Migalhas de Peso

O psicólogo assistente técnico também faz avaliação?

O psicólogo assistente técnico tem sim respaldo legal de norma da própria Psicologia para realizar sua avaliação psicológica.

23/1/2023

Olá, nobres colegas Migalheiros!

Começando o ano com muita energia, disposição, planejamento e “pílulas de informação” de temas relevantes da Psicologia Jurídica!

Então, vamos lá. Frequentemente, quando algum cliente me contrata como assistente técnica, eu falo que vou fazer a minha própria avaliação (com ele(a), com a(s) criança(s) (se possível), tanto em âmbito de Vara de Família como em Vara Criminal, daqueles pais/mães acusados de abuso sexual, em que se perceba claramente que é uma manobra de alienação parental.

Muitos peritos psicólogos acham estranho, “torcem o nariz”, alguns até chegam à leviandade de me acusar de “prática antiética”, mas o fato é que: assistente técnico também pode/deve fazer sua própria avaliação psicológica, respaldada pelo artigo que muitos fazem questão de “fingir que não conhecem, ou não viram”: § único do art. 8º da Resolução 08/10 do Conselho Federal de Psicologia.

Isso mesmo. O referido dispositivo declara que:

Art. 8º - O assistente técnico, profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise.

Parágrafo Único - Para desenvolver sua função, o assistente técnico poderá ouvir pessoas envolvidas, solicitar documentos em poder das partes, entre outros meios (Art. 429, Código de Processo Civil). (sublinhei).

Sim, leitor Migalheiro! Psicólogo assistente técnico também tem o direito e deve fazer a sua própria avaliação psicológica. Além do respaldo legal da norma profissional, temos outros motivos fundamentais:

  1. O profissional precisa conhecer o seu cliente (e as pessoas relacionadas a ele), para conhecer o caso de maneira mais aprofundada, perceber se há alguma inverdade, ocultação, estranheza, simulação ou dissimulação. Afinal, o assistente técnico está para a assessoria técnica assim como o advogado está para a assessoria jurídica do cliente. Claro que nenhum dos dois poderá inventar, mentir, falsificar, omitir (embora existam muitos maus profissionais que assim procedem... maçãs podres...), mas ambos são profissionais parciais, na medida em que estarão exclusivamente a serviço dos direitos (não necessariamente dos interesses) de apenas uma das partes, o cliente contratante.
  2. Existem situações em que o cliente do assistente técnico não é sequer cogitado para ser avaliado pelo perito. Por exemplo, nas ações criminais, de acusação de abuso sexual, é muitíssimo raro que o psicólogo perito nomeado pelo juiz se digne a entrevistar ou avaliar o acusado. Geralmente, o foco é o depoimento da vítima (ex.: em Depoimento Especial), ou, no máximo, daquele(a) genitor(a) acusador(a). Por vezes, a única oportunidade que o cliente tem de ser avaliado tecnicamente ocorre quando o assistente técnico, no exercício da Investigação Defensiva (Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB), para identificar algum perfil de personalidade e se tem (ou não) algum traço parafílico que possa comprometer a defesa. Como, geralmente, as condenações só se embasam na acusação da vítima, por vezes há a necessidade de se avaliar psicologicamente o acusado, para ter alguma chance de defesa. 
  3. Processos em que se requer dano moral/psíquico: até para que o juiz se convença da necessidade de se encaminhar o caso ao Setor Técnico (psicólogo e assistente social peritos), a pessoa pode precisar de uma avaliação prévia – e, geralmente, quem acaba fazendo essa avaliação é o mesmo profissional que irá assessorá-lo como assistente técnico no momento processual oportuno. 

Ou seja, a defesa técnica se torna indiscutível e indispensável, seja antes da perícia oficial, seja até para suprir eventual defeito da perícia, que é o de deixar de abranger determinadas partes.

E quando o assistente técnico pode fazer essa avaliação psicológica própria?

Geralmente antes da perícia oficial, até como um pré-requisito para continuar atuando (ex.: se o profissional percebe que o cliente está simulando, dissimulando, omitindo ou inventando informações, ele tem o direito de comunicar isto ao cliente e o dever ético de se afastar; se a informação envolve risco concreto ou potencial a si e/ou a outros, o psicólogo tem a obrigação de comunicar o fato às autoridades competentes). Quando isso não é possível, pode ocorrer no término da perícia oficial.

Mas, o assistente técnico pode estar presente durante os procedimentos periciais?

A resposta é: não. Além do que dispõe a referida Resolução 08/10 do Conselho Federal de Psicologia, no art. 2º: “O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do psicólogo perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado.”, temos que o TJSP emitiu um Provimento 12/17, que acrescenta a seguinte redação ao art. 803 do Tomo I das NSCGJ:

“Parágrafo único. O acompanhamento das diligências mencionado no §2º do art. 466 do Código de Processo Civil não inclui a efetiva presença do assistente técnico durante as entrevistas dos psicólogos e assistentes sociais com as partes, crianças e adolescentes. Contudo, havendo interesse do assistente técnico, a ser informado nos autos, os psicólogos e assistentes sociais do Poder Judiciário deverão agendar reunião prévia e/ou posterior às avaliações, expondo a metodologia utilizada e oportunizando a discussão do caso.”

