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Proteção de PI na China e no Brasil

Comparações, contrastes e melhores práticas para as empresas.

15/2/2023

A propriedade intelectual (PI) e sua proteção adequada é uma questão extremamente importante para qualquer empresa que pretenda começar a operar em um mercado, independentemente de sua jurisdição. Embora os tratados internacionais estabeleçam padrões mínimos de proteção globalmente, a natureza e o escopo da proteção de PI diferem muito de país para país.   Da mesma forma, muitas práticas recomendadas para proteger PI são universais, enquanto outras são adotadas especificamente em algumas jurisdições.  China e Brasil ilustram essas realidades, já que ambos os países adotaram   leis robustas e sistemas de aplicação para proteger PI em suas fronteiras.  Mas, devido às condições locais, ambos têm um longo caminho a percorrer para fornecer proteção abrangente em suas fronteiras, particularmente no que diz respeito à exportação e importação de produtos falsificados.  Como tal, os proprietários de PI devem adotar soluções personalizadas para maximizar os resultados gerados a partir de seus programas de aplicação aduaneira.

Seguindo os exemplos de outras nações em rápido desenvolvimento, a República Popular da China ainda vive com sua reputação de frágil proteção dos direitos de propriedade intelectual. Entre as categorias mais infringidas de bens estão produtos de moda, bens eletrônicos de consumo e produtos farmacêuticos. No Brasil, segundo dados da alfândega de 2020, o comércio ilegal de tabaco compreendeu 66% das apreensões, seguido por "outros", como vestuário, eletrônicos e caneta e lápis.

Ao contrário da China, o Brasil não tem a reputação de ser um grande exportador de produtos falsificados. No entanto, é reconhecida por seu alto nível de consumo de pirataria, com as importações da China vistas como a maior fonte do problema. De acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), 65% dos produtos ilegais vendidos no Brasil vêm da China, especialmente itens que exigem mais tecnologia na fabricação, como eletrônicos e autopeças.

Dados do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP) estimam que, em 2020, o Brasil perdeu R$ 287,9 bilhões (aproximadamente US$ 57,6 bilhões) para o mercado ilícito. Esse montante é a soma dos impostos que não foram recolhidos (R$ 90,7 bilhões, aproximadamente US$ 18,2 bilhões), e as perdas registradas por 15 setores industriais (R$ 197,2 bilhões, aproximadamente US$ 39,4 bilhões).

De acordo com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) no relatório "Tendências no Comércio em Falsificação de Produtos Piratas", em escala interna criada para o relatório em 2016, a propensão do Brasil à exportação de produtos falsificados foi de 0,130, enquanto a da China foi de 1.000.

Estatísticas alfandegárias globais indicam que, na maioria dos países, 70% a 90% das mercadorias infratoras apreendidas pela alfândega local são originárias de fabricantes chineses, tornando assim a China o maior desafio de PI de qualquer país do mundo.

Enquanto isso, todos os proprietários de PI com experiência significativa de execução legal relatam que a China representa sua maior dor de cabeça, consumindo a maior parte de seu orçamento para proteção de PI.  Como mencionado, no Brasil, a maioria dos produtos ilegais que entram nas fronteiras são produzidos em território chinês, segundo dados da FNCP, com os produtos frequentemente inseridos através de outros países da América Latina, como Bolívia, Paraguai e Guiana Francesa, antes de entrar nas fronteiras brasileiras.   Sendo assim, o percentual real de bens infratores originários da China que entram no mercado brasileiro é, sem dúvida, ainda maior do que o refletido nas estatísticas oficiais do governo.

Pode ser tentador simplesmente ignorar o mercado chinês, por receio à possíveis violações de cunho de propriedade intelectual. Entretanto, o mercado chinês tem se mostrado cada vez mais rentável para empresas brasileiras e outras que buscam novos mercados no exterior. Portanto, é aconselhável explorar o mercado chinês enquanto se toma medidas extras para proteger sua propriedade intelectual.

As medidas recomendadas para proteger o PI na China são, de fato, bastante semelhantes às do Brasil e de outros países. Envolve registrar marcas, desenho industrial, direitos autorais e patentes; registrar direitos na alfândega chinesa; e estabelecer sistemas e procedimentos para monitorar arquivos piratas, bem como infrações que surgem, particularmente em mercados online e sites, tanto na China quanto internacionalmente.

A principal diferença é que, na China, é aconselhável buscar todas as medidas acima mais cedo e mais agressivamente do que em outros países, já que o risco de infrações a marcas e produtos famosos é muito maior.

