Migalhas de Peso

As estatais novamente em risco

Por que voltar ao passado de corrupção e má-gestão, se podemos manter as estatais bem geridas e lucrativas?

9/2/2023

Após anos de graves prejuízos causados ao patrimônio público, revelados a partir de 2014, foi aprovada a chamada Lei das Estatais (13.303/16). Ela estabeleceu normas de transparência, eficiência e moralidade na nomeação e fiscalização dos conselheiros e diretores.

A essencialidade na sua edição foi demonstrada  pelas enormes perdas decorrentes da corrupção e má gestão. Ao longo de pouco mais de dez anos, o montante dos prejuízos havia chegado a 28 bilhões na Petrobrás1, além de 8 bilhões de perdas nas quarenta e uma estatais altamente deficitárias criadas entre 2003 e 2015.2

O maior prejuízo foi o do BNDES, majoritariamente decorrente das fraudes envolvendo a Odebrecht, que somaram 35 bilhões, sendo 14 em razão de investimentos na empresa e 21 bilhões decorrentes de operações externas.3

Os diversos parâmetros de qualidade e transparência trazidos pela Lei das Estatais não teriam o efeito saneador que alcançaram se ela também não trouxesse regras de proibição à nomeação de políticos, bem como de gestores com interesses conflitantes.

Tais vedações estão expressas no art. 17, § 2°, inciso I e IV, que impedem a nomeação de diretores que ostentem a condição de “titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação” ou que possam “ter qualquer forma de conflito de interesse” com a própria empresa.

Em virtude das regras de boa gestão impostas pela Lei das Estatais, o lucro total por elas gerado alcançou 250 bilhões em 20224, que gerou o pagamento de 188 bilhões de dividendos, majoritariamente à União Federal.

A título de comparação, esse valor foi suficiente para custear todo o déficit público federal anual e representa mais do que o dobro da despesa anual com o bolsa família/auxílio Brasil.

O crescimento do lucro começou exatamente no ano seguinte ao da aprovação da Lei das Estatais, 2017, quando foi de apenas sete bilhões e meio, como demonstra o gráfico publicado no Globo, expresso na nota anterior.

Em razão dos excelentes resultados proporcionados pela Lei das Estatais, é decepcionante que esteja em curso um projeto de lei para desfazer as regras de moralidade mencionadas, permitindo nomeações políticas e enfraquecendo parâmetros de boa gestão.

Ainda mais preocupante é saber que esse imoral projeto foi aprovado em dezembro pelo Plenário da Câmara dos Deputados5, com extrema celeridade e sem qualquer debate público.

Como se não bastasse a expectativa de rápida alteração da Lei, já assistimos ao desrespeito direto ao seu art. 17 decorrente da nomeação de um Senador para a Presidência da Petrobrás, e que é dono de duas empresas da área de petróleo6, em flagrante conflito de interesses. 

Por que voltar ao passado de corrupção e má-gestão, se podemos manter as estatais bem geridas e lucrativas?

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O prejuízo da Petrobrás inclui dezoito bilhões de perdas diretas e mais dez bilhões de condenação nos Estados Unidos, decorrentes de fraudes que incluíram a compra da refinaria de Pasadena. https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-aponta-que-cartel-causou-prejuizos-de-r-18-bilhoes-a-petrobras.htm#:~:text=Ao%20todo%2C%20as%2024%20empresas,superior%20a%20R%24%2018%20bilh%C3%B5es.

https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/11/pf-estima-que-prejuizo-da-petrobras-com-corrupcao-pode-ser-de-r-42-bi.html

https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/em-quase-4-anos-de-lava-jato-prejuizo-da-petrobras-ainda-e-incerto-99sn3mpg26osf992oscpce7dz/

https://www.istoedinheiro.com.br/petrobras-recuperou-r-53-bilhoes-do-valor-desviado-por-corrupcao/

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/12/4973845-petrobras-recupera-mais-de-rs-6-bilhoes-em-acordos-da-lava-jato.html

https://oantagonista.uol.com.br/brasil/mpf-cobra-da-caixa-5-bilhoes-por-prejuizos-da-corrupcao-da-era-pt/

3 https://www.poder360.com.br/justica/tcu-estima-em-r-21-bilhoes-total-desviado-do-bndes-em-obras-no-exterior/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/acervo/geral/audio/2019-09/bndes-diz-que-operacoes-com-odebrecht-deram-prejuizo-de-r-146-bi/

4 https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/01/com-alta-nos-lucros-estatais-batem-recorde-na-distribuicao-de-dividendos-em-2022.ghtml

https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2022/11/29/lucro-das-estat

https://icleconomia.com.br/lucros-das-estatais-sobem-dividendos-188-bi/ais-deve-superar-r-250-bilhoes-em-2022-diz-secretario-do-tesouro-nacional.ghtml

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2340532

https://www.cnnbrasil.com.br/business/indicado-a-petrobras-tem-empresas-ligadas-ao-setor-de-petroleo-e-gas/

Fernando Lemme Weiss
Advogado, mestre e doutor em Direito Público pela UERJ

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