Migalhas de Peso

PL que regulamenta o setor de games aguarda votação no Senado Federal

O marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia representa um grande avanço ao setor no país.

11/1/2023

A Câmara dos Deputados aprovou o texto do “marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia” (PL 2.796/21 – Marco Legal de Games), que traz importantes regulamentações para o setor de games. A sua finalidade é criar políticas para fomentar o seu desenvolvimento desse mercado no Brasil, o que será buscado principalmente por meio da regulação dessas atividades, da concessão de incentivos fiscais e da capacitação de profissionais.

Atualmente, o PL aguarda votação no Senado Federal. O Brasil é um dos primeiros países a sugerir uma regulamentação única para a matéria – em princípio, a indústria de videogames em outros países é regulada por leis e regulamentos esparsos, que tratam, de modo geral, temas a ele relacionados, como, proteção de dados, propriedade intelectual e tributação de produtos e serviços.

Conforme dados divulgados na Justificação do PL, a criação de normas específicas é importante em vista da alta representatividade do setor na economia e da sua perspectiva de crescimento para os próximos anos. A título ilustrativo, estima-se que, entre os anos de 2018 e 2022, houve um crescimento do número de desenvolvedores de games no Brasil de cerca de 152%1.

Além disso, vale destacar que o país representa o maior mercado da América Latina no setor e o 10º maior do mundo em receitas (apenas em 2021, estimativas apontam que a receita da indústria de games ultrapassou 2 bilhões de dólares).

O marco legal para a indústria de jogos eletrônicos define, como jogo eletrônico, tanto o software executável em microcomputadores ou consoles dedicados em que o usuário controle a ação e interaja com a interface quanto os componentes de hardware (console) e os acessórios necessários para a sua operação, como controles e carregadores.

O PL exclui, expressamente, jogos de azar da definição de jogos eletrônicos, como máquinas de caça-níquel ou outros semelhantes que sejam pautados exclusivamente em sorte ou chance, atribuindo maior segurança jurídica para a qualificação e regulamentação legal de jogos eletrônicos e sanando, de uma vez por todas, quaisquer dúvidas envolvendo a legalidade da prática e dos produtos envolvendo o universo dos games.

Do ponto de vista regulatório, o Marco Legal de Games esclarece que as músicas e outras artes desenvolvidas para os jogos eletrônicos seguirão as regras do direito autoral. Nesse contexto, o texto consolida o que, na prática, já estava sendo aplicado pelo mercado e pelos Tribunais: obras intelectuais relacionadas ao jogo em si, como, elementos audiovisuais, trilhas sonoras, nomes e fisionomias dos personagens, gráficos, interfaces, enredo e história do jogo, cenários, textos, diálogos e o próprio código-fonte são protegidos por direito autoral. Segundo o PL, por fim, o registro da propriedade intelectual sobre os jogos eletrônicos observará o mesmo regime do registro de software, sendo regido pela lei 9.606/98.

A regulamentação da proteção de direitos de propriedade intelectual pelo Marco Legal de Games facilitará a defesa das criações relativas a jogos eletrônicos, evitando imitações e reprodução indevida. Além disso, será fomentada a inovação tecnológica e o ambiente criativo no universo dos games, a partir da tutela dos investimentos e dos esforços dos criadores e empresas da indústria.

Tendo como principais fundamentos a liberdade econômica e o livre desenvolvimento, o PL indica que caberá ao Estado tão somente a imposição de classificação etária indicativa, não sendo necessária qualquer autorização para o desenvolvimento ou a exploração dos jogos eletrônicos. A classificação indicativa de jogos eletrônicos já é realizada pelo Ministério da Justiça ao menos desde 2015. Mais recentemente, o Ministério da Justiça publicou portaria (Portaria 502/21) que flexibiliza a classificação etária de jogos eletrônicos: aqueles comercializados ou distribuídos exclusivamente por meios digitais dispensam o prévio requerimento ao Ministério de Justiça, bastando a autoclassificação pelo sistema internacional de classificação etária (International Age Rating Coalition – IARC), com dispensa de inscrição processual, enquanto jogos e aplicativos disponibilizados apenas online (sem a possibilidade de armazenamento local ou download) dispensam a classificação obrigatória.

