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Importância da governança corporativa – Análise do “caso Sadia”

Foi a demonstração concreta de como falhas internas no processo de governança corporativa são capazes de expor a companhia a riscos de expressivo abalo financeiro.

6/2/2023

1) O que foi o “CASO SADIA”

Em apertada síntese, conforme se pode inferir da decisão proferida no Processo Administrativo Sancionador CVM 18/08, instaurado para apurar o descumprimento dos deveres de diligência previstos no artigo 153 da lei 6.404/76, o chamado “caso Sadia” cinge-se à responsabilização dos gestores da companhia (então conselheiros e o diretor finan-ceiro) – que, em sua maioria, acabaram responsabilizados e penalizados com multas pecuniárias – pela realização de contratos para operações de derivativos de alto risco – de caráter fortemente especulativo – que, em meio à crise financeira internacional que se instalou em 2008, redundou em prejuízo financeiro bilionário e levou a companhia ao estado de insolvência.

Foi a demonstração concreta de como falhas internas no processo de governança corporativa são capazes de expor a companhia a riscos de expressivo abalo financeiro, levando-a até mesmo à quebra, mesmo quando esta possui consideráveis reservas patrimoniais e todos os indicadores econômicos, financeiros e contábeis, inclusive (e principalmente) em perspectiva histórica, apontam grande solidez e boa perspectiva de crescimento.

O caso foi particularmente paradigmático principalmente por dois motivos: i) porque, desconhecendo-se os processos internos de governança, acreditava-se que a Sadia estava pouco ou nada suscetível a sofrer um impacto financeiro de grande monta como o que acabou ocorrendo; e ii) porque detectada a ocorrência de uma relevante dissonância entre a implementação de novas estratégias financeiras e operacionais e os mecanismos de gestão, e respectivo controle, previstos na estrutura de governança da companhia.

2) Quais foram as falhas de governança da Sadia?

De acordo com o texto do Prof. Alexandre Di Miceli da Silveira – “Governança – o caso Sadia”, bem como a conclusão da acusação, reproduzida no § 92 da decisão proferida no Processo Administrativo Sancionador CVM 18/08, houve uma “sucessão de falhas na administração que acabou por permitir a adoção, por parte da Diretoria Financeira, de práticas contrárias à Política Financeira da Sadia, o que só ocorreu pela total falta de monitoramento e supervisão, devidamente demonstrada nestes autos, sobre as ativi-dades desta Diretoria”.

Assim, as sete falhas apontadas pelo Prof. Alexandre Di Miceli da Silveira no texto “Governança – o caso Sadia”, estão respaldadas por aquelas apontadas pela acusação e reproduzidas nos §§ 93, 94 e 95 da decisão da CVM, merecendo destaque, ainda, as falhas individuais de cada conselheiro e do diretor financeiro, apontadas no § 96 da referi-da decisão.

Relativamente aos administradores a decisão aponta a falta de zelo do Conselho de Administração na adoção de boas práticas de governança, conforme se pode inferir do texto inserto no § 59: “Por outro lado, de acordo com o Regimento Interno do CA, cabia ao Presidente do Conselho a função de “zelar pela adoção de boas práticas de governança corporativa pela Sociedade, incentivando a discussão sobre seus temas durante as reuniões do CA.”

Em linhas gerais as falhas detectadas podem ser assim resumidas: i) distribuição inadequada de funções; ii) falta de efetividade dos comitês consultivos; iii) ausência de uma política financeira clara e eficaz; iv) ausência de maior transparência e fluência na apresentação dos resultados das operações aos investidores; v) ausência de discussão acerca das boas práticas de governança corporativa e de controles internos efetivos para assegurar o cumprimento do programa de compliance; vi) falha no processo de troca e divulgação de informações essenciais para o controle das operações; e vii) remuneração da área financeira associada aos ganhos advindos das operações derivativas contratadas.

3)  Como pederiam ter sido evitadas essas falhas?

Considerando o conjunto de falhas detectadas, algumas medidas poderiam tê-las evitado ou minimizado os seus efeitos:

  1. A adoção de maior rigor na escrituração contábil das operações e dos respectivos resultados;
  2. Maior transparência na apresentação dos dados aos investidores, especialmente no que se refere aos derivativos contratados;
  3. Fortalecimento dos mecanismos de controle interno mediante atuação mais enfática e incisiva dos comitês consultivos, especialmente o Comitê de Finanças e o Comitê de Auditoria, a fim de haver verificação eficaz acerca do cumprimento das regras do programa;
  4. Promoção de avaliações constantes e periódicas do programa de governança a fim de detectar a necessidade de eventuais ajustes;
  5. Incentivo aos conselheiros para que tivessem uma atuação mais proativa na busca de informações úteis e necessárias à tomada de decisões, e adotassem uma postura mais crítica em relação ao funcionamento da estrutura funcional do programa de governança; e
  6. O fortalecimento da necessidade de observância permanente dos princípios da boa governança.

Carlos Botta
Advogado em Porto Alegre, graduado pela Unesp, inscrito na OAB/RS nº 45.754. Especialista em direito empresarial. Consultor Jurídico da Associação Brasileira de Contribuintes.

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