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Participação em manifestações consideradas antidemocráticas pode resultar em justa causa?

A penalidade deve ser aplicada apenas quando a conduta adotada pelo empregado esteja devidamente individualizada e torne impossível a manutenção do vínculo empregatício.

23/1/2023

No início do mês vimos, por meio dos noticiários de TV e mídias digitais, a manifestação realizada em Brasília, que culminou com a invasão e depredação dos prédios públicos dos Três Poderes. Muitas dúvidas surgiram quanto ao enquadramento penal dos atos praticados, possibilidade de prisão, ressarcimento na esfera cível e até mesmo questionamentos na seara trabalhista.

Afinal, o empregado que participar de manifestações consideradas antidemocráticas e identificado através da vestimenta ou algum acessório da empresa em que trabalha, pode ser dispensado por justa causa? 

A princípio, os atos praticados pelo empregado fora do local de trabalho e que não estejam relacionados à atividade profissional, não podem servir como fundamento para dispensa por justa causa. O empregado também não pode ser dispensado por expressar sua opinião política fora ou dentro do ambiente de trabalho, e qualquer interferência nesse sentido pode ser caracterizada como assédio eleitoral.

Contudo, se o empregado for identificado através da vestimenta ou algum acessório da empresa em que trabalha, participando de manifestações consideradas antidemocráticas, praticando atos de depredação e vandalismos, o mesmo pode acabar configurando motivos para a dispensa por justa causa, em razão da exposição indevida e negativa da imagem da empresa.

Assim como a pessoa física, a pessoa jurídica também detém uma série de direitos personalíssimos próprios, dentre os quais, o direito à imagem. A conduta, portanto, poderia ser enquadrada na disposição contida na alínea “k” do art. 482 da CLT – ato lesivo da honra ou da boa fama do empregador - pois estaria associando a imagem da empresa àquele ato.

Entende-se incluída a proteção ao direito de imagem do empregador na expressão “boa fama” e, nesse caso específico, da imagem-atributo da pessoa jurídica.

No ambiente corporativo, a reputação de uma empresa possui grande relevância e qualquer fato que possa manchar a sua imagem pode acarretar inúmeros prejuízos, pois a marca é a forma como o público a reconhece no mercado.

Para evitar situações como essa, o ideal é o que empregador crie regras de comportamento esperadas de seus empregados e que as mesmas estejam previstas no contrato de trabalho, regulamento interno ou código de ética e conduta, visando dar efetiva publicidade e, inclusive, viabilizar de forma segura a aplicação de penalidade pelo seu descumprimento.

Servidor público 

Se tratando de servidor público, o ato pode, ainda, caracterizar descumprimento dos deveres de moralidade e urbanidade, bem como de proceder na vida pública e privada na forma que dignifique a função pública, previstos respectivamente no art. 37 da Constituição Federal e no art. 241, VI e XIV do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, podendo gerar punição disciplinar administrativa com a abertura de processos de sindicância e inquéritos administrativos.

Vale alertar, contudo, que a dispensa por justa causa é a penalidade mais grave aplicada ao empregado, pois nessa modalidade de extinção do contrato de trabalho, a maior parte das verbas rescisórias a serem recebidas é suprimida (aviso prévio, 13º salário proporcional, férias proporcionais + 1/3, saque e multa de 40% do FGTS e seguro-desemprego).

Em razão disso, a penalidade deve ser aplicada apenas quando a conduta adotada pelo empregado esteja devidamente individualizada e torne impossível a manutenção do vínculo empregatício, sendo necessário ainda que haja a possibilidade de comprovação cabal do fato, uma vez que o empregado pode questionar a validade da penalidade perante a justiça do trabalho e a mesma ser revertida, se não forem observados todos os requisitos necessários.

Sylvia Maria de Filgueiras Cabete
Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNISA) desde 2006, Sylvia Maria de Filgueiras Cabete é pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) e em Direito de Família e Sucessões pela instituição Damásio Educacional (IBEMEC). Atualmente, a doutora atua no escritório de advocacia Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, localizado na capital de São Paulo.

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