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O futuro pede passagem pelo mar em Santa Catarina: relevância da regulação setorial para a sustentabilidade da logística brasileira

A relevância de tal projeto é indiscutível, pois a utilização dos espaços aquaviários, para fomento da mobilidade urbana e atração de investimentos privados e turismo.

12/1/2023

Recentemente fora noticiado pela Prefeitura de Florianópolis (SC), a retomada da ligação aquaviária entre o Centrinho da Lagoa da Conceição e a Barra da Lagoa. Tal projeto surge como uma alternativa para a diminuição considerável das filas pela cidade, desafogando o tráfego terrestre e o levando para o aquaviário1.

A possibilidade de uso do enorme, contudo, há séculos desperdiçado potencial do modal aquaviário para a mobilidade de pessoas e coisas na região, surge em bom momento, considerando-se o cenário político nacional, notadamente após a edição da lei 14.301/22, que institui o programa de estímulo ao transporte por cabotagem2 - BR do Mar.  

Referido cenário demonstra exatamente o que se encontra predito no título dessa reflexão, com duplo sentido: “o futuro pede passagem pelo mar’’, que denota passagem para o usuário, como pagamento pelo transporte, e forma de abrir novos caminhos, ironicamente abertos há séculos em outros países.

A matriz doméstica de transportes brasileira, com mais de 65% da carga executada pelo modal rodoviário, exige uma inovação disruptiva e instituições que regulem o futuro. O uso do modal aquaviário é relevante não somente no que se refere à melhoria da qualidade de vida, reduzindo o tempo de deslocamento, mas também na sua vertente ambiental, pela necessidade urgente de “limpar” a matriz de transporte de pessoas e coisas.

Ademais, é importante mencionar a relevância e curva de aprendizado da regulação setorial independente, através da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), competente para regular o transporte aquaviário e a atividade portuária; e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulação do transporte rodoviário e ferroviário, tendo em vista o potencial multimodal que podem advir do modal aquaviário.

Deve-se mencionar que Santa Catarina conta com a Agência de Regulação de Serviços Públicos, a ARESC, criada pela lei 16.673/15, de modo que é importante fazer uma discussão para que essa autarquia seja dotada de competência para cooperar com a regulação do transporte aquaviário no Estado de Santa Catarina. Outra possibilidade, no caso da Grande Florianópolis, pelo impacto de mobilidade nos municípios próximos, é implementar um debate sobre a criação de uma agência regional para regular os vários modais de transporte.  

A regulação setorial independente pode ser útil, mas não pode sofrer a captura pelo governo, dos prestadores de serviços e dos usuários, e deve buscar o interesse público. Regulation é um conceito da física, que depois foi usado pela economia, e apropriado pelo direito. Significa uma forma de intervenção do Estado na atividade econômica, para garantir serviço adequado os usuários do transporte aquaviário, de um lado, e o retorno do investidor privado, de outro lado.

 Ela expressa a necessidade de criação e de manutenção de políticas de Estado, de longo prazo, como exigem o transporte aquaviário e a atividade portuária dela decorrente.

Vale destacar que a opção do transporte aquaviário, via Lagoa da Conceição (Florianópolis/SC), pode evoluir para uma opção turística reduzindo, consideravelmente, a utilização do asfalto, justamente enquanto não se desenvolve o hábito de redução dos veículos automotores por pessoa, nos moldes de uma sustentabilidade atrelada à mobilidade urbana3.

Nessa seara, fora igualmente apresentada recentemente, a concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis4. O referido projeto é pauta há quatro décadas e, de acordo, com o ex-Secretário de Estado da Infraestrutura e Mobilidade de Santa Catarina5: “Estamos cercados de mar. Por isso, o tema foi uma das nossas prioridades na Infraestrutura. É inacreditável que as únicas ligações com o continente sejam rodoviárias: três pontes por onde passam 170 mil veículos diariamente, sendo 75% das viagens motivados pelo trabalho”.

Ainda, segundo a ex-Secretária Adjunta da Fazenda (SEF-SC), Michele Roncálio6: “Este é um grande passo para melhorar a mobilidade na Grande Florianópolis, um projeto há muito tempo aguardado. Vale frisar que essa é uma das etapas que antecede o edital de licitação, não estamos lançando a licitação neste momento, e sim, todos os documentos que serão para a audiência e a consulta pública. Posteriormente, haverá a análise do Tribunal de Contas do Estado, assim como em todos os projetos de PPI que estão avançando em Santa Catarina”.

