Migalhas de Peso

Onde está a exceção da verdade no processo civil?

A verdade atrelada à liberdade de expressão torna-se indivisível e merece ser encarada.

18/1/2023

A honra é considerada um dos bens jurídicos mais relevantes do ser humano e, por isso, é protegida e garantida por diversas leis, como Constituição Federal, Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), Código Penal, Código Penal Militar, Código Eleitoral, Lei das Eleições (lei 9.504/97) e Código Civil – além do tratamento indireto em leis esparsas.

Há de se reconhecer, sobretudo, que os crimes que ferem a honra são assuntos emblemáticos no Código Penal, o que gera inúmeras discussões. Apesar de se distinguirem em três, suas subdivisões e diferenças desafiam o entendimento público, principalmente para quem não é familiarizado com o Direito ou não atua na esfera criminal.

De toda forma, para contextualizar, relembremos esses três tipos: Calúnia (art. 138), Difamação (art. 139) e Injúria (art. 140). Os delitos têm significação própria e não devem ser confundidos à luz da aplicação da Lei. Isso porque, enquanto na Calúnia e na Difamação a honra objetiva da vítima é afetada, na Injúria falaremos de atentado à honra subjetiva.

Além das tipificações da lei propriamente ditas, encontramos no Código Penal delimitações, ressalvas, qualificadoras e exceções. É justamente sobre uma das exceções – talvez a mais simbológica – que esse texto fará menção: a exceção da verdade. 

Muito embora haja matéria de sobra para se discorrer sobre o assunto na área criminal, o intuito aqui não está relacionado à tipificação penal desses crimes, mas, sim, à reflexão pouco explorada no direito brasileiro: as considerações e os reflexos sobre a exceção da verdade à luz do processo civil.

Relembremos que a exceção da verdade é um importante meio de defesa direta (incidente), não podendo ser confundida com aquelas de cunho tão somente processual, uma vez que é fundamentada na preservação de mérito. Por isso, tanto o excipiente (que propõe a exceção da verdade), quanto o excepto (a quem se opõe a exceção) pode se defender após a instauração do incidente.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, dispõe sobre o contraditório e ampla defesa, sendo esse um dos pilares da exceção da verdade: tornar um fato supostamente criminoso como atípico criminal, com base daquilo que é real.

Como isso reflete na processualística civil? Simples: guardadas as devidas proporções, a discussão de mérito – com possibilidade de inversão da responsabilização – tem amparo no art. 343 do Código de Processo Civil, ou seja, na contestação, possibilitando ao requerido propor reconvenção. Nesse caso, a figura da reconvenção pode ser encarada como exceção da verdade.

Assim também funciona no direito civil material. O art. 953 do Código Civil também contempla a proteção da honra: “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”. Apesar disso, nada se fala sobre a exceção da verdade.

O Direito Civil também trata da salvaguarda da verdade no art. 12 da lei 2.083, que regula a Liberdade de Imprensa, havendo matéria similar e comparativa na lei 13.188/15, que aborda o Direito de Resposta, mas nada comparado à força que tem na legislação penal.

A pergunta macro aqui é: Uma vez acolhidos os argumentos trazidos em um incidente de exceção da verdade no âmbito de um processo criminal, automaticamente uma possível indenização contida no art. 953 do Código Civil estaria excluída? Nessa hipótese, as responsabilizações criminal e cível devem sempre convergir? Ou, assim como água e óleo, elas não se misturam?

De fato, a possibilidade de arguição da exceção da verdade no processo civil é matéria quase inexplorada na doutrina e na jurisprudência brasileira. Porém, se olharmos para o princípio da verdade real, a exceção da verdade acolhida deveria, sim, excluir a responsabilidade civil, caso ela fosse levantada em um processo fora da seara criminal.

Apesar de o princípio da verdade real aparecer com maior frequência na doutrina de processo penal, ele não deixa de existir no campo cível ou trabalhista. Pelo contrário, o Poder Judiciário busca, sobretudo, a Justiça.  E, se a Justiça brasileira tem como máxima legislação a Constituição Federal, com o contraditório e a ampla defesa, o assunto “exceção da verdade” deve ter maior atenção também fora dos processos penais, com criação de novas teses, doutrina e formalização de entendimentos dos tribunais. A verdade atrelada à liberdade de expressão torna-se indivisível e merece ser encarada.

Renato Opice Blum
Advogado e Economista. Patrono Regente do Curso de Pós-graduação em Direito Digital e Proteção de Dados da Escola Brasileira de Direito - EBRADI; Professor coordenador na FAAP.

Bruno Henrique Cordeiro
Advogado no Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados. Especialista em Direito Digital e Proteção de Dados. Pós-graduado em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito – EPD, com Extensão Universitária em Direito do Consumidor pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP.

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