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Resgate ético é o único caminho para o futuro do país

A deliberada confusão entre o público e o privado ainda resiste, esvaziando os cofres do Estado, corroendo a democracia e condenando o país à desigualdade social, penalizando os mais pobres. Não constrói nada, apenas estimula os malfeitos e sufoca o surgimento de novas lideranças efetivamente comprometidas com o bem comum.

6/1/2023

O maior problema do Brasil, hoje, talvez não seja de ordem econômica nem financeira. Tampouco reside na falta de leis ou de competência. Está, sim, na falência ética e moral do nosso povo. Assistimos, cada vez mais, a um comportamento de desrespeito aos valores que sustentam uma sociedade, à falta de responsabilidade social a partir das práticas profissionais e à desvalorização das relações humanas.

Há uma inquestionável degradação dos valores éticos, princípios que não se limitam apenas às normas, costumes e tradições culturais de uma sociedade, mas se alicerçam também em comportamentos e regras – escritas ou não - essenciais para a convivência sadia em sociedade.

Tais valores foram se perdendo ao longo do tempo e esse esgarçamento do tecido moral se cristalizou com o (mau) exemplo do comportamento da classe política. O Brasil foi se tornando um país onde impera a lei de Gérson, aquela que diz que o importante é levar vantagem em tudo, tomada emprestada e nunca devolvida de um comercial de cigarros.

Regredimos ao feudalismo, forma de organização social e econômica instituída na Europa Ocidental entre os séculos V a XV, durante a Idade Média. Baseava-se, como se sabe, em grandes propriedades de terra pertencentes aos senhores feudais e cultivadas por mão-de-obra servil. Voltamos ao período das Capitanias Hereditárias, enormes lotes de terras do Brasil estabelecidos por Portugal e entregues pelo rei aos donatários, a partir de 1533. Como o nome insinua, eram propriedades transmitidas de pais para filhos.

Não é exagero afirmar que atualmente vivemos algo parecido, como mostram estados há 20 ou 30 anos governados por poucas famílias, entronadas no poder e, em grande maioria, enriquecendo e nem um pouco preocupadas em ostentar os sinais exteriores da riqueza.

Há suspeitas recorrentes de malversação de dinheiro público, investigações, colheitas de provas, denúncias e processos tramitando na Justiça. Mas há também disseminada sensação de impunidade graças, em grande parte, ao instituto do foro privilegiado, misto de feudos e capitanias hereditárias da atualidade.

O quadro é desolador. Dois atuais 81 senadores, 19 respondem a 38 processos na Justiça. Ou seja, o Senado tem 23,45% de réus em sua composição. Na Câmara dos Deputados, são 106 parlamentares respondendo processos (20,60% da Casa). No Executivo, 14 governadores (51% do total) eram réus em 2018. Todos com processos tramitando nas instâncias superiores em razão do foro por prerrogativa de função. Além disso, seis senadores têm como suplentes membros da própria família, numa versão feudal moderna, tolerada pela legislação eleitoral.

A mensagem que se passa, ano após ano, eleição pós eleição, é a de que o crime compensa, tamanha a impunidade. Enquanto isso, parte dos intelectuais, dos eruditos e dos doutores bem-sucedidos optou pelo comando de incultos dotados de charme e carisma, ignorando por completo qualidades essenciais que deveriam ser exigidas de quem se propõe ser líder de uma nação.

Lamentavelmente, nossos jovens estão sendo induzidos a acreditar que o caminho do sucesso não passa pelos estudos, dedicação, honestidade e pelo comportamento ético. Começam a crer que valem mais as mentiras bem-construídas e a proximidade do poder, um vale-tudo incapaz de resistir ao crivo moral de seus pais, porém com alta capacidade de sedução personificada no modelo instituído sem pudor pela má política. Triste, porém real.

A velha máxima segundo a qual quem quiser ficar rico deve passar longe da vida pública hoje é absoluta e solenemente ignorada. Parece haver um culto a exatamente o contrário, vislumbrando-se a vida pública como o caminho para a riqueza, de preferência por meio de mandatos eleitorais, como se o voto fosse uma licença popular para a corrupção e para a malversação do dinheiro público.

A deliberada confusão entre o público e o privado ainda resiste, esvaziando os cofres do Estado, corroendo a democracia e condenando o país à desigualdade social, penalizando os mais pobres. Não constrói nada, apenas estimula os malfeitos e sufoca o surgimento de novas lideranças efetivamente comprometidas com o bem comum.

No início do século XX, Rui Barbosa já dava o alerta: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, de rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto”.

Ainda é tempo de aprendermos a lição.

Samuel Hanan
Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).

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