Em 8 de dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal - STF julgou o tema 1.238, que versa sobre a repercussão da nulidade das provas no processo penal na esfera administrativa. Na ocasião, após reconhecida a repercussão geral da matéria por unanimidade, a tese firmada por maioria foi no sentido de que são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário.
No leading case ARE 1316369, discutiu-se, à luz dos artigos 5°, XII, LVI, e 170, caput, IV e V, da Constituição Federal, acórdão da Quinta Turma do TRF da 1ª Região que, reconhecendo a ilicitude das provas utilizadas no processo administrativo, anulou condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel.
Na ocasião, a Quinta Turma do TRF da 1ª Região registrou que a condenação imposta pelo CADE estava “fundamentada em acervo probatório diretamente decorrente de provas ilícitas produzidas no âmbito da ação criminal”. Registrou, outrossim, que “não há que se falar em provas autônomas, uma vez que o material produzido na ação penal forneceu fundamento probatório imprescindível para o procedimento administrativo no CADE”. Afastou, ainda, a mitigação da prova ilícita por derivação, com amparo na teoria da descoberta inevitável, por entender que não se demonstrou a autonomia da prova que embasou a condenação administrativa.
No caso, portanto, diante da impossibilidade de segregar prova lícita da ilícita, adotou-se a medida mais benéfica ao réu e que garantiu o respeito à prescrição constitucional das provas ilícitas, a saber: a anulação da condenação. A Quinta Turma do TRF da 1ª Região adotou, portanto, o posicionamento que melhor preservou a Constituição Federal.
Quando o leading case ARE 1316369 já estava em trâmite no STF, o Ministro Relator, Edson Fachin, destacou em seu voto que já havia analisado no julgamento do RE 934.233-AgR que é válida a utilização em processo administrativo de provas emprestadas de processo penal, quando haja conexão entre os feitos. Assinalou, contudo, que não havia precedente específico do plenário do STF a respeito da definição se há ou não ofensa ao art. 5º, LVI, da CF, considerando-se o reconhecimento da nulidade das provas consideradas ilícitas no processo penal, as quais foram emprestadas ao processo administrativo no âmbito do CADE.
O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, propôs maior alcance para a decisão tomada no Plenário, não se limitando ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. Assim, a partir da jurisprudência do STF sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário, propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”. A tese proposta pelo Ministro Gilmar Mendes foi acolhida pelo Plenário da Corte.
Embora, como bem observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a recente decisão do STF apenas reconheça o óbvio: “não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes”, decisões que se prestam a repisar incontestável preceito jurídico tem relevante lugar em tempos em que se vê toda a sorte de relativizações de garantias processuais constitucionais aos acusados no afã de se obter a tão desejosa condenação.
A tese fixada destaca um esforço, por parte do STF, em refrear indevidas pretensões de aproveitamento de provas obtidas com violação a normas constitucionais, seja em termos de inibir a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção, seja em termos de proteger os direitos fundamentais do indivíduo atingido pela persecução. Cabe agora, após a fixação da Tese, ver se as mudanças promovidas serão suficientes para conferir maior grau de aderência da jurisprudência na matéria à CF.