Não me compete discutir como duas normas infralegais conseguem se sobrepor a uma lei federal (no caso, o CPC), por eu não ter a titulação jurídica cabível. Mas, o fato é que essa regra acaba prevalecendo sobre o que dispõe o art. 466 § 2º do CPC. E, na prática, isso causa prejuízos gravíssimos aos clientes, pelos seguintes motivos: (1) o cliente se sente inseguro por não ter o seu profissional de confiança (o psicólogo assistente técnico) ao seu lado; (2) existem situações notoriamente constrangedoras, em que o perito adultera ou omite informações do laudo, sem que o assistente técnico esteja presente (ex.: adulterar a sequência de apresentação de pranchas de um teste).

O procedimento pericial pode ser gravado?

Isso rende muita discussão, porque embora os processos de Varas de Família tenham segredo de justiça, as entrevistas com o psicólogo perito não são para finalidade clínica, portanto não haveria esse “duplo sigilo” e, além disso, se o cliente está participando da conversa, em princípio poderia gravar sem precisar de autorização (conforme vasta jurisprudência, inclusive dos Tribunais Superiores). Já vi muitas situações em que uma perita psicóloga adulterou informações no laudo para comprometer ou incriminar meu cliente, mas ele gravou a conversa, transcreveu em ata notarial e com isso conseguimos provar a inidoneidade da perita e impugnação do laudo. De quebra, ainda obteve vitória em representação ética e ações cíveis e criminais contra a (im-)perita (perdoem, mas o trocadilho é inevitável...).

Porém, se é o perito que manifeste pretensão de gravar, ele deve requisitar autorização por escrito do cliente (ou, no caso de menor ou incapaz, de seu responsável legal). A gravação feita pelo próprio perito ajuda a evitar essas adulterações de informação, além de fomentar que os peritos atuem com ética, transparência, lisura e idoneidade. E, mais importante, evita a revitimização da criança, para que ela não tenha que repetir uma história traumática mais vezes – o que caracteriza crime de violência institucional (lei 14.321/22), tema de outro artigo em breve.

No caso do assistente técnico que esteja fazendo a sua própria avaliação psicológica, por exemplo, uma escuta especializada de criança que esteja relatando uma violência sofrida, este profissional também deve requisitar uma autorização por escrito ao responsável legal, para evitar ser acusado de “produzir prova” sem autorização. E essa mídia da gravação deve ser protegida e enviada somente às autoridades competentes.

No máximo, os assistentes técnicos acabam tendo que se conformar com a ideia de requisitar reuniões técnicas com o perito, antes e/ou depois do término dos trabalhos periciais, e antes do laudo. Na prática, quando a reunião ocorre antes, o perito acaba mais ouvindo informações do assistente técnico (daí a importância do assistente técnico já ter feito sua avaliação!) do que falando, porque ele pouco conhece do caso, ainda não iniciou os trabalhos, etc...; ao término dos trabalhos, frequentemente o perito alega que já vai falar no laudo, então não precisa de reunião...

Quais os principais procedimentos que o psicólogo perito – e o assistente técnico – podem utilizar para avaliar um caso?

Resposta frequente da Psicologia: depende. Depende do contexto familiar, do tipo de processo (família ou criminal), das circunstâncias facilitadoras ou dificultadoras do caso (ex.: se tem réu preso), etc. Em geral, consistem em:

  1. Entrevista
  2. Testagem
  3. Observação

A entrevista pode ser: estruturada ou semi-estruturada. O importante é que o psicólogo não se atenha a uma única entrevista, pois nela há uma impressão de discurso ensaiado, defesas, situação artificial. É a partir da segunda entrevista que as defesas começam a cair, e o psicólogo experiente pode identificar conteúdos latentes (ocultos) por trás do discurso “prontinho”.

A testagem é a utilização de instrumentos pelos psicólogos: testes, inventários ou escalas. O psicólogo deve conhecer bem o contexto em que utilizará tais instrumentos, sob os seguintes critérios:

A observação também é um recurso útil como complemento às entrevistas (ex.: observação da interação entre pai-filho, ou mãe-filho, ou irmãos, etc.), ou quando se trata de pessoas para as quais não sejam possíveis os demais recursos (ex.: bebês).

OK. Mas, se o assistente técnico pode fazer a sua própria avaliação psicológica, ele redige um laudo como o perito, ou um parecer?