Leis versus Execução

As leis e regras da China referentes à PI são relativamente abrangentes atualmente. O país também assinou os principais tratados internacionais que estabelecem padrões mínimos de proteção de PI: a Convenção de Paris, a Convenção de Berna, o Acordo TRIPS da OMC e o Protocolo de Madri sobre o registro de marcas internacionais, os quais o Brasil também é signatário.

Os principais obstáculos à proteção satisfatória dos direitos de PI dizem respeito à aplicação dos direitos estatutários.  Algumas dessas fraquezas existem em outros países também. Eles incluem recursos limitados e treinamento para policiais encarregados de investigar falsificação e outros crimes de PI; recursos limitados da alfândega local no monitoramento da conformidade com PI para mercadorias exportadas da China; ausência de concessão de liminares judiciais quase que uniformemente; o fenômeno do "protecionismo local", que engloba tanto a parcialidade como a corrupção total entre as autoridades locais de aplicação da lei.

Os problemas anteriores são exacerbados pela realidade do comércio online, o que torna muito fácil para os piratas anunciar e vender com alto grau de anonimato. Como resultado, o progresso feito pelas autoridades chinesas na melhoria de sua legislação e no fortalecimento da aplicação tem recebido menos reconhecimento do que deveria.

Dito isto, nos últimos anos o Partido Comunista da China tem instruído as autoridades legislativas, judiciárias e administrativas a resolver lacunas na aplicação e fortalecer as leis com o objetivo de criar maior dissuasão, bem como aumentar a capacidade dos proprietários de PI de garantir compensação dos infratores – pelo menos o suficiente para cobrir os custos de investigações e ações legais. As medidas mais notáveis a este respeito incluem instruções aos tribunais locais para aumentar o nível de indenização paga pelos infratores em ações civis, inclusive por meio de "danos punitivos" em que se considera que os infratores agiram com malícia; imposição de "penalidades de crédito social" contra violadores de PI, incluindo piratas de registro, bem como infratores que não pagam no prazo as multas e indenizações emitidas por tribunais civis. Tais penalidades incluem restrições às viagens aéreas e de trem, por exemplo. Além disso, aumentou a fiscalização para ter plataformas de comércio on-line mais responsáveis pela falha na ausência de estabelecimento de sistemas de proteção PI adequados.

Melhores Práticas

A maioria dos advogados encarregados de proteger os direitos de PI na China define essas questões de execução e outras barreiras relacionadas como "gerenciáveis", desde que as principais "melhores práticas" sejam adotadas ao estabelecer programas de proteção de PI.  Essas melhores práticas incluem investigar novos casos de forma minuciosa, inclusive através de uma busca cuidadosa de plataformas de comércio on-line – dentro e fora da China – para ajudar na identificação das melhores pistas para o acompanhamento; treinar funcionários para lidar de forma competente com a aplicação on-line, bem como medidas padrão contra alvos "tijolos & argamassa".

As práticas também envolvem escolhendo cuidadosamente prestadores de serviços externos na China, incluindo investigadores, advogados e prestadores de serviços de tecnologia que são "os melhores da classe"; perseguir infrações através de todos os tipos de canais e métodos de execução – incluindo autoridades criminais, civis e administrativas. E quando as infrações parecerem muito difíceis de investigar ou perseguir, fazer uso de notificações extrajudiciais ou fazer uso de monitoramento continuamente ao longo do tempo até que as condições mudem.

Outra preocupação é prosseguir com a execução não só contra os maiores infratores, mas também os infratores médios e alguns menores. Isso é particularmente aconselhável quando os contra feitores estão vendendo abertamente falsificações on-line, pois normalmente é possível garantir evidências confiáveis da escala de vendas anteriores através de ordens de tribunais civis e (cada vez mais) autoridades de execução administrativa (o "Escritório de Supervisão de Mercado"). Além disso, para as empresas que obtêm registros de marcas na China através do Protocolo de Madrid, busca-se obter certificações para essas marcas do Escritório de Marcas da China o mais rápido possível (o que tipicamente ocorre 18 meses após o arquivamento), garantindo assim que o titular da marca possa impor seus direitos sem atrasos.

Quando as mercadorias infratoras são identificadas, é importante realizar atas notariais destas compras para ajudar a garantir que as provas sejam admissíveis nos tribunais civis chineses (uma vez que, tipicamente, às provas não autenticadas são dadas pouca ou nenhuma relevância, a menos que sejam coletadas pela polícia ou outras autoridades de execução do governo). E deve-se orçar adequadamente para programas de proteção de PI e considerar esses gastos como um "custo normal de fazer negócios" com a China.

Vale ressaltar que esses passos podem e devem ser tomados por aqueles que buscam proteger sua propriedade intelectual em qualquer jurisdição. Nesse sentido, destaca-se que o devido registro e proteção é um dos principais passos a serem dados, bem como a devida assessoria de profissionais especializados no assunto.

