É provável que muitos questionem essa afirmação, mas a verdade é que os estados continuam invocando o direito internacional como ferramenta de proteção do meio ambiente. Tratados ambientais nem sempre são tão efetivos como gostaríamos e, sozinhos, jamais poderiam servir de resposta à crise planetária. Mas esses instrumentos têm um papel único a cumprir e merecem a atenção da sociedade civil global para se mantenha vigilante quanto à sua interpretação, aplicação e implementação capazes de gerar resultados concretos para a saúde da Mãe Terra, nossa casa comum.
Introdução
Fim de ano costuma ser bastante agitado. Para quem trabalha com direito internacional ambiental, novembro e dezembro têm sido meses de muitas negociações, conquistas, regressos e desenvolvimentos no âmbito das conferências das partes (CoPs) de alguns dos principais tratados multilaterais nesse campo. Isso sem mencionar as reuniões que ocorreram no primeiro semestre: Acordo Regional sobre à Informação, Participação e Acesso à Justiça; Convenção de Combate à Desertificação; Convenção sobre o Controle de Movimento de Resíduos Perigosos e seu Depósito; Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio e Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas; e Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes – sobre as quais já tivemos oportunidades de comentar. Neste artigo, consideramos os resultados de diferentes CoPs, além de outras milestones no direito internacional ambiental que 2022 testemunhou, demonstrando que esse campo continua vivo e em contínua evolução.
Camada de Ozônio
A temporada das CoPs começou no dia 31 de outubro, com a reunião das partes do Protocolo sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, em Montreal, e que encerrou no dia 4 de novembro. A reunião comemorou os 35 anos de um dos mais bem sucedidos acordos ambientais multilaterais e contou com mais de 500 participantes em pessoa e online. Durante a Conferência, o Brasil informou já ter eliminado 63% de seu consumo de HCFCs.
Outras boas notícias: o buraco na camada de ozônio Antártico deve estar completamente recuperado até 2066. Sobre o Ártico, a recuperação deve ocorrer até 2045. Ao mesmo tempo, porém, o ozônio na parte inferior da estratosfera não mostra sinais de recuperação. A batalha, assim, continua.
Ilustrando a sua relação com o regime jurídico do clima, a implementação do Protocolo já evitou 0.5-1°C de aquecimento até a metade do século e benefícios adicionais devem advir da implementação da Emenda de Kigali sobre HFCs – potentes gases de efeito estufa usados em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado. As interfaces entre as crises do buraco na camada de ozônio e as mudanças climáticas também ficou clara no alerta do Painel de Avaliação Científica do Protocolo: a injeção de aerossol na estratosfera, como técnica de geoengenharia, poderia levar à redução de 0.5°C na temperatura e, ao mesmo tempo, resultar na redução da camada de ozônio para níveis comparáveis aos anos de 1990, ou seja, quase quando a Convenção de Viena sobre a Proteção da Camada de Ozônio entrou em vigor em 1988. Isso demonstra a interconexão entre os desafios ambientais e a importância de uma diretriz geral no sentido de que medidas de controle não resultem em transferências de poluição para outras partes do meio e de que a implementação de um dado tratado, ao buscar solucionar determinado problema, não cause deterioração de condições ambientais.
A Emenda de Kigali foi recentemente ratificada pelo Brasil, mas ainda não foi promulgada. Enquanto parte, o Brasil se compromete a congelar a linha de base do consumo de HFCs em 2024 e reduzir em 10% o consumo até 2029; e poderá acessar o Fundo Multilateral do Protocolo para realizar reduções progressivas em importação e consumo até 2045. Aliás, o Brasil está agora entre os membros do Comitê Executivo do Fundo.
Elementos a se considerar na reposição do Fundo também foram acordados e incluem a necessidade de alocação de recursos para eficiência energética, mainstreaming de questões de gênero, gestão e disposição final de substâncias controladas e programa de assistência de compliance quanto à implementação da Emenda de Kigali.
Foram adotadas 24 decisões, inclusive nos seguintes temas: (i) importação ilegal de certos produtos e equipamentos de refrigeração, ar-condicionado e aquecimento; (ii) identificação de lacunas na cobertura global de monitoramento atmosférico de substâncias controladas e opções de aperfeiçoamento; (iii) coleta de informações para avaliar impactos da pandemia no consumo de HFC em países em desenvolvimento; (iv) fortalecimento de instituições e processos do Protocolo, inclusive para combater comércio ilegal (por exemplo, as partes foram urgidas a adotar classificações mais específicas para substâncias controladas e para misturas que as contenham, de modo a melhor identificar e rastrear importações e exportações) e com relação à informação sobre emissões de HFC-23 – potente gás de efeito estufa gerado na manufatura de certos químicos; (v) emissões de tetracloretos de carbono; (vi) isenções para usos críticos de brometo de metilo; (vii) estoques, quarentena e uso de brometo de metilo pré-embarque; e (viii) acesso e transição para tecnologias de eficiência energética e de zero ou baixo carbono. O Secretariado ficou encarregado de compilar e identificar características comuns entre sistemas de licenciamento de substâncias controladas como apoio a processos domésticos de fortalecimento das normas aplicáveis.
- Clique aqui e confira a íntegra do artigo.