regulamento do Imposto de Renda), dispõe:
Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e as pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza e os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados (lei 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional, art. 43, caput , incisos I e II ; e lei 7.713, de 1988, art. 3º, § 1º).
(...)
Art. 38. A tributação independe da denominação dos rendimentos, dos títulos ou dos direitos, da localização, da condição jurídica ou da nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou dos proventos, sendo suficiente, para a incidência do imposto sobre a renda, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título (Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º).
Parágrafo único. Os rendimentos serão tributados no mês em que forem recebidos, considerado como tal o da entrega de recursos pela fonte pagadora, mesmo mediante depósito em instituição financeira em favor do beneficiário).
(...)
Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como (Lei nº 4.506, de 1964, art. 16 ; lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º ; lei nº 8.383, de 1991, art. 74 ; e Lei nº 9.317, de 1996, art.253; e Medida Provisória 1.769-55, de 11 de março de 1999, arts. 1º e 2º)
Fato é que durante a prestação de serviços, há emissão pela pessoa jurídica de notas fiscais, relativas ao contrato., ou seja, os valores constantes das notas fiscais, na verdade, são verbas salariais recebidas pelo contribuinte empregado, de forma disfarçada, utilizando-se um contrato de prestação de serviços. Assim sendo, tais valores devem ser oferecidos à tributação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF).
SUJEIÇÃO PASSIVA SOLIDÁRIA DA EMPRESA CONTRATANTE
O CTN – Código Tributário Nacional, lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, define o sujeito passivo da obrigação principal como sendo “a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”. Podendo ser tanto “contribuinte” quanto o “responsável”:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - Contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - Responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Já o artigo 124 do CTN prevê a Solidariedade passiva nos termos abaixo:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - As pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - As pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
A responsabilidade tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN, portanto, decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou.
A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte.
É responsável solidário tanto quem atua de forma direta, realizando os atos que resultam na situação que constitui o fato gerador, como o que esteja em relação ativa com o ato, fato ou negócio que deu origem ao fato jurídico tributário, mediante cometimento de atos ilícitos que o manipularam. Trata-se do proveito, ganho ou vantagem extraída da situação que configura fato gerador da obrigação tributária.
Essas afirmações estão de acordo com o Parecer Normativo COSIT/RFB 04, de 10/12/18, que trata exatamente da interpretação do inciso I do art. 124 do CTN.
A empresa contratante (empregador) e o contribuinte (empregado) estabeleceram um acordo mediante o qual a remuneração foi paga por meio da pessoa jurídica por ele constituída, objetivando exonerarem-se mutuamente da incidência tributária.
Houve, portanto, um planejamento que violou a legislação tributária na medida em que constituiu relação jurídica simulada, utilizando-se do valor pago a uma empresa como manto protetor à tributação dos valores pagos a título de remuneração a pessoas físicas.
Tal planejamento tributário abusivo, por um lado, favorece a empresa contratante, por eliminar uma série de custos que estariam envolvidos na contrataçãoe manutenção de um empregado – como salário fixo, FGTS, contribuições previdenciárias, férias, horas extras e demais exigências trabalhistas. Por outro, favoreceu o contribuinte, uma vez que a tributação que incide sobre uma empresa enquadrada no lucro presumido, como no caso em apreço, é inferior à das pessoas físicas.
Diante do exposto, torna-se claro que a realização dos pagamentos por intermédio de uma pessoa jurídica beneficiou tanto o contribuinte quanto a empresa contratante, configurando o interesse comum, conforme dispõe o inciso I do artigo 124 do CTN.
Assim sendo, a empresa contratante é solidária no lançamento dos tributos incidentes na desconsideração da pejotização.
MULTA QUALIFICADA
A lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em seu artigo 44, prevê as hipóteses e o percentual devido das multas a serem aplicados nos casos de lançamento de ofício:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: (Vide lei 10.892, de 2004) (Redação dada pela lei 11.488, de 2007)
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; (Vide Lei nº 10.892, de 2004) (Redação dada pela lei 11.488, de 2007)
(...)
§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
(Redação dada pela lei 11.488, de 2007)
Dispõem os artigos 71, 72 e 73 da lei 4.502/64:
Art . 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
Art . 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art . 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72. Aplica-se, portanto, a multa no percentual duplicado de 150%, quando verificada a ocorrência das condutas tipificadas como sonegação, fraude ou conluio, de acordo com a descrição legal. O caso da pejotização enquadra-se perfeitamente nos dispositivos citados, pois se trata de evasão tributária para redução dos tributos incidentes sobre o pagamento de remuneração ao empregado pelo empregador, mediante simulação de contratação de pessoa jurídica prestadora de serviços.
