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Avança a regulamentação do uso de precatório como moeda de pagamento

Diante das novidades, espera-se que aumente cada vez mais a demanda no mercado de cessão de créditos.

2/1/2023

Há um ano, em dezembro de 2021, foram promulgadas as Emendas Constitucionais nos 113 e 114 que, entre outros pontos, trouxeram significativas alterações às regras relacionadas ao pagamento dos precatórios.

A Emenda Constitucional nº 113/2021 trouxe uma novidade bastante promissora ao setor de infraestrutura e direito público. Trata-se da possibilidade de o credor de precatório utilizar-se de tais créditos líquidos e certos para a quitação de débitos e/ou obrigações perante o Poder Público (art. 100, §11º, da Constituição).

Na prática, porém, a utilização dos precatórios como moeda de pagamento ao Poder Público ainda tem sido tímida, diante da ausência de regulamentação do dispositivo constitucional.

A boa notícia é a recente edição de três regulamentos, que certamente contribuirão para o avanço do tema, a saber: (i) Decreto Federal nº 11.249, de 9.11.2022 (publicado em 10.11.2022); (ii) Portaria Normativa nº 73, de 12.12.2022 (publicada em 15.12.2022), da Advocacia-Geral da União (AGU); e (iii) Portaria nº 10.702, de 16.12.2022 (publicada em 19.12.2022), do Ministério da Economia (ME).

Em relação ao Decreto Federal nº 11.249/2022, destacamos primordialmente as disposições que impactam diretamente o uso dos precatórios para o pagamento de outorga no âmbito de delegações (concessões, permissões, autorizações) de serviços públicos e/ou parcerias correlatas:

(a) igualdade de condições: o art. 2º, § 2º, do Decreto determina que “a utilização dos créditos obedecerá, em igualdade de condições, aos requisitos procedimentais do ato normativo que reger a (...) outorga, concessão negocial, (...) estabelecida pelo órgão ou pela entidade responsável pela gestão, pela administração ou pela guarda do bem ou do direito que se pretende adquirir, amortizar ou liquidar”. Além disso, o art. 3º, § 2º, reforça que os instrumentos convocatórios não poderão estabelecer qualquer espécie de preferência ao licitante que ofertar dinheiro ao invés de precatórios.

(b) desnecessidade de previsão no instrumento convocatório: o Decreto reforça o que já estava previsto no texto constitucional ao afirmar que a oferta de precatórios é uma faculdade do credor. Adicionalmente, o Decreto esclarece expressamente que essa faculdade independe de qualquer previsão nos editais e documentos correlatos.

Em relação à Portaria da AGU nº 73/22, destacamos as seguintes novidades:

(a) procedimento inicial (requerimento): o art. 4º da portaria dispõe que o credor interessado em utilizar precatórios para os fins do art. 110, § 11º, da Constituição, deverá apresentar requerimento, preferencialmente por meio eletrônico, ao órgão ou à entidade detentora do ativo que se pretende quitar com o precatório, apresentando, ao menos, as seguintes informações e documentos: “I - qualificação completa do requerente; II - manifestação expressa de que pretende utilizar créditos líquidos e certos, para os fins previstos no art. 100, § 11, da Constituição Federal; III - indicação dos créditos que pretende utilizar, discriminando a titularidade, inclusive originária, e referindo o valor originário e o valor, total ou parcial, líquido disponível; IV - indicação pormenorizada do bem ou direito ou débitos que pretende adquirir, amortizar ou liquidar; V - certidão válida, emitida pelo tribunal competente com as características cadastrais do crédito de que dispõe, tais como, titularidade, origem, natureza, valor originário, valor líquido disponível atualizado e o número do precatório ou do ofício requisitório; VI - procuração expedida pelo credor com plenos poderes, especialmente receber, renunciar, transigir e dar quitação; e VII - certidão emitida pelo juízo de origem do precatório indicando que não existem quaisquer ônus sobre o crédito, tais como, penhora ou qualquer outro ato de constrição ou bloqueio judicial”. Admite-se também a apresentação de certidão emitida pelo tribunal acerca do precatório em nome de terceiro, desde que acompanhada de escritura pública de promessa de compra e venda em favor do ofertante do crédito. Nessa hipótese, o ofertante deverá apresentar em até 30 dias, prazo prorrogável por igual período, documentação comprovando a efetiva transferência do precatório para a sua titularidade, sob pena de ineficácia do crédito ofertado.

(b) procedimento (tramitação): a portaria prevê inicialmente a análise do órgão ou da entidade detentora do ativo acerca da legitimidade do requerente e do enquadramento do ativo nas hipóteses previstas no art. 100, §11º, da Constituição. Ato contínuo, os autos serão remetidos para a consultoria jurídica do órgão para manifestação quanto ao atendimento das formalidades e interação com os órgãos de representação judicial, que deverão manifestar-se sobre o precatório indicado. Por fim, o órgão consultivo elaborará nova manifestação jurídica consultiva, no prazo de 15 dias, verificando o cumprimento das formalidades e, após, será o próprio órgão ou entidade detentora do ativo que decidirá sobre a admissão do encontro de contas.

(c) eventuais garantias: o art. 13 da portaria prevê a possibilidade de exigência de apresentação de garantias quando o órgão de representação judicial do Poder Público indicar a existência de algum expediente que possa impedir ou suspender o pagamento do precatório.

(d) restrições de informações: a portaria estabelece que os órgãos públicos envolvidos na análise do procedimento não prestarão informações a particulares que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação, consolidação de dados e informações e/ou serviço de produção de tratamento de dados. Ademais, a Portaria afirma que a tramitação dos procedimentos terá acesso restrito no âmbito dos órgãos atuantes.

A Portaria ME nº 10.702/22, por sua vez, dispõe sobre os procedimentos financeiros necessários ao encontro de contas (baixa do passivo de precatório em contrapartida à baixa do ativo devido pelo particular). A referida portaria consigna, por exemplo, que a utilização dos precatórios como moeda de pagamento opera-se quando o crédito líquido e certo for aceito pelo órgão ou entidade responsável pela gestão do ativo que o particular pretende compensar, ficando sob condição resolutória até a efetiva disponibilização financeira do direito creditório.

Ainda estão pendentes atos normativos dos órgãos de representação judicial da AGU acerca de alguns procedimentos internos dos órgãos públicos envolvidos, mas as recentes regulamentações já permitem que os particulares interessados tenham maior clareza sobre os procedimentos.

Diante das novidades, espera-se que aumente cada vez mais a demanda no mercado de cessão de créditos, notadamente em relação às licitantes e concessionárias de serviços públicos interessadas em adquirir precatórios de terceiros (com deságio) para quitação de suas obrigações perante o poder público.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Ricardo Pagliari Levy
Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Fernando Rissoli Lobo Filho
Associado de Pinheiro Neto Advogados.

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