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O segurador sub-rogado e o litígio de ressarcimento: correção monetária incidente da data da sub-rogação

Sabemos que nossas vozes não fortes, mas são vozes e ecoam em boa-fé um justo clamor: o de se reconhecer o óbvio como tal e se lhe der a devida atenção.

6/2/2023

Vivemos em um tempo em que somos chamados a defender o óbvio constantemente, como bem disse Bertolt Brecht. 

No mundo do Direito isso ocorre com irritante frequência.

A necessidade de defender o óbvio prejudica a marcha processual e é dispêndio de energia dos jurisdicionados e das autoridades judiciais.  

Mesmo notórios o prejuízo e o dispêndio, o que é óbvio continua a ser indevidamente posto à prova, fazendo de não-questões, questões. 

Um dos temas óbvios mas que reclama defesa de quando em quando é o da data de início da correção monetária em litígios de ressarcimento em regresso protagonizados por seguradores subrogados. 

Estranhamente, apesar de entendimento firmado e até sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, causadores de danos, vencidos nas lides, requerem e órgãos jurisdicionados concedem marco inicial distinto.  

Este quase desabafo é feito em tom absolutamente respeitoso, em que pese certa acidez, dentro do autêntico debate acadêmico, ainda que orientado pelo e ao exercício prático do Direito e segundo a tradição dialética. 

Ninguém e nada são imunes aos erros. A Justiça, a quem reputamos grandíssimas homenagens, tão pouco. Todavia, alguns são especialmente mais doloridos do que outros,  simplesmente porque poderiam e deveriam ser evitados por conta de contextos prévios muito significativos.  

Acreditamos que o que reclama nossa atenção neste momento é um desses erros absolutamente evitáveis ou facilmente ajustáveis e que evitariam o agravamento da quantidade 2 intolerável de recursos em trâmite no país. 

Ao criticarmos lealmente a situação nada mais fazemos do que defender a própria Justiça, solidários que somos à sobrecarga que seus órgãos estão há muito submetidas. Parte dessa sobrecarga dá-se pela mentalidade excessivamente litigante da sociedade brasileira. Parte pela síndrome de Pirro da advocacia nacional, que em vez de amornar racionalmente a litigância social, incentiva-a, fazendo se se dar conta que prejudica a si mesma, ainda que a longo prazo. Parte, porém, deve-se à própria Justiça, que muitas vezes desconsidera seus próprios precedentes ou se deixa seduzir por exagerado formalismo. 

O tema-coração a que nos propomos encarna um micro pedaço dessa parte de sobrecarga articulada pela própria Justiça e que reputamos, sim, absolutamente evitável. 

Infelizmente, não são raras, nem mesmo poucas, as decisões que determinam a correção monetária do valor da condenação desde o ajuizamento da ação e, não, desde a sub-rogação, oportunidade em que nasceu o direito do segurador. 

Esses decisões não consideram o reenquadramento da situação jurídica com a sub-rogação, fato gerador do direito de regresso do segurador. 

Pode-se discutir a data de início dos juros de mora [eis um assunto importante e que merece ensaio próprio], mas não a da correção monetária. 

Temos com claro – e aqui se fala na claridade de cinco sistemas solares somados –, óbvio, que a data do marco inaugural é a da sub-rogação, não outra qualquer. 

O que vale para outros autores de pleitos não vale necessariamente para os seguradores subrogados. Não porque seguradores sub-rogados sejam merecedores de direitos e benefícios especiais, mas porque distinta a gênese da suas pretensões.  

Em verdade, qualquer vítima de dano tem direito à correção monetária do prejuízo desde a data em que efetivamente o suportou. Em sendo assim, é o nascimento do ato ilícito, fonte do dano, causa do prejuízo, que guia a correção monetária. 

Como o segurador sub-rogado não é a vítima original do ato ilícito e seu direito nasce com a sub-rogação, é esta data que autoriza a correção monetária. 

