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Os 10 anos da lei dos juizados especiais: um novo paradigma no direito processual brasileiro

O direito processual civil, ensejando ver no processo não apenas uma forma para fazer valer o direito material, mas, primordialmente, um meio destinado a propiciar o bem comum traz em si a reforma legislativa com vistas à simplificação do processo e do procedimento, ao aprimoramento da qualidade dos julgamentos e ao oferecimento da tutela efetiva a todas as camadas da sociedade.

23/4/2007


Os 10 anos da lei dos juizados especiais: um novo paradigma no direito processual brasileiro

Gustavo de Camargo Hermann*

O direito processual civil, ensejando ver no processo não apenas uma forma para fazer valer o direito material, mas, primordialmente, um meio destinado a propiciar o bem comum traz em si a reforma legislativa com vistas à simplificação do processo e do procedimento, ao aprimoramento da qualidade dos julgamentos e ao oferecimento da tutela efetiva a todas as camadas da sociedade.

Entre as medidas simplificadoras nasceu o Juizado Especial Cível - JEC em 1995, com a Lei n. 9.099, de 26.9.95 (clique aqui), a partir da experiência bem sucedida do Tribunal de Pequenas Causas. O processo se tornava ágil e rápido, mas sem perder a segurança jurídica, o que fez do "Pequenas Causas" um verdadeiro instrumento do exercício da cidadania.

A lei de 1995 veio aprimorar o sistema, ampliando a competência do Juizado tanto com relação à matéria, quanto em relação ao valor. Desse modo, o cidadão comum encontrou o foro no qual procurava resolver suas pendências cotidianas, aquelas que antes ficavam longe da apreciação da Justiça, causando um sentimento de impunidade.

Os JECs, providos por juízes togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade no valor não excedente a 40 vezes o salário mínimo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. Com sede na Constituição Federal em seu artigo 98, I (clique aqui), cumprem a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes, atendendo a uma demanda reprimida, mediante a oferta de um processo rápido, econômico e simples.

Para que este objetivo fosse alcançado com a profundidade e a eficiência necessária, não bastaria a criação dos JECs com competência específica, mas, sim, dotá-lo de rapidez e agilidade, mantendo-se a seriedade que o poder judiciário reclama. Neste sentido, é regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, tendo como meta, a conciliação ou a transação. Tais princípios conjugados formam o alicerce que sustenta toda a estrutura dos JECs, orientando assim o processo legal.

Em relação à competência, conforme enumera o Art. 3º. da Lei 9.099/95, os JECs tem competência para: a) causas que não excedam 40 salários-mínimos; b) as enumeradas no Art. 275, II, do CPC (clique aqui); c) ação de despejo para uso próprio; d) ações possessórias sobre bens imóveis até o limite de 40 salários-mínimos.

Excluem-se da competência material dos JECs as causas alimentares, falimentares, fiscais, e de interesse da Fazenda Pública, relativas a resíduos, estado e capacidade das pessoas.

Recentemente, entrou em vigor a Lei no 10.259/2001 (clique aqui), a qual instituiu o JEC no âmbito da Justiça Federal comum, aplicando-se, subsidiariamente, a Lei no 9.099/1995, ressalvado aquilo que conflitar com o novel texto legal.

O JEC é competente para a execução de seus julgados, com uma diferença fundamental da Justiça Comum. Os processos de conhecimento e execução, no JEC, se amalgamam em processo único, de forma que não há necessidade de propositura de ação executória. Ao JEC compete também a execução de títulos extrajudiciais de valor até 40 vezes o salário mínimo sendo de aplicar-se, todavia, o § 3º do art. 3º, permitindo-se ao credor, quando o título for a maior, optar pelo procedimento, desde que renuncie ao excesso.

Neste prisma, o JEC é uma instituição que foi criada especificamente para a tutela das pessoas físicas, no que diz respeito às suas relações patrimoniais, tendo como objetivo predominante a pacificação do litígio por meios negociais. Dessa forma, não podem figurar tanto no pólo ativo quanto no pólo passivo da relação processual: o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. Justifica-se a exclusão dessas pessoas em razão da simplicidade e informalidade que norteiam os procedimentos no JEC.