Nesse cenário, é possível perceber que a utilização do modal aquaviário é vital  para reduzir o tráfego terrestre, notadamente em Florianópolis e no seu entorno, com viabilidade para duas rotas, e tarifas de, no máximo R$ 6,50, com trajetos de até 30 minutos de duração, reduzindo proporcionalmente o trajeto usual realizado pela via terrestre, em barcas com capacidade de até 140 passageiros7.

Em Florianópolis há a discussão sobre a continuidade do projeto da esperada Marina da Beira-Mar Norte, com previsão do início das obras para fevereiro de 2023. Com a Licença Ambiental Prévia emitida, os próximos passos são: a) finalizar processo no TCE-SC; b) autorização da Marinha do Brasil; c) autorização da SPU; d) pedido do Licenciamento Ambiental de Instalação (LAI); e) emissão da LAI e, por fim, f) emissão do Termo de Início da Obra pela Prefeitura de Florianópolis8.

A relevância de tal projeto é indiscutível, pois a utilização dos espaços aquaviários,9 para fomento da mobilidade urbana e atração de investimentos privados e turismo. Além disso, é uma excelente ideia de gestão pública municipal que, se for bem executada em regime de cooperação com os governos do Estado e federal, via regulação, poderá ser replicada, com os devidos ajustes em função das particularidades regionais, pelos bons gestores públicos e privados em todo o país.

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1 SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto. NSC Total. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023.

2 “A cabotagem é a navegação que utiliza vias interiores e costeiras entre portos dentro do território nacional, sem perder a costa de vista, sendo que o Brasil demonstra grande potencial de desenvolvimento nas operações portuárias, mesmo tendo pouca representatividade no mercado, em razão da burocratização das atividades de fiscalização de mercadorias, ausência de infraestrutura logística e engarrafamento dos portos”. Conforme: SOUTO, Sabine Mara Muller Souto; MACHADO, Maykon Fagundes. A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem. Disponível em “A BR do Mar como incentivo à economia nacional pela navegação de cabotagem”. Acesso em: 07 jan. 2023.

3 SILVA. Anderson. Florianópolis mostra que pode andar pela água para fugir da fila do asfalto.

4 Para visualização da Audiência Pública referente ao Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da concessão, ver:.

5 PARAÍSO, Prisco. Redação. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis. Blog do Prisco. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023.

6 PARAÍSO, Prisco. Apresentada concessão do Transporte Aquaviário na Grande Florianópolis.

Idem.

8 IGOR, Renato. Marina da Beira-Mar Norte em Florianópolis recebe licença ambiental prévia. NSC Total. Disponível em:>. Acesso em: 07 jan. 2023

9 Sobre a necessidade de desenvolver uma Política de Estado de Marinha Mercante, bem como sobre o papel da regulação setorial, ver: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino. Marinha Mercante brasileira – Longo curso, cabotagem e bandeira de (in)conveniência. São Paulo: Aduaneiras, 2014.

Maykon Fagundes Machado
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI - SC. Pós-Graduado em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal do Estado de Santa - ESMAFESC. Advogado.

Sabine Müller Souto
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do vale do Itajaí - UNIVALI. Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital e Compliance. Administradora de Empresas e Advogada. Sócia fundadora do Müller Advogados Associados. Professora do Curso de Graduação em Direito Empresarial da Universidade do Vale do Itajaí. Conselheira Federal da OAB Nacional. Membro da Comissão Nacional de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional. Vice-Presidente da Comissão de Transparência da OAB/SC, Membro da Comissão de Reformulação do Quinto Constitucional da OAB/SC e Membro da Comissão de Direito da Vítima da OAB/SC. Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina - IASC.

Osvaldo Agripino de Castro Junior
Advogado (UERJ, 1991) e consultor em regulação, infraestrutura marítima, portuária e comércio exterior. Sócio do Agripino & Ferreira Advogados. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali, e convidado do International Maritime Law Institute, IMO, Malta, e do Mestrado em Engenharia de Transportes da UFSC (2014-21). Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos, Kennedy School of Government, Harvard University. Membro das Comissões de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da OAB e de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário do Instituto dos Advogados do Brasil.

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