Se houvesse algo a questionar não seria a escolha entre a data da sub-rogação e a do 3 ajuizamento da ação, porém a entre a data da sub-rogação e a do ato ilícito propriamente dito. 

O segundo questionamento é válido e permite tese forte de que a correção monetária para o segurador sub-rogado também há de ser computada desde o ato ilícito sofrido pelo segurado. 

Todavia, como neste momento nosso desejo é o de defender o óbvio e como não queremos enveredar pelas trilhas da polêmica e da dialética, ficaremos com o que não permite discussão e defenderemos aquilo que o Superior Tribunal de Justiça disse e bem. 

A tese do cômputo nos é muito sedutora e temos bons argumentos para a defender, porém não é o caso deste ensaio. Tanto essa tese como a dos juros de mora diferenciados aos seguradores sub-rogados são tão importantes que merecem estudo apartado e mais robusto do que este. 

Fiquemos, pois, como afirmamos, com a defesa do óbvio e a perspectiva de ver, sempre, replicada a orientação da Corte Superior. 

Repetimos com insistência: tratando-se de ação regressiva de ressarcimento, o termo inicial da atualização monetária corresponde ao da data da sub-rogação de direitos, ou seja, da data do efetivo pagamento da indenização securitária e não do ajuizamento, da ação. 

Decisões que poderiam ser brilhantes, porque trataram muito bem dos litígios, pecam nesse ponto, exigindo recurso poderia não seria interporto.  

O recurso de embargos de declaração é, não raro, ignorado e o não reconhecimento da assertividade de uma simples frase, “(...) sendo a correção monetária incidente desde a data da subrogação”, produz recurso (de apelação ou especial) que não deveria existir. 

É a Justiça, com todo e máximo respeito, sobrecarregando a si mesma e de forma incompreensível, dada a simplicidade e, dizemos novamente, a obviedade do tema.  

Como dissemos antes, compreendemos que haja discussão relativamente ao início da correção monetária (e/ou, até, da contagem dos juros de mora) desde a data do ato ilícito sofrido pelo segurado, porém não ao da data da sub-rogação. 

O segurador sub-rogado suporta  efetivamente o prejuízo quando do pagamento da indenização, sendo daí as origens do seu direito e dos juros de mora. Nada aquém, talvez alguma coisa além, porém invariavelmente assim.

Esse é o entendimento – e de muito tempo – do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REEMBOLSO DE VALORES PAGOS. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DO DESEMBOLSO. SÚMULA 83 DO STJ. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.

(...)

Verifica-se que o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do STJ, Ressalte-se que a correção monetária não é acréscimo, gravame ou acessório, visa apenas a salvaguardar o poder aquisitivo da moeda, fazendo com que o débito pago no futuro seja idêntico ao débito original, tal como surgiu Revela-se como mero reajuste do valor histórico, ou nominal, objetivando a sua preservação contra os efeitos corrosivos da inflação. 

Em casos assemelhados a destes autos, de reembolso de valores pagos, esta Corte Superior possui entendimento de que a correção monetária incide a partir do desembolso. 

(STJ- AgRg no AREsp 714.173 SP 2004/0182044-9. Quarta Turma. Desembargador Relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 15.10.2015.”

“AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. INSUFICIÊNCIA DOS DOCUMENTOS JUNTADOS À INICIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JUNTADA DE CONTRATO. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. AÇÃO REGRESSIVA MOVIDA PELA SEGURADORA CONTRA O CAUSADOR DOS DANOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DATA DO DESEMBOLSO DA QUANTIA. 

I - A convicção a que chegou o Acórdão recorrido, que considerou suficiente a documentação acostada aos autos, decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula 7 desta Corte. II - Inviável o conhecimento do recurso especial pelo dissídio, se o recorrente limita-se a transcrever as ementas dos acórdãos paradigmas, sem proceder, contudo, ao devido cotejo analítico, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. III - Em caso de ação regressiva, ajuizada pela seguradora contra o causador dos danos, o termo inicial da correção monetária é a data do desembolso da quantia, já que se opera a sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado. IV - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido

(STJ - AgRg no Ag: 1010715 RS 2008/0023467-7, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 16/04/2009,  T3 - TERCEIRA TURMA.”