Proteção Aduaneira

Como observado acima, os direitos de PI podem – e devem – ser registrados na alfândega chinesa, que pode então apreender infrações suspeitas após serem inspecionadas e consideradas infratoras.  Ao contrário da maioria dos outros países, a China permite o registro alfandegário de marcas comerciais, direitos autorais e todas as categorias de patentes. No Brasil, é possível o registro alfandegário de marcas.

Embora muitas mercadorias infratoras sejam agora enviadas para o exterior em pequenos pacotes de correio, tornando assim a aplicação aduaneira impraticável, grandes remessas ainda são uma preocupação. Se uma empresa está encontrando grandes quantidades de falsificações circulando nos mercados globais, é fundamental registrar direitos com a alfândega chinesa. Para melhorar as chances de a alfândega local apreender mercadorias falsas, também é fundamental fornecer-lhes treinamento e informações mais detalhadas para facilitar o monitoramento mais direcionado, como por exemplo, os nomes dos infratores conhecidos, os portos pelos quais as falsificações são normalmente exportadas, bem como os seus destinos.

Em ambas as jurisdições, uma vez que a alfândega encontre suspeitas de infrações, o proprietário do PI será notificado através de seu procurador baseado no território (tipicamente um escritório de advocacia) e fornecerão um prazo para que seja confirmado se as mercadorias são ou não contrafeitas.

Na China, uma vez que isso ocorra, um título deve ser pago à alfândega equivalente a 50% do valor da mercadoria, mas com um máximo de $ 100.000 RMB (a moeda chinesa) ou cerca de US$ 14.000. Vários meses depois, a alfândega concluirá sua investigação e imporá uma penalidade ao exportador da mercadoria, além de devolver o valor pago a título de caução, descontada uma pequena taxa referente aos custos de armazenamento.

No Brasil, uma vez confirmada a inautenticidade do produto e o infrator não se manifestar após ser convocado para tal, ele perderá a mercadoria, além da possibilidade de aplicação de multas e outras penalidades. Sem dúvida, é necessário considerar a padronização das práticas aduaneiras em todo o território brasileiro, bem como uma melhor ação conjunta dos órgãos públicos administrativos e judiciais.

Na China, infelizmente, uma vez que as falsificações são encontradas, a Receita chinesa normalmente limitará sua resposta ao confisco e destruição das mercadorias, além de impor uma pequena multa. É raro a alfândega transferir casos para a polícia chinesa com intuito de investigação criminal e eventual acusação. Isso se deve, em grande parte, ao uso de empresas de fachada como exportadores de registro pelos falsificadores, dificultando assim a identificação dos indivíduos verdadeiramente responsáveis pelas violações. Mas o confisco de produtos infratores ainda pode criar dor para os infratores, o que cria dissuasão. E, em alguns casos, a alfândega chinesa cooperará com a alfândega e a polícia em outros países, ajudando a investigar os compradores e distribuidores de falsificações que estão sediados no exterior.

Além disso, em ambos os cenários, se a quantidade de produtos apreendidos for suficientemente alta, o proprietário de PI pode sempre entrar com uma ação civil para garantir a indenização do infrator.

Se uma empresa está fornecendo produtos de origem chinesa, a alfândega também pode ajudar a garantir que suas mercadorias sejam exportadas da China mais rapidamente. Isso pode ser alcançado por fornecedores de certificados através do banco de dados da alfândega da República Popular da China, sinalizando assim que suas exportações são legais e não exigem inspeções que de outra forma podem resultar em atrasos no embarque.

Assim, é possível verificar que, embora ambos os países ainda tenham um caminho a percorrer na exportação e importação de produtos falsificados, são jurisdições que se preocupam com a adequada proteção da propriedade intelectual, alimentando o sistema para que ele proteja os direitos de seus titulares e se torne um território atrativo para novos investimentos.

Paulo Parente Marques Mendes
Agente de propriedade industrial, advogado e sócio sênior da Di Blasi, Parente & Associados, com mais de 35 anos de experiência na área de Propriedade Intelectual. Assessora grandes empresas em questões envolvendo marcas, direitos autorais, direitos de imagem, entretenimento, mídia, esportes, concorrência, direitos do consumidor, direito da concorrência, contencioso judicial, contratos, direito da publicidade, entre outros, no Brasil e no mundo.

Joseph Simone
Sócio do SIPS, empresa de proteção de PI com sede na China.

Ana Beatriz Caldeira Lage
Atua na área de assessoria jurídica consultiva voltada para Propriedade Intelectual e Regulatório, prestando auxílio nestas áreas. Também possui experiência em contencioso cível estratégico e contratos.

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