Essa é uma outra questão que vai além da nomenclatura. Assim, vejamos:

  1. A Resolução CFP 08/10, que regulamenta a atuação do psicólogo perito e assistente técnico no Judiciário, não aborda especificamente que tipo de documento que o assistente técnico deverá redigir. Lamentável e injustificadamente, o Conselho Federal de Psicologia desconhece (ou desconsidera) a atuação do assistente técnico, mesmo com vasta informação a respeito. A referida Resolução só diz que o assistente técnico faz “quesitos” (art 8º caput);
  2. Quem afirma que os peritos redigem laudos e os assistentes técnicos redigem parecer, são os Códigos Processuais (Civil e Penal);
  3. A Resolução CFP 06/19, que trata das diretrizes para a elaboração de documentos escritos produzidos por psicólogos, não especifica que o parecer seja o documento produzido pelo assistente técnico jurídico. Em seu art. 14, a referida Resolução dispõe que:

Art. 14. O parecer psicológico é um pronunciamento por escrito, que tem como finalidade apresentar uma análise técnica, respondendo a uma questão-problema do campo psicológico ou a documentos psicológicos questionados.

  1. O parecer psicológico visa a dirimir dúvidas de uma questão-problema ou documento psicológico que estão interferindo na decisão do solicitante, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta.
  2. A elaboração de parecer psicológico exige, da(o) psicóloga(o), conhecimento específico e competência no assunto.
  3. O resultado do parecer psicológico pode ser indicativo ou conclusivo.
  4. O parecer psicológico não é um documento resultante do processo de avaliação psicológica ou de intervenção psicológica.

Mas, obviamente, o inciso IV é decorrente do referido desconhecimento ou desconsideração do CFP quando à atuação do assistente técnico e pelos seus motivos para realizar sua avaliação própria, já elencados acima. Na prática, quando o assistente técnico realiza a sua própria avaliação psicológica, para conhecer o cliente, as pessoas envolvidas (ex.: crianças) e todos os procedimentos mencionados no § único do art. 8º (que muitos peritos fazem questão de “fingir que não viram”), ele não o faz para redigir um documento autônomo, ele o faz para inserir suas conclusões no parecer, que serão comparadas com o laudo do perito, para embasar seu posicionamento convergente/divergente, total ou parcialmente e as devidas fundamentações (inclusive, se necessário, pedir a impugnação do laudo). Reporto-me ao caso em que avaliei minha cliente e o filho de 8 anos, comentei isso em reunião técnica com a perita e a assistente técnica do pai da criança (parte contrária à minha cliente), mas talvez ela não tenha dado a devida atenção ou tentou adulterar informações, escrevendo no laudo que eu não tinha informado que avaliei a mãe e criança, e me acusou de “alterar a metodologia dos procedimentos”, sendo que, primeiramente, eu tinha feito a escuta da criança que relatava agressões físicas do pai a ponto do MP acolher minha sugestão e requisitar que as visitas paternas ocorressem no CEVAT, mas o MM.Juiz não deferiu e mandou que houvesse acompanhamento das visitas, e na segunda vez utilizei instrumentos validados para aprofundar minha avaliação das pessoas. Nas duas oportunidades de avaliação redigi laudos porque eram documentos autônomos, produzidos antes da nomeação de perito. Mas, quando a perita foi nomeada, fiz um parecer com uma síntese das avaliações anteriores, manifestando meu posicionamento divergente do laudo pericial. Por sua vez, a perita afirmou no laudo que “não teve condições de entrevistar o pai”, alegando que ele queria dominar a conversa, desviando o assunto das perguntas, mas que “o risco do pai para a criança era zero”. Ora, se ela não teve condições sequer se entrevistar o pai, como poderia afirmar que ele não ofereceria risco à integridade do filho? Quem estaria “alterando a metodologia dos procedimentos” neste caso? Eu ou a perita?

Resumindo: o psicólogo assistente técnico tem sim respaldo legal de norma da própria Psicologia para realizar sua avaliação psicológica, e no prazo legal oportuno redige um parecer, manifestando seu posicionamento convergente ou divergente ao laudo pericial e, se tiver realizado sua própria avaliação psicológica, utilizará os resultados que obtiver como fundamento para embasar esse posicionamento. Por isso é um parecer e não um laudo.

Enfim, espero ter esclarecido algumas questões importantes acerca da participação indispensável do psicólogo, em especial do assistente técnico, para dirimir as questões técnicas dos processos judiciais. Mas, a polêmica está aí, para enriquecimento do debate, e fico à disposição.

Agradeço a atenção da leitura deste artigo, e convido-os a lerem os próximos!

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BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Provimento nº 188/2018 (Investigação Defensiva). Disponível em: .

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 008/2010. Dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judiciário. Disponível em: .

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 6, de 29 de março de 2019. Institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional e revoga a Resolução CFP nº 15/1996, a Resolução CFP nº 07/2003 e a Resolução CFP nº 04/2019. Disponível em: .

BRASIL. Corregedoria Geral de Justiça. Provimento CG nº 12/2017. 

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os aspectos processuais da perícia em Varas de Família. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2021 (v.01).

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os litígios em Varas de Família. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2021 (v.02).

Denise Maria Perissini da Silva
Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora PG Psicologia Jurídica UNISA. Prof.SEWELL/SECRIM. Colaboradora Comissões OAB/SP. Autora livros Psicologia Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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