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Arbitragem nos contratos de franchising e a reforma trabalhista

Desde a decisão do STF, a arbitragem floresceu no Brasil, que passou a ocupar o topo do ranking CCI de países na utilização dessa forma de resolução de disputas, atualmente ocupando a 2ª colocação.

28/2/2023

A arbitragem é um instituto consolidado no Brasil, com previsão legislativa desde o CPC de 1939 e, apesar do início incipiente, teve grande expansão com a promulgação da Lei 9.307/1996 – Lei de Arbitragem (LArb).

Em conjunto com ulterior do STF (STF, SE 5206 AgR, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12/12/01, DJ 30/4/04), a LArb afastou os anseios de inconstitucionalidade do instituto por suposta violação do princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV), além de corrigir burocracias procedimentais que dificultavam a execução do antigo “laudo arbitral”, que passou a ser chamado de sentença arbitral e deixou de depender de homologação judicial para execução como título executivo judicial após a promulgação da LArb.

Desde a decisão do STF, a arbitragem floresceu no Brasil, que passou a ocupar o topo do ranking CCI de países na utilização dessa forma de resolução de disputas, atualmente ocupando a 2ª colocação.

Dessa forma, não causa surpresa a sua utilização nos contratos de franchising, contrato com natureza empresarial, que visa facilitar e aperfeiçoar o modelo de mercado, permitindo uma forma de empreender através de modelos já testados e aprovados pelos consumidores, por meio da transferência de know-how, marca, reputação e outros elementos correlatos pela Franqueadora ao Franqueado, reduzindo os riscos desse, se comparado com um empreendimento inédito – e, consequentemente, sem qualquer reputação e formatação reconhecida pelo mercado

Assim, em razão das características próprias dos contratos de franchising, especialmente por seu caráter empresarial e por circularizarem direitos patrimoniais disponíveis, é absolutamente usual a opção pela arbitragem para solução de eventuais litígios surgidos entre franqueadora e franqueados.

Este método extrajudicial de composição de conflitos mostra-se dotado de atributos como a segurança, a previsibilidade normativa, a eficácia e a celeridade. Esta última característica, aliás, é bastante valorizada no ambiente negocial, onde a tomada de decisões exige agilidade para produção e otimização de resultados adequados.

Em regra, não há óbice ao uso do árbitro em negócios de franquia, uma vez que, virtualmente, todas as relações de franquias preenchem os requisitos de arbitrabilidade subjetiva (sujeitos capazes de contratar) e objetiva (direito patrimonial disponível) previstos no art. 1º da LArb.

Contudo, insta salientar que, pelo Princípio da Komptenz Komptenz, é conferida ao árbitro a competência para dirimir a disputa, de modo a julgar a existência, validade e eficácia da convenção arbitrária, verificando se este é nula ou sem efeito. Destaca-se, ainda, que a cláusula de arbitragem possui independência em relação àquele contrato do qual faz parte, podendo, o árbitro, indicar uma legislação de regência da convenção arbitral, que não necessariamente será aquela escolhida no contrato principal.

Essa discussão também interessa à pequena fração dos conflitos havidos entre franqueados e franqueadoras que é levada a órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro grau, por invocação do princípio da primazia da realidade e pelo argumento de haver contrato de trabalho oculto sob a forma de contrato de franquia.

Obviamente, é de se registrar, em primeiro lugar, que a escolha da Justiça Especializada, em tais hipóteses, tem se mostrado uma tática muito mais arrivista e temerária do que propriamente deliberação dotada de fundamentação jurídica. Em outras ocasiões, já tivemos a oportunidade de dissertar sobre a inexistência de contrato de trabalho nos ajustes entre as partes envolvidas em negócios de franchising.

De todo modo, mesmo que se trate de uma relação de trabalho estabelecida sob o pretexto de um contrato de franquia, os instrumentos que porventura trouxessem cláusulas compromissórias para solução de conflitos teriam de ser integralmente cumpridos no que tange à submissão das partes à opção pelo processo arbitral, desde que atendidos os requisitos legais próprios da arbitragem.

É que, na atualidade, cabe arbitragem em dissídios individuais trabalhistas, de forma que, mesmo nulo o Contrato de Franquia, em razão da independência da cláusula compromissória e da arbitrabilidade dos litígios trabalhistas após a promulgação da lei 13.467/17, com a inclusão do art. 507-A na CLT tornando arbitráveis as disputas envolvendo contratos individuais de trabalho, há que se respeitar a submissão deste litígio à jurisdição arbitral, desde que o potencial trabalhador receba remuneração superior a duas vezes o maior benefício do INSS, o que corresponde a R$ 15.014,98, e haja requerido ou concordado expressamente com a sua utilização.

Nesse contexto, considerando que eventual conflito positivo de competência entre a Justiça do Trabalho e o Juízo Arbitral para apreciar disputas envolvendo contrato que, válido ou não, envolva direitos patrimoniais disponíveis, afigura-se caracterizado,

Ainda, cabe ao juízo arbitral decidir acerca da (in)arbitrabilidade do litígio, assim, mesmo que tenha-se uma situação de um contrato de franquia com cláusula arbitral que, na realidade, contenha uma relação que não envolva direitos patrimoniais disponíveis, ou ainda, que a arbitrabilidade subjetiva ou os requisitos formais necessários da cláusula compromissória não estejam preenchidos, é premente a decisão do juízo arbitral que deverá ou não declinar a competência, conforme seu próprio entendimento.

