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Os direitos humanos devem socorrer direitistas?

Muitas pessoas dizem que direitistas não devem ser assistidos pelos Direitos Humanos, tendo em vista muitos dentre eles serem avessos a este ramo do direito e até pedirem intervenção militar. O que estaria na gênese deste enunciado? Quem se porta como contrário aos Direitos Humanos deve ser ignorado pelos agentes atuantes deste front?

6/3/2023

É comum nos depararmos, vez ou outra, com afirmações de que direitistas não deveriam ser assistidos pelos Direitos Humanos, tais alegações encontram justificativa no argumento de que muitos indivíduos orientados por este ramo do pensamento político são contrários a esse empreendimento jurídico.

Antes, porém, de adentrarmos no assunto, parece-nos necessário que busquemos entender de onde vem esse pensamento contrário aos próprios direitos de quem afirma tal posição. Como poderia uma pessoa que tá num navio em alto-mar ser contra o uso de botes salva-vidas? Ao ouvir algo assim, duas conclusões podem ser consideradas: a pessoa que fala não tem capacidade mental pra prática de atos da vida civil ou há alguma incompreensão do objeto de análise.

Caso o agente ou delegado de comissões de Direitos Humanos aja com tanto furor e esteja inebriado com o mesmo ódio que as pessoas autoras deste posicionamento, diferença alguma haverá entre ambos no que toca a capacidade mental pra prática de atos da vida civil, restando ambos absolutamente incapazes (ironia). De outro modo, parece-nos que tais delegados, membros ou agentes que atuam neste ramo heróico e honroso devem demonstrar uma conduta tão isenta e imparcial quanto quem ocupa qualquer posto na magistratura.

O indivíduo comum (que não tem conhecimento técnico) ou também chamado de leigo tem um salvo conduto ao se expressar sobre matéria política ou jurídica, (pra não nos estender a outras áreas e assuntos também), posto que não tem domínio técnico sobre aquilo que fala. E fala sobre qualquer assunto porque tem esse direito protegido pelos Direitos Humanos, como podemos observar no artigo a seguir exposto, contido na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Artigo 13.  Liberdade de pensamento e de expressão

1.Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.  Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

A expressão do pensamento tem sido palco de debates muitas vezes acalorados, seja no ambiente acadêmico, seja em família, trabalho ou em programas jornalísticos. Até o fechamento deste artigo, ninguém havia conseguido o incrível feito de conseguir resolver este imbróglio. De tal sorte que nem os juristas e tão pouco os leigos conseguem pacificar esta questão, pelo simples fato de que ela não tem e, possivelmente, nunca terá uma resposta objetiva e pronta, como receita de pudim.  

Não tem uma resposta porque ela não foi disciplinada com requisitos fechados, por assim dizer, que seriam características descritivas tão objetivas que fossem capazes de dizer o que seria e o que não seria liberdade de expressão, a isso chamamos de norma de interpretação aberta, na teoria que estamos a desenvolver. Pois mesmo que alguém diga que é só não ofender a outrem e não cometer crime por meio da expressão verbal ou escrita, por exemplo, que estaria no pleno uso do direito em questão, considerando os demais requisitos, claro!

Mesmo assim, ainda não seria uma explicação objetiva capaz de resolver os enfrentamentos ora vigentes sobre o assunto, posto que os juízes e tribunais superiores têm entendimentos distintos sobre o que seria uma ofensa ou instigação ao crime, por exemplo. Isso sem falar na exceção da verdade, prevista nos crimes contra a honra. Pra citar um caso conhecido nacionalmente, lembramos da fala de Ciro Gomes, num veículo de comunicação, ao se referir ao vereador de São Paulo, Fernando Holiday,  chamando-o de “capitãozinho do mato” e “nazista”. Ciro se apresenta muitas vezes como “um velho professor de direito” e conhecedor das leis, no entanto, mesmo entendendo estar sob os auspícios da liberdade de expressão, ele foi condenado pelas ofensas na esfera cível.

Por isso, se nem os tribunais, nem os professores de direito têm um entendimento pacífico a ser aplicado a todos os casos, por que o teria um indivíduo leigo ao manifestar seu pensamento sobre Direitos Humanos? De maneira que os delegados e membros que atuam nesta empreitada, não podem enxergá-los como se eles soubessem de fato o que dizem. Mas, afinal, por que dizem isto? Por que são contra os botes salva-vidas se podem precisar deles pra se salvar também?

Talvez seja pelo fato de que muitas ações de defesa desses direitos se concentrem, majoritariamente, em relação a pessoas que cometeram algum crime e estejam encarceradas, mas pode ser que  setores da imprensa só deem atenção às ações que tenham como objetivo a proteção dos direitos dessas pessoas presas também. Qual das duas opções é a correta? Nenhuma?

Talvez não se possa ignorar os reclamos dos cidadãos que estão em filas imensas pra serem atendidos num hospital ou postinho de saúde e não veem ninguém agir por eles. Pode ser que senhoras, jovens e trabalhadores em geral estejam sofrendo tanto, com o descaso no transporte público, que não dão credibilidade aos Direitos Humanos! “Cadê que não vêm ver isso aqui, só defendem bandidos!”, muitos dizem. Será que não há atuação pra essas pessoas ou é a imprensa que não se interessa por mostrar? Qual das duas opções é a correta? Alguma?

O desconhecimento da lei não pode ser alegado pra se eximir de prática de crime, nos termos do artigo 21 do Código Penal, entretanto, o desconhecimento da lei é perfeitamente escusável quando o indivíduo se manifesta licitamente sobre as definições ou objetivos dela. Assim, quando um direitista diz que não deveria haver “salva-vidas no mesmo navio que ele tá”, é preciso compreender que (embora a fala seja reprovável e sem nexo) ele possivelmente esteja se sentido desassistido pelo atual modelo de atuação desses “salva-vidas”, isto é, Direitos Humanos. Um capitão de um navio deixaria, por acaso, pessoas morrerem por não gostarem dos barcos que iriam salvá-las? Por que deixariam os membros ou delegados de Direitos Humanos de socorrer direitistas por eles não compreenderem o valor destes direitos?

Se até a lei isenta de punição quando há erro sobre a ilicitude do fato (inevitável) ou até pode diminuir a pena (se evitável) no caso de cometimento de prática atribuída como delito, por que não agiriam assim os conhecedores da lei e não considerariam a ignorância de uns e opinião de outros? Se a lei é pra todos, a justiça é de igual forma pra todos também, sem distinção de qualquer natureza, como aduz a constituição federal. 

Deste modo, parece-nos que sim. Os Direitos Humanos de direitistas não só podem como devem ser defendidos, sob pena de os próprios agentes que se acham na qualidade atores nesta defesa incorrerem nas próprias violações que deveriam combater.  

Marcelo Vasconcelo
Advogado, jornalista credenciado no CRP, articulista de portais, autor independente, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa e da Comissão de Direitos Humanos da 3° subseção da OAB/SP.

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