Quanto à pessoa jurídica, cabe relevar que, da mesma forma que a pessoa física, na hipótese de figurar como ré na ação, poderá, em sua defesa, formular pedido contraposto em seu favor. Neste caso, sendo o pedido contraposto julgado procedente, efetivamente poderá a pessoa jurídica que o formulou promover sua execução no JEC.

Recentemente, a Lei n. 9.841, de 1999 (clique aqui), estendeu o procedimento do Juizado também as microempresas, diante do interesse dos empresários, que também queriam contar com a eficiência do procedimento da Lei n. 9099/95. Não se pode negar hoje a tendência de que a agilidade do procedimento venha a ser incorporada ao processo comum, dotando o juiz de um instrumento eficaz no combate a morosidade do processo.

Para a boa aplicação do procedimento submetido aos JECs não deve a Lei no 9.099/1995 ser interpretada isoladamente, mas, sim, em conjunto com o Código de Processo Civil, o Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) e o Código Civil (clique aqui), de modo a integrá-la.

Quanto a legitimidade processual nas causas de valor de até 20 salários mínimos, as partes podem comparecer pessoalmente para propor a ação junto ao JEC ou para respondê-la. A representação por advogado é facultativa. Torna-se, porém, obrigatória a sua intervenção quando o valor da causa ultrapassar o aludido limite.

Com ou sem assistência de advogado, o autor sempre deverá comparecer pessoalmente à audiência de conciliação. O réu também deverá, em regra, fazer o mesmo. Mas, quando for pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado.

O art. 10 da lei que regulamenta o procedimento perante os JECs coíbe expressamente, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro, inclusive de assistência, admitindo-se tão somente o litisconsórcio, seja ele ativo ou passivo.

Não há previsão de medidas cautelares nos JECs, subsidiariamente, porém, poderá o juiz determinar medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

O elenco recursal, dentro do espírito da celeridade processual que norteia o JEC, não permite a aplicação subsidiária do CPC e se limita a dois recursos: embargos declaratórios e recurso inominado, o que vem por gerar várias críticas, uma vez que inexiste previsão em lei de remédio recursal para atacar as decisões ditas interlocutórias.

Em assim sendo, para se saber a real importância de uma lei, não basta reverenciarmos os seus dispositivos e finalidades. É preciso que a mesma encontre respaldo social. E nesse ponto, a Lei dos JECs não deixa nada a desejar.

Isto posto, podemos dizer que há um novo paradigma processual no direito brasileiro, cujo fim imediato é o de aproximar as pessoas da justiça e tornar o processo judicial menos oneroso para as partes, buscando o desafogamento de processos e a redução do número de demandas, em grau de recurso ou em trâmite na Justiça Comum.

Por tudo que foi dito neste breve ensaio, resta indubitável a importância da Lei dos JECs a fim de tornar a Justiça Brasileira mais célere e sobretudo, democrática.

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BIBLIOGRAFIA

1. DREWS BITTENCOURT COSTA, P.. Uma análise crítica à Lei n.º 9.099/95.

Lei dos Juizados Especiais. Disponível em:

https://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2394. Acesso em 27/06/05.

2. CELSO NETO, J.. Os Juizados Especiais e a Justiça Comum. Disponível em:

https://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2048. Acesso em 24/06/05.

3. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88). Maurício Antonio Ribeiro Lopes (Coord.), 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

4. ASSIS OLIVEIRA, F, TYSZLER, G, XAVIER PIRES, A. S.. Juizados Especiais Cíveis – Temas Controvertidos e Enunciados. América Jurídica, Rio de Janeiro, 2002.

5. De PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário jurídico. v. 2, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

6. ALVES DE MELLO, A. L, BASTOS SILVA, S, MOURA DE SOUZA, S.E. . Lei dos Juizados Especiais Cível e Criminal – Legislação, Jurisprudência e Prática. Editora Iglu. São Paulo, 2000.

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*Advogado do escritório Küster Machado Advogados Associados










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