A lei brasileira entende que a inocência do réu é presumida até que se prove sua culpabilidade. O art. 5º, LVII, da Constituição Federal dispõe o seguinte:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Acerca do princípio da presunção de inocência, leciona Guilherme Nucci:
A presunção de inocência tem alvo certo e principal: o dever de provar a culpa é do órgão acusatório, pouco importando quem o constitui. Naturalmente, provoca efeitos secundários, não menos relevantes: a restrição a direitos individuais somente pode dar-se, contra o inocente, em situações excepcionais; nenhuma anotação criminal comprometedora, feita por órgão estatal, pode prejudicar o inocente; a intervenção penal estatal deve ser mínima, pois a inocência é o estado natural das pessoas. Além disso, o princípio da presunção de inocência atrai a aplicação de princípios correlatos e consequenciais. Se o indivíduo é naturalmente inocente, não lhe sendo atribuído qualquer ônus para a demonstração de sua culpa, logo, deduz-se, por questão de lógica, que ninguém é obrigado a se auto acusar. Consagra-se o direito ao silêncio, em caráter absoluto. Confirma-se que, em caso de dúvida razoável, há de se conferir prevalência ao estado original do ser humano: inocência.
Deste modo, esse não pode ser tratado como culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e, por conta disso, diversas demandas criminais tramitam em segredo de justiça.
Esse princípio possui grande importância no âmbito do direito penal que, em muitos casos, ele é utilizado como fundamentação para inocentar o acusado de determinado crime, nos casos em que a prova não se revelou suficiente para causar a sua condenação. Vejamos casos jurisprudenciais:
APELAÇÃO CRIMINAL. VIAS DE FATO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Hipótese em que, embora se extraia dos relatos a existência de lesões recíprocas, não restou esclarecido em relação à iniciativa destas, de modo que, não havendo prova conclusiva acerca de quem estava agredindo e quem estava se defendendo, impositiva a absolvição da acusada, em atenção ao princípio do in dubio pro reo. Prova que não se revela suficiente para arredar a presunção da inocência que milita em favor da denunciada. Desatendimento, pela acusação, da carga probatória que se lhe impunha, ou seja, a demonstração dos fatos conforme narrados na peça acusatória. RECURSO PROVIDO. (TJ/RS – APR: 71009316803 RS, Relator Luiz Antônio Alves Capra, Data de Julgamento: 28/9/20, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: 27/10/20)
APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Prova que não se revela suficiente para arredar a presunção de inocência que milita em favor do denunciado. Desatendimento, pelo Ministério Público da carga probatória que se lhe impunha, ou seja, a demonstração dos fatos conforme narrados na peça acusatória. RECURSO PROVIDO. (TJ-RS – RC: 710055346 RS, Relator: Luiz Antônio Alves Capra. Data de Julgamento: 10/4/17, Turma Recursal Criminal, Data de Julgamento: 18/4/17)
No entanto, não são incomuns casos em que a mídia condena o acusado muito antes do seu julgamento, fazendo com que esse seja considerado culpado perante a sociedade e, deste modo, violando diretamente o princípio da presunção de inocência.
O Caso Escola-Base é um exemplo de como a espetacularização do processo penal viola a presunção de inocência e causa um enterro social dos envolvidos. Em março do ano de 1994, os donos de uma escola infantil foram acusados de praticar abuso sexual contra os alunos. Antes mesmo do inquérito ser finalizado – sem que houvesse quer uma denúncia do Ministério Público – os investigados foram julgados pela mídia, que divulgava amplamente o caso, culpabilizando os acusados e chamando a escola de “Escolinha do Sexo”. A escola foi pichada e destruída, os donos, linchados socialmente e obrigados a mudar-se. Ao final, o inquérito foi arquivado por falta de provas e os acusados nunca chegaram a ser formalmente processados .
Em casos de crimes que vão a julgamento ao Tribunal do Júri (casos de crimes dolosos contra a vida – homicídio, infanticídio, aborto e instigação ao suicídio), a mídia, com sua espetacularização, pode influenciar na decisão dos jurados, que acabam por dar um veredicto baseado nas opiniões midiáticas. Ainda, impede que a presunção de inocência seja respeitada, uma vez que, ainda que o réu seja absolvido posteriormente, será sempre relembrado midiaticamente como acusado.
A lei 13.964/19, ainda, que instituiu o juiz de garantias, trouxe a seguinte modificação ao art. 3º do Código de Processo Penal:
‘Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.
Deste modo, é obrigação do Poder Público fiscalizar as mídias de modo a impedir a espetacularização do processo penal, como forma de preservar a imagem do preso, além de garantir o bom andamento do inquérito/processo, uma vez que esse fenômeno viola o direito fundamental a presunção de inocência; além de violar, diretamente, o Estado Democrático de Direito e, portanto, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.