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O que nos espera após a ADPF 828? O cenário dos despejos no Brasil

Torna-se latente a necessidade dos jurisdicionados da atuação do Congresso Nacional na elaboração de um modelo de transição que garanta segurança jurídica na judicialização da temática.

7/3/2023

É sabido que, em 18 de outubro de 1991, entrou em vigor a lei Federal 8.245, comumente conhecida como “Lei do Inquilinato”. Desde a sua criação, a legislação tem servido de base à redação de cláusulas nos contratos de arrendamento de imóveis urbanos, residenciais e não residenciais em todo o território brasileiro. Afinal, seu principal objetivo é garantir a regulamentação dos papéis de todos os envolvidos no processo de locação de bens imóveis, a partir do comprometimento das partes com obrigações. A partir da regularização, nasce a garantia de direitos, tanto para o locatário como para o locador, bem como dos agentes imobiliários que realizam mediação dos contratos.

Segundo a doutrinadora civilista Maria Helena Diniz (2006), o contrato de locação pode ser definido como: “contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração paga pela outra, se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, uso e gozo de uma coisa infungível”. Assim, apreende-se que o objeto da locação é, portanto, o uso temporário da coisa mediante remuneração, mas, como em qualquer contrato, deve ser lícito para ser considerado válido. Nesse sentido, verifica-se a importância da formalização do contrato de locação como meio de garantia dos direitos do proprietário do imóvel, bem como os interesses do inquilino.

Haja vista a necessidade de cumprimento dos trâmites da lei em comento para garantir a presença de segurança jurídica, é latente que a norma acompanhe a constante transformação da sociedade atual. Inclusive, fruto de tais mudanças sociais, é promulgada a lei 12.112, de 9 de dezembro de 2009, a qual alterou, em parte, a lei 8.245, de 18 de outubro de 1991.

As alterações ocorridas, através da vigência lei 12.112/09, permitiram o aperfeiçoamento da Lei de Locação (8.245/91). Afinal, a lei originária já vigorava por quinze anos, sendo anterior até mesmo ao Código Civil Brasileiro de 2002.

O principal impacto da publicação da nova norma foi percebido na relação entre locador e locatário. O tema fomenta discussão: há quem defenda que a parte mais beneficiada foram os inquilinos, tendo em vista a diminuição de exigências para locar. Com os novos ditames, por exemplo, os locadores passaram a não terem mais obrigatoriedade de pagamento antecipado da renda e inexigibilidade de fiador e de contrato de seguro. Em contrapartida, há quem advogue que os maiores vencedores foram os proprietários, já que ganharam a prerrogativa de despejo imediato com base em decisão judicial e, assim, maior celeridade na prestação jurisdicional referente ao atendimento de suas demandas.

Não foi a única vez que a lei em comento foi pauta pública de debate no cenário brasileiro. Poucos meses após a decretação da pandemia do Covid-19 no Brasil pelo Estado, a Lei do Inquilinato voltou fortemente à pauta. Isso porque, com a necessidade de discutir os efeitos da pandemia no mercado imobiliário. É indiscutível que o aumento do desemprego à época1 impactou diretamente na capacidade contributiva da população brasileira, questão que reverbera diretamente no pagamento tempestivo do aluguel.

Historicamente, o Brasil enfrenta desigualdades no respeito ao direito à moradia, em 2019, já era estimado um déficit habitacional de mais de 5.8 milhões de moradias (dados do MDR/20192). O prognóstico passou a piorar consideravelmente com mais de 13% da população desempregada (IBGE 07/20). Afinal, se muitas pessoas tiveram diminuição de fontes de renda, é inconteste o reflexo no devido pagamento dos aluguéis, tanto comerciais, como residenciais.

Diante desse contexto, o Congresso sancionou a lei 14.010/20, a qual proibiu o despejo coletivo dos inquilinos até 30 de outubro de 2020, com embasamento na pandemia e dos abalos econômicos sofridos por toda a população.

Ainda que decurso o prazo de vigência da nova norma, no entanto, o assunto continuou a ser discutido pelas autoridades nacionais, tendo em vista a continuidade das dificuldades econômicas sofridas em decorrência ao vírus. Então, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 827/20, convertido na lei 14.216/21, a qual expandiu o prazo previsto para a proibição de despejos até o fim de 2021.

O judiciário, acompanhando o cenário social fruto do precário enfrentamento à pandemia no Brasil3, o Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou, até 31 de março de 2022, a suspensão de despejos e desocupações coletivas, para áreas urbanas e rurais, consoante a decisão do relator da ADPF 828. Após, em 30/6/22, o prazo foi novamente ampliado por meio de decisão liminar até 31 de outubro de 2022.