A alternativa utilizada de forma corriqueira é denominada "Pejotização".
Nestes casos o empregador geralmente solicita, e por vezes determina, que seu futuro empregado constitua uma pessoa jurídica e, desta maneira, estabelece uma relação contratual entre duas empresas, estabelecendo acordo, de maneira intencional, propositada e planejada previamente, no qual a remuneração da pessoa física seriapaga por meio da pessoa jurídica constituída por ele. A única justificativa para este contrato é a economia tributária de forma ilícita.
A adoção da prática tem a pretensão de alterar aquilo que realmente ocorre na vida real. Substitui-se uma situação clara de relação de emprego por uma prestação de serviços fictícia. O direito do trabalho traz, como uma de suas bases, o consagrado Princípio da Primazia da Realidade. Nele, a verdade dos fatos deve sempre prevalecer sobre a forma.
Tal princípio, conforme já citado, é introduzido no ordenamento legal brasileiro na Consolidação das leis do Trabalho, da seguinte forma:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
O jurista Maurício Godinho5, comenta:
No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).
Desse modo, o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços. O princípio do contrato realidade autoriza, assim, por exemplo, a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento do contrato despontem, concretamente, todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por 5 Curso de Direito do Trabalho”, de Maurício Godinho Delgado, 15ª edição, Editora LTr – Livro I, Capítulos V e VI e Livro II, Capítulo IX pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação).
O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista.
É flagrante, no plano dos fatos, o comportamento irregular do contribuinte em adotar a forma de um ente personificado distinto para celebrar um contrato que, na realidade, somente visava esconder a verdadeira natureza dos pagamentos, objetivando a empresa contratante e o contribuinte se exonerarem mutuamente da incidência tributária.
Há, portanto, um planejamento que viola a legislação tributária na medida em que visa constituir relação jurídica simulada, utilizando-se de pessoa jurídica interposta como manto protetor à tributação dos valores pagos a título de remuneração a pessoa física.
O artifício do recebimento de valores por meio da utilização de uma pessoa jurídica provoca lesão aos cofres públicos, haja vista a menor carga tributária a que estão sujeitas as pessoas jurídicas, no que diz respeito ao Imposto sobre a Renda.Temos assim que a utilização de estratagema com a finalidade de diminuição ilícita do imposto de renda da pessoa física incidente sobre rendimentos do trabalho com vínculo empregatício. Reiteramos que essa simulação consistiu na colocação do contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas para ocultar a relação verdadeira: o vínculo empregatício. A intenção dos agentes é dissimular essa realidade fática, simulando a prestação de serviços por pessoa jurídica.
A adoção dessa prática faz com que a Secretaria da Receita Federal do Brasil tenha dificuldades significativas de tomar conhecimento de fatos geradores, uma vez que o eixo de atenção é deslocado da pessoa física para a pessoa jurídica com obrigações tributárias acessórias completamente diferentes. Alterando-se o potencial sujeito passivo há, na melhor das hipóteses, um retardamento do conhecimento do fato gerador pela administração tributária.
E são exatamente a essas práticas que se referem os artigos 71 a 73 da lei 4.502/64 que viabiliza a aplicação de multa qualificada de 150% prevista no art. 44, inciso I, § 1º, da lei 9.430/96.
REPRESENTAÇÃO PARA FINS CRIMINAIS
Tendo em vista a ocorrência de fatos que, em tese, configuram crime contra a ordem tributária (art. 1º da lei 8.137/90), poderá ser formalizada Representação Fiscal para Fins Penais, acompanhada dos respectivos elementos de prova, em cumprimento ao disposto no art. 83 da lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 1º do decreto n° 2.730, de 10 de agosto de 1998, e art. 1º da Portaria RFB n° 1.750, de 12 de novembro de 2018 em face aos envolvidos na pejotização.
CONCLUSÃO
Neste ensaio tentou-se demonstrar os reais problemas da pejotização, quais sejam a precarização do direito do trabalho, a fraude tributária, a solidariedade passiva, a possiblidade de imposição de multa qualificada pela fiscalização, bem como a representação fiscal para fins criminais.
Diante deste contexto este instituto deve ser combatido, s.m.j