Migalhas de Peso

Ataque à democracia: terroristas ou manifestantes?

Neste presente artigo acrescentamos mais pessoas que temem o autoritarismo judicial e faraônico que assola nosso raquítico estado (com letra minúscula mesmo) de direito, para além dos verdadeiros culpados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023.

16/1/2023

No último dia 8 de janeiro do corrente ano, uma multidão de manifestantes se dirigiu à Brasília. Uma parcela, dentre a massa de pessoas que ali estava, resolveu invadir os prédios sedes dos três poderes. A invasão resultou em depredação física das instalações tanto do congresso e planalto quanto do STF.

Após os atos, as grandes emissoras e jornais opostos ao entendimento político da manifestação, já disseminavam os velhos slogans já surrados de tanto serem usados pra demonizar seus opostos: Ataque à democracia! Terrorismo! Atos antidemocráticos!

Houve uma imediata reação política não só aos atos de vandalismos, mas, a toda e qualquer manifestação que sugira, ao menos, a presença de pessoas com camisas da seleção brasileira ou bandeiras nacionais, em outras palavras, manifestantes direitistas. O discurso sobre terrorismo passou do seu, já esperado, uso político e foi adotado por agentes públicos do próprio poder judiciário, com clara intenção de condenar não só as pessoas que participaram do vandalismo, mas, todas as que, simplesmente, estavam no ato, com base na lei de terrorismo.

Mas, já não cansamos de ver essas mudanças abruptas de entendimento jurídico quando quem tá sendo alvo é aliado ou oposição política? Quando grupos extremistas como MST, black bloc e MTST, por exemplo, vandalizaram prédios públicos ou fizeram manifestações violentas nas ruas, no passado, o tratamento não foi esse. Por que será?

Vale lembrar que em 2014, o presidente do STF, à época, Ricardo Lewandowski, precisou suspender a sessão da corte por quase uma hora até que a multidão de revoltosos, extremistas, de esquerda se dispersasse com apoio da polícia militar.

Segundo informações da polícia, à época, cerca de 20 mil militantes de extrema esquerda protestaram na ocasião, deixando 12 agentes de segurança pública feridos, mas, contrariamente ao que ocorreu no ultimo domingo 08/01/2023, a imprensa claramente militante e antiprofissional não chamou os atos de 2014 de “terrorismo”, mesmo que policias ficassem feridos por conta de agressões dos revoltosos. Também não foram chamados de atos antidemocráticos ou coisa do tipo. 

Já em 2017, cerca de 35 mil pessoas com bandeiras e faixas da CUT (grupo de extrema esquerda) realizaram uma manifestação em Brasília deixando um rastro de destruição e violência por onde eles passaram. À época, o presidente Temer precisou acionar o exército, segundo G1 do grupo Globo. As pessoas eram chamadas de manifestantes e não de terroristas, como estão chamando agora, mesmo quando atearam fogo em Ministérios de Estado e barricadas que foram feitas pra tentar detê-los, além de deixarem cerca de 49 pessoas feridas.

Mas, agora o entendimento é outro. Como se chama isso juridicamente mesmo? Resposta: Estado de Exceção. Vamos analisar brevemente o que diz a lei sancionada em 2016, sobre atos de terrorismo, pra vermos de que forma poderia ser aplicada no caso das pessoas que depredaram os prédios públicos (esperamos que não condenem pessoas somente por estarem em Brasília no dia dos fatos).

A lei 13.260, DE 16 DE MARÇO DE 2016, disciplina os casos em que há, inquestionavelmente, ato de terrorismo, seja por uma ou mais pessoas, deixando clara sua tipificação e requisitos legais pra sua incidência. Mas, antes de passarmos a comentar a composição exegética da lei acima citada, vamos primeiro relembrar o que diz a tal constituição federal cuja respeitabilidade e importância diminuem a cada dia.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

A dicção jurídica do artigo acima transcrito é tão simples quanto realmente parece, não há necessidade de o cidadão ter diploma em direito pra entender sua mensagem no geral. Não pode haver distinção de qualquer natureza perante não só a lei, mas, também diante da própria justiça. Temos a impressão de que alguns ministros (cujos nomes não podemos mais mencionar, pois estamos numa democracia plena, não é mesmo?) ficariam surpresos se lessem tal disposição.

Agora, temos os rudimentos jurídicos/constitucionais pra adentrarmos à análise da lei de terrorismo, sem os quais qualquer análise ou aplicação da lei pode se tornar numa instalação de caos e perseguição. Vejamos, então, qual é o conceito de terrorismo da lei. Assim, terrorismo seria, nos termos do artigo 2°, da lei 13.260/2016:

A prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Meus caros leitores migalheiros, notem sem qualquer paixão política, ou parcialidade jurídica, que o conceito da lei é claro, não há qualquer ponto de obscuridade ou lacuna que possa ser preenchida por interpretações políticas ou forçadas. O terrorismo se constitui em práticas violentas que revelem xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. E mais, não é algo automático, por assim dizer, esse enquadramento como terrorismo, pois no mesmo artigo 2° citado, é dito que tais práticas precisam ser cometidas com finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoas, patrimônio, a paz pública ou incolumidade pública.

