Recentemente fora noticiado pela Prefeitura de Florianópolis (SC), a retomada da ligação aquaviária entre o Centrinho da Lagoa da Conceição e a Barra da Lagoa. Tal projeto surge como uma alternativa para a diminuição considerável das filas pela cidade, desafogando o tráfego terrestre e o levando para o aquaviário1.
A possibilidade de uso do enorme, contudo, há séculos desperdiçado potencial do modal aquaviário para a mobilidade de pessoas e coisas na região, surge em bom momento, considerando-se o cenário político nacional, notadamente após a edição da lei 14.301/22, que institui o programa de estímulo ao transporte por cabotagem2 - BR do Mar.
Referido cenário demonstra exatamente o que se encontra predito no título dessa reflexão, com duplo sentido: “o futuro pede passagem pelo mar’’, que denota passagem para o usuário, como pagamento pelo transporte, e forma de abrir novos caminhos, ironicamente abertos há séculos em outros países.
A matriz doméstica de transportes brasileira, com mais de 65% da carga executada pelo modal rodoviário, exige uma inovação disruptiva e instituições que regulem o futuro. O uso do modal aquaviário é relevante não somente no que se refere à melhoria da qualidade de vida, reduzindo o tempo de deslocamento, mas também na sua vertente ambiental, pela necessidade urgente de “limpar” a matriz de transporte de pessoas e coisas.
Ademais, é importante mencionar a relevância e curva de aprendizado da regulação setorial independente, através da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), competente para regular o transporte aquaviário e a atividade portuária; e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulação do transporte rodoviário e ferroviário, tendo em vista o potencial multimodal que podem advir do modal aquaviário.
Deve-se mencionar que Santa Catarina conta com a Agência de Regulação de Serviços Públicos, a ARESC, criada pela lei 16.673/15, de modo que é importante fazer uma discussão para que essa autarquia seja dotada de competência para cooperar com a regulação do transporte aquaviário no Estado de Santa Catarina. Outra possibilidade, no caso da Grande Florianópolis, pelo impacto de mobilidade nos municípios próximos, é implementar um debate sobre a criação de uma agência regional para regular os vários modais de transporte.
A regulação setorial independente pode ser útil, mas não pode sofrer a captura pelo governo, dos prestadores de serviços e dos usuários, e deve buscar o interesse público. Regulation é um conceito da física, que depois foi usado pela economia, e apropriado pelo direito. Significa uma forma de intervenção do Estado na atividade econômica, para garantir serviço adequado os usuários do transporte aquaviário, de um lado, e o retorno do investidor privado, de outro lado.
Ela expressa a necessidade de criação e de manutenção de políticas de Estado, de longo prazo, como exigem o transporte aquaviário e a atividade portuária dela decorrente.
Vale destacar que a opção do transporte aquaviário, via Lagoa da Conceição (Florianópolis/SC), pode evoluir para uma opção turística reduzindo, consideravelmente, a utilização do asfalto, justamente enquanto não se desenvolve o hábito de redução dos veículos automotores por pessoa, nos moldes de uma sustentabilidade atrelada à mobilidade urbana3.
Nessa seara, fora igualmente apresentada recentemente, a concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis4. O referido projeto é pauta há quatro décadas e, de acordo, com o ex-Secretário de Estado da Infraestrutura e Mobilidade de Santa Catarina5: “Estamos cercados de mar. Por isso, o tema foi uma das nossas prioridades na Infraestrutura. É inacreditável que as únicas ligações com o continente sejam rodoviárias: três pontes por onde passam 170 mil veículos diariamente, sendo 75% das viagens motivados pelo trabalho”.
Ainda, segundo a ex-Secretária Adjunta da Fazenda (SEF-SC), Michele Roncálio6: “Este é um grande passo para melhorar a mobilidade na Grande Florianópolis, um projeto há muito tempo aguardado. Vale frisar que essa é uma das etapas que antecede o edital de licitação, não estamos lançando a licitação neste momento, e sim, todos os documentos que serão para a audiência e a consulta pública. Posteriormente, haverá a análise do Tribunal de Contas do Estado, assim como em todos os projetos de PPI que estão avançando em Santa Catarina”.
Nesse cenário, é possível perceber que a utilização do modal aquaviário é vital para reduzir o tráfego terrestre, notadamente em Florianópolis e no seu entorno, com viabilidade para duas rotas, e tarifas de, no máximo R$ 6,50, com trajetos de até 30 minutos de duração, reduzindo proporcionalmente o trajeto usual realizado pela via terrestre, em barcas com capacidade de até 140 passageiros7.
Em Florianópolis há a discussão sobre a continuidade do projeto da esperada Marina da Beira-Mar Norte, com previsão do início das obras para fevereiro de 2023. Com a Licença Ambiental Prévia emitida, os próximos passos são: a) finalizar processo no TCE-SC; b) autorização da Marinha do Brasil; c) autorização da SPU; d) pedido do Licenciamento Ambiental de Instalação (LAI); e) emissão da LAI e, por fim, f) emissão do Termo de Início da Obra pela Prefeitura de Florianópolis8.
A relevância de tal projeto é indiscutível, pois a utilização dos espaços aquaviários,9 para fomento da mobilidade urbana e atração de investimentos privados e turismo. Além disso, é uma excelente ideia de gestão pública municipal que, se for bem executada em regime de cooperação com os governos do Estado e federal, via regulação, poderá ser replicada, com os devidos ajustes em função das particularidades regionais, pelos bons gestores públicos e privados em todo o país.
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1 SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto. NSC Total. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023.
2 “A cabotagem é a navegação que utiliza vias interiores e costeiras entre portos dentro do território nacional, sem perder a costa de vista, sendo que o Brasil demonstra grande potencial de desenvolvimento nas operações portuárias, mesmo tendo pouca representatividade no mercado, em razão da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, ausência de infraestrutura logística e engarrafamento dos portos”. Conforme: SOUTO, Sabine Mara Muller Souto; MACHADO, Maykon Fagundes. A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem. Disponível em “A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem”. Acesso em: 07 jan. 2023.
3 SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto.
4 Para visualização da Audiência Pública referente ao Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da concessão, ver:.
5 PARAÍSO, Prisco. Redação. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis. Blog do Prisco. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023.
6 PARAÍSO, Prisco. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis.
7 Idem.
8 IGOR, Renato. Marina da Beira-Mar Norte em Florianópolis recebe licença ambiental prévia. NSC Total. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023
9 Sobre a necessidade de desenvolver uma Política de Estado de Marinha Mercante, bem como sobre o papel da regulação setorial, ver: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino. Marinha Mercante brasileira – Longo curso, cabotagem e bandeira de (in)conveniência. São Paulo: Aduaneiras, 2014.