Migalhas de Peso

Os desafios da implantação da justiça restaurativa no Brasil

A utilização de procedimentos restaurativos com enfoque numa abordagem diferenciada das lides e compartilhamento de responsabilidades.

29/12/2022

Com a mudança de paradigma na prevenção de conflitos no Brasil, iniciou-se a utilização da justiça reparativa como uma forma diferenciada de resolução de lides na esfera penal e civil. Nessa linha, este tipo de justiça reparativa parte da premissa de ordenar sistemicamente princípios, métodos, técnicas e atividades que visam, precipuamente, a conscientização da corresponsabilidade na reparação de danos. Ou seja, na maioria dos casos, utiliza-se de técnicas de autocomposição, com a participação do ofensor, da vítima, de sua família e de todos os envolvidos nos danos. Além disso, alguns representantes da comunidade direta ou indiretamente participam auxiliando na cooperação, com um ou mais facilitadores capacitados previamente, para promover técnicas de autocomposição. Por conseguinte, o foco das ações reparativas é a satisfação da necessidade de todos os envolvidos e a responsabilização ativa de quem causou o dano, empoderando a comunidade e tentando recompor o “tecido social” que foi rompido.

Outrossim, faz-se necessário destacar a importância da aplicabilidade do neoconstitucionalismo na atuação direta das ações restaurativas da contemporaneidade, uma vez que se pode utilizar de superprincípios na interpretação e na analogia. Nessa perspectiva, os principais princípios descritos na doutrina são: a corresponsabilidade, a importância da reparação dos danos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade e a consensualidade. Este último enfatiza sobre a necessidade do prévio e livre consentimento de todos os participantes na utilização da retratação efetiva que é permitida a qualquer tempo. Desse modo, de acordo com a resolução 225 do Conselho Nacional de justiça (CNJ) de 2016, “deve-se organizar programas com o objetivo de promover o incentivo à justiça restaurativa, pautado no caráter universal, abrangendo todos os usuários do Poder Judiciário”. Além disso, é necessário observar o viés sistêmico dessa ferramenta de restauração, pois integra famílias, comunidade com uniformização de políticas públicas relacionadas à causa ativa. Por conseguinte, infere-se que toda essa positivação de valores e atuações engloba diversas instituições afins, contemplando os órgãos do poder judiciário, organizações da sociedade civil, universidades e administração direta e indireta.

Ademais, para complementar a discussão, é cediço na doutrina que há uma tendência mundial de monitoramento de dados na pesquisa e na avaliação estatística, sendo que sua divulgação auxilia instituições como OAB, Defensorias Públicas, Ministério Público e Poder Judiciário. Nesse contexto, nos Tribunais do Brasil, há planos de difusão, expansão e implantação da justiça reparativa, com capacitação permanente de magistrados, servidores e voluntários. Nessa toada, até as autoridades policiais poderão sugerir, por meio do Termo Circunstanciado ou por relatório inserido no inquérito policial, o encaminhamento do conflito ao processo restaurativo. Diante do caráter intersetorial supracitado, a solução obtida tem o condão de evitar a recidiva de fato danoso, sendo vedada qualquer forma de coação ou emissão de intimação judicial.

Todavia, quando a justiça restaurativa não obtém o êxito na composição civil dos danos, não se utiliza esse insucesso na esfera penal como um tipo de prova, uma vez que as instâncias são independentes entre si. Explicando melhor, dependendo do tipo de demanda ou lide, deve-se separar as questões relativas ao processo civil e ao processo penal, evitando-se bis in idem e incoerências nas sanções ou remissões aplicadas. Portanto, é importante destacar que a formação dos facilitadores que atuam ativamente na justiça restaurativa deve ser focada no compliance jurídico e no acompanhamento pontual para cada caso concreto. Nesse caso, podem ser capacitados tecnicamente para esta função restaurativa agentes públicos, servidores do tribunal, voluntários ou parceiros indicados pela Administração pública.

Segundo Howard Zehr "O que a Justiça Restaurativa oferece não é só uma nova prática de justiça, mais um olhar diferente de crime e um novo objetivo para justiça: o crime é visto como uma fonte de prejuízo que deve ser reparado. Além disso, o dano essencial do crime é a perda de confiança, tanto ao nível interpessoal e social. O que as vítimas e as comunidades precisam é ter sua confiança restaurada”. Diante do exposto, percebe-se que há uma lacuna a ser preenchida no âmbito da composição de conflitos na justiça brasileira e a proposta da justiça restaurativa é condizente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana na reparação consensual interpartes.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito Anhanguera, colaboradora do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT 15 e TRT 6 de 2022 e estuda pós graduação na Damásio.

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