A ADPF 828 teve como decisão final o estabelecimento de um regime de transição que abriu espaços para controvérsias e falta de segurança jurídica nos tribunais pátrios. A Suprema Corte ordenou a criação de comissões de conflitos fundiários para os Tribunais, a fim de que essas elaborassem um plano de retomada da execução de decisões de despejo suspensas. Ressalta-se que a situação dos despejos individuais de inquilinos não sofreu quaisquer alterações durante esse imbróglio judicial.

Estabeleceu-se, também, a necessidade de inspeções judiciais e audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como participação do Ministério Público e da Defensoria Pública e, quando pertinente, a presença dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana.

A decisão em referência faz menção a categoria de desocupação de pessoas vulneráveis, de forma que foram estabelecidos pressupostos para os despejos que as envolvam4. Por fim, o Tribunal referendou, ainda, a medida concedida, a fim de que possa haver a imediata retomada do regime legal para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo (lei 8.245/91, art. 59, §1º,incs. I, II, V, VII, VIII e IX).

Em razão da carência de determinação, pelo STF, de critérios objetivos no regime de transição, a continuidade da proibição dos despejos coletivos permanece uma questão legislativa de interesse nacional. Há, inclusive, projeto de lei (PL 1.718/22) apresentado com a intenção de prorrogar a medida até 31 de março de 2023. Até o momento, há apenas a autorização da Suprema Corte para a retomada do regime legal para ações de despejo em caso de locações individuais.

Uma das maiores dificuldades para discutir a questão é que são escassos os estudos no impacto, para a economia, dessas modificações legislativas. Como acontece com todas as alterações do ordenamento pátrio, é preciso que seja avaliado o comportamento da jurisprudência, no que diz respeito à interpretação das normas legais que vigoraram, e como isso afetou o poder especulativo do mercado imobiliário e a população interessada.

Em razão de todos esses fatores, torna-se latente a necessidade dos jurisdicionados da atuação do Congresso Nacional na elaboração de um modelo de transição que garanta segurança jurídica na judicialização da temática. Afinal, somente quando o Direito se adequa aos contornos da sociedade brasileira, é que se torna possível um diálogo igualitário do judiciário com as novas realidades dos seus jurisdicionados.

Sem isso, locadores e locatários ficam sem quaisquer expectativas de quais de seus direitos serão protegidos ao buscarem o acesso à justiça, ou seja, um prelúdio de futuro de possíveis e, por óbvio, injustas arbitrariedades de um judiciário que assume o papel de legislador.

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1 Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/01/pnad-apresentaca-novembro-2021.pdf;

2 Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/04/deficit-habitacional-do-brasil-cresceu-e-chegou-a-5 876-milhoes-de-moradias-em-2019-diz-estudo.ghtml;

3 Disponível em: https://doi.org/10.32361/2021130312630;

 

4 “(i) ser realizadas mediante a ciência prévia e oitiva dos representantes das comunidades afetadas;

(ii) ser antecedidas de prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida; (iii) garantir o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos (ou local com condições dignas) ou adotar outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia, vedando-se, em qualquer caso, a separação de membros de uma mesma família.” Decisão do Plenário do STF, Sessão Virtual Extraordinária de 1/11/22 (18h00) – 2/11/22 (17h59).

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CAPANEMA, Silvio de Souza. A Lei do Inquilinato Comentada – Artigo por Artigo”, 2021.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 2006.

FARINELI, Alexsandro Menezes; BONFIM, Cleidiane Araújo F. Mendes.Comentários e Prática da Nova Lei de Locação. Leme/SP: Mundo Jurídico,2010.

JUBILUT, L. L. .; SANTOS, C. de S.; PUCCINELLI, S. M. M. A COVID-19 como

Desastre a partir da perspectiva do Direito Humanitário. Revista de Direito, [S. l.], v. 13, n. 03, p. 01–28, 2021. DOI: 10.32361/2021130312630. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/revistadir/article/view/12630. Acesso em: 10 fev. 2023.

SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo: comentários à Lei 8.245/91. 5. ed.São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

Rebeka Maria Barros de Almeida
Colaboradora no escritório Renato Melquíades Advocacia.

Sarah Vieira Rodrigues
Advogada da Área Cível Empresarial de Renato Melquíades Advocacia, pós-graduanda em Direito Empresarial pela Faculdade Getúlio Vargas.

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