A obrigatoriedade de classificação indicativa em videogames não é exclusiva do Brasil, sendo comum também em outros países. No Reino Unido, por exemplo, a classificação indicativa também é obrigatória por lei, mas, diferentemente do Brasil, é realizada por uma autoridade exclusivamente dedicada ao assunto (a GRA – Games Rating Authority), com base em um sistema próprio de classificação, o PEGI (Pan European Game Information). Nos Estados Unidos, por outro lado, a classificação indicativa é voluntária, mas todos os fabricantes de consoles e a maioria dos varejistas que oferta esse tipo de produto (tanto em ambiente online como físico) exigem a prévia classificação do jogo de videogame. Essa classificação, nos EUA, é feita pelo Entertainment Software Rating Board (ESRB), órgão autorregulador criado pela própria indústria de videogames nos anos 1990, e que também segue o sistema de classificação internacional do IARC.

Do ponto de vista de proteção de dados, o Marco Legal de Games reforça que o uso e a divulgação de dados pessoais tornados manifestamente públicos pelo titular (art. 7º, §4º, da LGPD) como, nomes, apelidos, resultados e estatísticas associados a uma pessoa natural identificada ou identificável, dispensam a exigência de consentimento expresso, resguardados, naturalmente, os direitos do titular e os princípios previstos na LGPD.

Do ponto de vista tributário, o Marco Legal de Games garante a aplicação de dois principais incentivos. O primeiro deles, aplicável às pessoas jurídicas que realizam o desenvolvimento ou a produção de jogos eletrônicos, corresponde ao benefício previsto na Lei de Informática2 de concessão de crédito financeiro decorrente do dispêndio mínimo aplicado em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, até 31 de dezembro de 2029.

O segundo incentivo, aplicável às pessoas jurídicas que realizam o desenvolvimento de jogos eletrônicos, corresponde aos benefícios previstos na Lei do Bem3, que incluem (i) dedução de dispêndios com pesquisa e desenvolvimento em tecnologia na apuração do IRPJ e da CSLL; (ii) depreciação integral de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos utilizados nas atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL; (iii) dedução de despesas com aquisição de bens intangíveis na apuração do IRPJ; (iv) redução a zero da alíquota do IRRF nas remessas ao exterior para registro e manutenção de marcas e patentes; e (v) dedução adicional de 60% a 80% do valor dos dispêndios da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A par da relevância desses incentivos para o setor, que devem reduzir de forma significativa a carga tributária no tocante à tributação de receitas dessas empresas, outras medidas tributárias já foram levantadas pela indústria para fomentar o seu desenvolvimento, como a redução de impostos de importação de dispositivos físicos utilizados para produzir e/ou utilizar os games (i.e., ICMS, IPI, II, e PIS/COFINS-Importação), a adoção de medidas para evitar a bitributação de receita internacional quanto aos games disponibilizados em plataformas estrangeiras e a extensão de incentivos às demais empresas que fornecem produtos e serviços necessários ao desenvolvimento de games.

Independentemente de outras possíveis medidas de regulação e tributação do setor, o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia, previsto no PL 2.796/21, representa um grande avanço ao setor no país, e deve ser tratado com prioridade para aprovação no Senado Federal, a fim de que as projeções do setor na economia tragam impactos ainda mais positivos e garantam maior segurança jurídica à indústria.

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1 Pesquisa da indústria brasileira de games 2022 – contratada pelo projeto Brazil Games, parceria da Abragames com a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).

2 Lei 8.248/91, Art. 4º.

3 Lei 11.196/05, Capítulo III

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Tally Smitas
Associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Alice Marinho Correa da Silva
Associada na área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

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