Tão sólido, aliás, que se encontra sumulado e há não pouco tempo. Não exatamente o da sub-rogação e, sim, o do ato ilícito. O enunciado de Súmula 43 dispõe:  Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo. Ora, se a correção monetária cabe do ato ilícito, com mais razão caberá e cabe do ato lícito, a sub-rogação, o pagamento de indenização de seguro, efetuado por sua conta.

Não houvesse o ato ilícito do danador condenado judicialmente e a indenização de seguro não seria paga. Se a Súmula determina a correção monetária desde a data da causa é óbvio que 5 incide também na data do efeito, a sub-rogação, sendo este o fato gerador.

Há inegável raciocínio tomista, da causa-eficiente e da teoria do primeiro motor. O ato ilícito gera à vítima direito de correção monetária desde a data da ocorrência. O segurador que a indeniza, por conta de contrato de seguro, suporta o prejuízo, por arrastamento, no ato de pagamento da indenização (sub-rogação), nascendo aí seu direito.

Se fosse para se discutir alguma coisa, também repetimos, seria o do eventual aproveitamento da data do ato ilícito a esse mesmo segurador, pagador da indenização de seguro, vítima por derivação, e não a data do ajuizamento da ação.

Essa forma de pensar segue o metro da razoabilidade e elementos fundamentais de Direito Civil, Direito dos Seguros e Direito Processual Civil.

Estamos seguros de que a aplicação da correção monetária desde a data da sub-rogação possui fundamento legal, ancoragem jurisprudencial, segue princípios fundamentais do Direito e personifica a máxima das Institutas de dar a cada um o que seu, razão de ser do Direito à serviço da justiça.

Pedimos perdão pela hipérbole na repetição, que adotamos neste ensaio como forma de defesa do óbvio. Somos, porém, obrigados a tanto para que não paire dúvida alguma da posição adotada e que nada mais faz do que ecoar precedentes e aplicar, com a devida valoração, enunciado de Súmula (43) do Superior Tribunal de Justiça.

Discutir se a correção monetária deveria ser, também ao segurador sub-rogado, da data do ato-ilícito que gerou o pagamento de indenização de seguro é algo absolutamente válido e, sim, necessário. 

Há busca de autêntica justiça nisso, até pela devida onerosidade ao causador do dano, vencido na lide. Discutir, todavia, que ao menos da data da sub-rogação não se computa a correção monetária é algo profundamente equivocado, que fere a jurisprudência e grita alto contra a lógica, por assim, e sempre respeitosamente, dizer. 

Precedentes e súmula, aliás, que são observados e aplicados pela maior parte dos órgãos jurisdicionais. Ocorre que a não aplicação, que não é a regra, é um tanto maior do que a razoabilidade recomenda e isso faz com que decisões que poderiam gerar um ou dois recursos gerem quase o dobro assoberbando desnecessariamente a Justiça. 

Sabemos que nossas vozes não fortes, mas são vozes e ecoam em boa-fé um justo clamor: o de se reconhecer o óbvio como tal e se lhe der a devida atenção. Agradecemos e muito, nem tanto como advogados que somos dos segurados sub-rogados e, sim, como jurisdicionados e enamorados dos estudos jurisprudenciais.

Nosso sincero agradecimento aos que nos leem.

Paulo Henrique Cremoneze
Advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes. Sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados. Mestre em Direito Internacional Privado. Especialista em Direito do Seguro.

Eduarda Eiko Cremoneze Anzai
Advogada de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas - Advogados Associados, bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, com formação executiva em regulação de sinistros pela ENS - Escola de Negócios de Seguros e pósgraduanda em Direito de Seguro e Resseguro pelo IBDP - Instituto Brasil-Portugal de Direito e associada da AIDA- Brasil.

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