Migalhas de Peso

Como evitar decisões judiciais catastróficas?

Existem instrumentos para que as decisões sejam mais eficazes e menos catastróficas.

9/3/2023

Não é raro nos depararmos com decisões judiciais que, apesar de resolver a questão em litígio (“dizer o direito”), provocam efeitos perversos em razão da subjetividade que envolve as relações humanas. Não à toa, cresce do estudo e pesquisa de temas como a “Análise Econômica do Direito” e uso de métodos para resolução de conflitos, como a participação de psicólogos nas causas de direito de família.

Em matéria tributária não é diferente. Não obstante o emaranhado de leis, decretos, instruções normativas, entre outras normas que regulam os tributos e suas obrigações acessórias, as relações tributárias são complexas. A apuração de tributos é confusa: é um tira daqui e põe ali (exclusões e adições no IRPJ), subtrai dali (não cumulatividade do ICMS)… Por isso, existem profissionais que se dedicaram ao estudo dos tributos, inclusive, há aqueles que se especializam em determinado imposto (exemplo: ICMS ou IRPJ). No entanto, muitas vezes não é suficiente para resolver a questão como um todo, pois as soluções precisam ser exequíveis.

As soluções judiciais em matéria tributária têm impacto não somente na tomada de decisões estratégicas da empresa, mas afetam também a área comercial, de logística e, principalmente, a contabilidade, responsável por reportar as informações financeiras e tributárias. Mas, essa preocupação não deveria ser apenas dos advogados e contribuintes. Os magistrados também devem se preocupar com a aplicação e execução das suas decisões!

A Constituição Federal e o Código de Processo Civil trazem o princípio da motivação e fundamentação das decisões, a fim de evitar decisões genéricas e trazer segurança jurídica aos jurisdicionados. No entanto, não há como se exigir dos magistrados conhecimentos técnicos em todas as áreas, o que se espera é um conhecimento acessível por experiências do homem médio. E é justamente por essa razão que existem meios para auxiliar o juiz a tomar decisões mais acertadas, quando o assunto é complexo ou técnico.

Para isso, está prevista na legislação processual a possibilidade de perícias técnicas, nas quais as partes também poderão indicar seus assistentes técnicos a fim de contribuir para que a demanda seja solucionada com maior clareza e assertividade. Para tanto, são convocados experts no assunto para auxiliar o juiz com conhecimento técnico-científico que está além do seu alcance. Sejam complexos cálculos, sejam conhecimentos e regulamentações específicas de determinadas áreas, como engenharia, medicina ou contabilidade.

A par disso, uma arma poderosa com a qual os magistrados podem contar está prevista no artigo 138 do Código de Processo Civil, que dispõe que “o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação”.

O conhecido como amicus curiae processual é chamado a participar da lide com a finalidade de fornecer subsídios técnicos ao órgão julgador. Ou seja, é o encarregado de trazer aquele conhecimento específico o qual o magistrado não detém e esclarecer quaisquer dúvidas que permeiam o tema em debate. Contudo, na prática, pouco se vê os magistrados recorrendo a esse apoio e buscando entender os reflexos que se sobrepõem às suas decisões.

Não são raros os casos em que os contribuintes “ganham” a ação e não têm condições de materializar a decisão. Recentemente os contribuintes obtiveram decisões para suspender a exigência do PIS e da COFINS com a alíquota majorada (em 31 de dezembro de 2022 houve a redução da alíquota e no dia 1º de janeiro de 2023 determinou-se o retorno das alíquotas vigentes em 2022). Ocorre que, apesar das decisões serem favoráveis e respeitarem princípios constitucionais, a implementação da decisão é difícil, uma vez que o sistema EFD onde se escrituram as obrigações tributárias não aceita o pagamento com a alíquota reduzida. Ou seja, uma decisão mais detalhada e assertiva ordenaria a Receita Federal parametrizar o sistema para aceitar o pagamento das contribuições conforme determinada na decisão.

É comum nos depararmos com decisões as quais os contribuintes não sabem como operacionalizar e efetivamente se apropriar do benefício obtido. Não sabem como serão os reflexos contábeis e econômicos para a empresa.

Muitos são os exemplos que podem ser explorados, mas uma decisão que tem repercutido nos últimos tempos é acerca da desconstituição da coisa julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A não modulação dos efeitos da referida decisão tem consequências econômicas, financeiras e contábeis, as quais, não foram consideradas pelos Ministros no debate e para a decisão final do tema.

Corroborando com a conclusão de que os magistrados utilizam pouco os artifícios que têm a seu favor, bastaria um ofício para o Conselho Federal de Contabilidade para que um contador gabaritado emitisse seu parecer acerca dos reflexos da decisão nas demonstrações financeiras e suas consequências para o mercado.

Portanto, existem instrumentos para que as decisões sejam mais eficazes e menos catastróficas, elas estão previstas na legislação, contribuem para um ambiente com mais segurança jurídica, basta os magistrados se utilizarem delas!

Edison Carlos Fernandes
Sócio diretor e responsável pelas áreas de Direito Público e Direito contábil IFRS no escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Nahyana Viott Fiatkoski
Advogada do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados. Atua nas áreas de consultoria tributária, procedimento administrativo tributário e contencioso tributário.

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