É esse o procedimento previsto na LArb, ao princípio da Competência-Competência, previsto ao art. 8º, p. único da referida Lei. É, igualmente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgado supramencionado, no qual estabeleceu a Corte Superior que:

“2. Estando configurada a relação de prejudicialidade entre as causas em trâmite no juízo arbitral e no juízo trabalhista, ressai a competência do Juízo arbitral, em atenção ao disposto no art. 8.º da lei 9.307/96, ‘que confere ao Juízo arbitral a medida de competência mínima, veiculada no Princípio da Komptenz Komptenz, (sic) cabendo-lhe, assim, deliberar sobre a sua competência, precedentemente a qualquer outro órgão julgador, imiscuindo-se, para tal propósito, sobre as questões relativas à existência, à validade e à eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.’ (CC 146.939/PA,

Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/11/16, DJe 30/11/16).”

Em complemento, no que cabe às hipóteses de contrato de franquia e discussão de eventual vínculo trabalhista, como afirmado anteriormente, caso se trate de relação individual de emprego dentro da faixa de remuneração prevista na lei 13.467/17, eventual disputa será arbitrável, independentemente da validade do Contrato, cumprindo ao árbitro decidir acerca da disputa entre as partes, inclusive no que cabe à (não) configuração de vínculo empregatício, afastado ou mantendo a natureza empresarial originalmente idealizada.

Cabe ainda destacar que o mesmo vale para os casos de natureza empresarial cuja competência para apreciação de eventual litígio é da justiça comum e há alegação de vínculo empregatício: primeiro recai à justiça comum a competência para afastar ou manter o caráter empresarial da relação para, apenas após eventual declinação de competência pela justiça comum é que a Justiça do Trabalho poderá exercer alguma jurisdição sobre o caso.

De igual modo ocorrerá na arbitragem, primeiro o árbitro deve apreciar se é ou não competente para apreciar o caso para, apenas em caso de declínio de competência, é que o caso poderá ser apreciado por outra jurisdição.

Neste sentido, insta destacar que a competência da justiça comum e da arbitragem para analisar o contrato de franquia têm fundamento em precedente do Supremo, à luz do tema 725 Supremo Tribunal Federal e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324.

A título exemplificativo, traz-se os seguintes precedentes judiciais de tribunais superiores acerca do tema, amparados no art. 507-A da CLT:

"(...) Desse modo, com o procedimento arbitral ainda em trâmite, não caberia ao Juízo Trabalho antecipar-se quanto ao reconhecimento da nulidade da cláusula compromissória, ainda que para limitar sua eficácia por suposta fraude à relação de emprego, sob pena de contrariedade ao que disposto no art. 8º da lei 9.307/96. (...)" (STJ - CC: 188764 SP2022/0164675-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 14/6/22)

"(...) O caráter jurisdicional da arbitragem, decorrente da regra Kompetenz-Kompetenz, prevista no artigo 8º da lei de regência, impede a busca da jurisdição estatal quando já iniciado o procedimento arbitral, operando-se o efeito negativo da arbitragem previsto no art. 485, VII, do

NCPC. (...)" (AgInt nos EDcl no AgInt no CC 170.233/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/20, DJe 19/10/2020)

"(...) De acordo com a Súmula nº 335/STF é válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato e o Superior Tribunal de Justiça mantém essa mesma orientação. Na hipótese, há cláusula de eleição de foro (...)" (AgInt no CC 171.855/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/08/2020, DJe 21/08/2020)

"(...) A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que é possível, diante da conclusão de que a atividade arbitral tem natureza jurisdicional, que exista conflito de competência entre Juízo arbitral e órgão do Poder Judiciário, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça seu julgamento. (...) 5. Segundo a regra da Kompetenz-Kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória (art. 485 do NCPC, art. 8º, parágrafo único, e art. 20 da lei 9.307/9). (...)" ( AgInt no CC 153.498/RJ, Relator: Ministro    MOURA RIBEIRO, Segunda Seção, j. 23/5/2018, DJe 14/6/2018

"(...)2. A controvérsia jurídica posta no presente conflito de competência não é nova nesta Corte, justificando o julgamento monocrático do feito, a teor do permissivo constante no art. 34, XXII, do RISTJ (Súmula 568/STJ). Com efeito, a jurisprudência desta Corte pacificou orientação no sentido de que: "conforme o princípio competência-competência, cabe ao juízo arbitral decidir, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar existência, validade e eficácia da cláusula compromissória celebrada entre as partes."(CC 159.162/AM, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 18/12/2020)

Dessa forma, eventuais Contratos de Franquia que tenham optado pela arbitragem como a via para a resolução de disputas deverão seguir por essa via, mesmo que exista alegações de nulidade do instrumento de franquia e/ou de existência de vínculo trabalhista, em detrimento da relação empresarial inicialmente idealizada – e caberá ao árbitro apreciar a disputa no mérito caso a potencial relação de emprego preencha os requisitos do art. 507-A da CLT, independentemente da roupagem inicial do Contrato e da conclusão acerca da natureza da relação jurídica.

Fernanda Gonçalves Rocha
Advogada no escritório ASAF - Alex Santana e Antônio Fabrício Sociedade de Advogados, pós graduada em Direito Público pela FESMPMG e auditora do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol.

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