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A arbitragem e as críticas ao PL 3.293/21

O projeto tem sido alvo de críticas e, de fato, demanda melhoramentos, sem que isso desabone a iniciativa parlamentar.

20/12/2022

Muito se tem discutido, no âmbito da comunidade arbitral, sobre  o PL 3.293/211, de autoria da deputada e advogada Margarete Coelho2, com propostas de adequação e modernização da lei de arbitragem para disciplinar a atividade do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias.

O projeto tem sido alvo de críticas e, de fato, demanda melhoramentos, sem que isso desabone a iniciativa parlamentar. A alteração de proposta inicialmente apresentada à Câmara ou ao Senado é ínsita a um processo legislativo aberto à participação da sociedade civil. E, por isso, existem as audiências públicas, as emendas parlamentares, os pareceres dos relatores e os pareceres divergentes.

Um aspecto que pode ser aperfeiçoado, e certamente o será, diz respeito ao dever de revelação. Objeta-se a expressão “dúvida mínima”, no lugar de “dúvida justificada” prevista no texto em vigor, ao argumento de que propiciará o incremento das ações anulatórias. Eu concordo com as críticas no que tange à vagueza semântica da expressão, problema facilmente corrigível ao longo da tramitação legislativa.

Muitos ataques e contestações, no entanto, me parecem injustos e impregnados de um compreensível sentimento em defesa de uma reserva de mercado. Fala-se que o projeto impõe requisitos incompatíveis com a livre iniciativa e com a autonomia privada, quando limita a laboração do árbitro, proibindo, por exemplo, que um mesmo árbitro atue em mais de dez arbitragens concomitantes ou que haja identidade dos membros de dois tribunais em funcionamento. A proposta também veda que os integrantes da secretaria ou diretoria da câmara arbitral funcionem em procedimentos administrados pelo respectivo órgão. Reclama-se do prejuízo aos árbitros profissionais, que se dedicam exclusivamente à tal atividade ou àqueles que são indicados com mais frequência pelos maiores escritórios arbitralistas; e que a vedação dirigida aos integrantes da secretaria e da direção das câmaras privaria grandes talentos do exercício profissional como árbitros.

Com o máximo respeito, penso que essas críticas específicas são, no mínimo, desarrazoadas.  A limitação da quantidade de arbitragens em que um árbitro pode atuar simultaneamente, ao lado da obrigação de revelar em quantos casos trabalha nessa condição, antes de limitar o exercício profissional, ou restringir o princípio da livre iniciativa, possibilitará o ingresso de novos profissionais nesse mercado, democratizando o acesso à atividade de árbitro e evitando indicações repetidas que, além de restringir a concorrência e a diversidade, impactam, por óbvio, o tempo de tramitação das arbitragens3.

Argumenta-se, como contraponto, que, na maioria das vezes, o árbitro é escolhido pelas partes e se estas nomeiam árbitros muito ocupados, o problema é delas. Isso não é bem verdade. A uma porque as partes nem sempre sabem se o profissional eleito efetivamente dispõe de tempo para proceder com diligência e rapidez, eis que não existe, no texto legal hodierno, obrigação de revelação, pelo árbitro, do número de arbitragens que conduz. A duas porque a escolha não é tão livre assim. No Brasil praticamente só existe arbitragem institucional, sendo raríssimos os casos de arbitragem ad hoq, enquanto que nas câmaras predominam os árbitros “listados”, sendo menos frequentes as indicações de profissionais fora das listas “fechadas”. Por mais que essas listas não sejam vinculativas, as partes terminam fazendo as suas indicações com base nelas, ao pressuposto de que apenas aqueles profissionais estão habilitados a decidir o seu caso.

Uma maior quantidade de árbitros, aptos e qualificados a atuar no procedimento arbitral, ao lado da difusão de cursos de capacitação de arbitralistas, como consequência imediata da limitação, implicará, como ressalta a justificação do projeto, “decisões de maior profundidade e qualidade, privilegiando também os princípios da eficiência e duração razoável do processo arbitral”.

A proibição a que os integrantes da secretaria ou diretoria da câmara funcionem em procedimentos administrados pelo órgão que integram contribuirá para minimizar conflitos de interesses, elidindo que os mesmos profissionais que decidem as questões administrativas antecedentes à formação do painel arbitral, também operem como árbitros perante arbitragens administradas por aquela câmara.

O projeto, portanto, tem sido injustamente criticado, já havendo sido alcunhado de “PL Antiarbitragem”. As críticas refletem, talvez, o inconformismo de alguns, forçados a abrir espaço para novos profissionais especializados que surgirão, naturalmente, com a democratização e ampliação da atividade arbitral e que decorrerá, por sua vez, da aprovação do PL 3.293/2021.  

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1 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node017ohap00c41f2w18xbgryalay715876.node0?codteor=2078847&filename=PL+3293/2021

2 A Deputada Margarete Coelho destaca, com propriedade, na justificação da proposta que “a disponibilidade do árbitro é fator essencial para permitir sua atuação na arbitragem, fator esse que se mostra tão relevante quanto sua independência e imparcialidade, devendo, portanto, ser automaticamente revelado às partes”.
 
3 https://www.camara.leg.br/deputados/204430

Mário Luiz Delgado
Advogado fundador do escritório MLD - Mário Luiz Delgado Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado. Presidente da Comissão de Direito de Família e das Sucessões do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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