Em que pese o trecho final do artigo possa levar a um entendimento equivocado no sentido de enquadrar os atos de vandalismos no seu conceito, é preciso conjugar tais disposições com os demais requisitos constitutivos do tipo penal, ou seja, os atos precisam ter como objetivo prática de xenofobia, preconceito ou discriminação pelos motivos trazidos pela lei, o que não é o caso dos manifestantes.

Tanto não é caso de aplicação de terrorismo que em 2017, quando a CUT cometeu semelhante ato em Brasília, chegando a atear fogo em Ministérios de Estado e provocar agressão até a policiais, a lei, que foi promulgada em 2016, não foi aplicada a ninguém que participou daqueles atos. Pra não dizerem que os atos da CUT foram menos violentos que os do dia 08 de janeiro/23, lembremos que o presidente da república chegou a convocar o exército pra controlar os distúrbios da paz pública. Mas, quando as pessoas querem passar um paninho aqui, outro acolá, nada se pode fazer, não é mesmo?

Todavia, continuemos nessa (ainda) lícita tarefa de confrontar acusações e exageros de parcialidade aos preceitos da lei em relação aos atos “antidemocráticos”. O parágrafo primeiro, do artigo 2° da lei citada, traz os verdadeiros atos que se enquadram como terrorismo. Vejamos:

I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

Bem, se vamos aplicar a lei de terrorismo,  então que os atos praticados pelos acusados sejam ou estejam citados no conceito da lei, ao menos é isso se espera de um julgamento justo (caso não seja somente perseguição, é claro!). O inciso “I” diz que os atos de usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos e outras substâncias que claramente não foram usadas pelos manifestantes, são terrorismo. O que não foi o caso da revolta popular que se quer alcançar.

Assim, nem as razões, nem os atos em si guardam relação com os preceitos da lei de terrorismo, a não ser que a parte final do inciso “I” que diz sobre “outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa” seja paus, pedaços de metal, pedras e celulares.  Com isso, passamos ao parágrafo 2° da mesma lei, que pode nos assustar um pouco mais:

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei. (grifamos)

Se mesmo após a demonstração do conceito de terrorismo, dos atos assim considerados, objetivos e meios empregados, que não têm nada a ver com os atos praticados pelos envolvidos, você ainda tenha alguma dúvida sobre a ilicitude da aplicação desta lei, com a leitura do parágrafo, acima descrito, o leitor pode pensar um pouco deferente.  Isso porque já no início do texto fica claro como a luz solar que a lei não se aplica aos casos em que haja “manifestações políticas...” dentre outras.

O que nos parece é que o texto do citado parágrafo foi criado pra dar legitimidade pros atos de violência que a extrema esquerda pratica em seus protestos, é só ver as expressões como “movimentos sociais”, “sindicais”, “de classe” ou “categoria profissional”. Expressões que claramente são usadas nos discursos políticos da esquerda radical, porém, como não havia histórico de manifestações violentas da direita, até então, esse dispositivo iria ficar ali, escondidinho, pra quando algum ato violento ocorresse, vindo dos radicais de extrema esquerda, logo seus autores seriam salvos. Só não contavam que a direita mais radical fosse fazer o que os extremistas de esquerda normalmente fazem. Aí, não vale mais a lei!  Vamos reinterpretar! Não brinco mais...

Os demais dispositivos da lei falam mais precisamente em atos de terrorismo propriamente ditos, não sobre interpretações forçadas pra encarcerar adversários políticos como vêm acontecendo nos últimos anos. Antes que venham  os  amados haters dizer que estamos passando pano, como normalmente eles fazem, esclarecemos que os atos são de vandalismo e precisam ser punidos. Mas, seja aplicada a justiça, não justiçamento jacobino que querem.

O ato de quebrar vidraças e quebrar móveis ou até mesmo obras de arte nunca foi considerado como terrorismo, o que precisa ser feito é aplicar o código penal, sem paixão política ou parcialidade judicial (mesmo que seja quase impossível de isto não ocorrer). O país passa por um delicado momento de instabilidade, não precisamos de desafios e hostilidades de personalidades do poder judiciário, tão pouco de zombarias com quem tá revoltado, esteja com razão ou não.

Por fim, com base na própria lei de terrorismo, analisando hermeneuticamente seus dispositivos principais, não verificamos qualquer pertinência ou licitude na aplicação dela aos envolvidos nos atos de 08 de janeiro/2023. O que não será tolerado é parcialidade e aplicação de dois pesos e duas medidas, chamando de manifestantes quando são radicais de estrema esquerda e de terroristas os de extrema direita.

Diz-se que o amor venceu, já a justiça... Ah! Rui Barbosa! Quem poderá nos defender?

Marcelo Vasconcelo
Advogado, jornalista credenciado no CRP, articulista de portais, autor independente, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da 3° subseção da OAB/SP, autor de trabalhos sobre Nietzsche.

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