Não é nova a discussão em torno da capacidade intrínseca que as operações com criptoativos tem de embaraçar as investigações criminais e, até mesmo, a própria punibilidade de eventuais infrações praticadas com ativos virtuais que, por suas próprias características, criam diversas dificuldades na persecução.
Dentre os atributos mencionados e muito discutidos, ainda hoje, está a pseudoanonimidade, que frusta a perseguição dos rastros da operação, impedindo que se identifique os sujeitos envolvidos nas transferências de valores pois, apesar haver um bloco público de transações (blockchain), todas as operações são descriminadas por meio de códigos hash criptografados.
Ademais, destacam-se também os obstáculos em torno da própria punibilidade das infrações penais praticadas pelos que objetivam utilizar-se das criptomoedas para crimes como a lavagem de dinheiro, por exemplo.
Isto porque é discutível o caráter de não-moeda atribuído a estes ativos virtuais, o que se deve ao fato de que há uma escassa legislação que regulamente a sua operacionalização em âmbito nacional, deixando um verdadeiro vácuo acerca da identificação de sua natureza jurídica.
Desta forma, impossibilita-se o preenchimento dos núcleos do tipo indispensáveis para a tipificação do delito, como é o caso da lavagem de capital que, para que seja praticada, é indispensável que o objeto utilizado seja conceituado, legalmente, como um capital.
Neste contexto, a muito vem-se empreendendo esforços em direção à regulamentação do uso das criptomoedas no Brasil, havendo diversas tentativas, dentre as quais destaca-se o Projeto de lei 4.401/21, que recentemente avançou no Congresso Nacional rumo à aprovação.
A mencionada legislação prevê a modificação da legislação penal em torno da lavagem de capitais (lei 9.613/98), lei de crimes contra o sistema financeiro nacional (lei 7.492/86) e o próprio Código Penal.
Todavia, é importante que se reflita acerca da tentativa sempre presente de criação de novos crimes para frear fenômenos sociais de cunho criminológico, de forma que toda tentativa de regularizar cenários que tenham sido palco para práticas criminosas vem acompanhada da criação de novos tipos penais.
E é neste panorama que se encontra o Projeto de lei 4.401/21, que objetiva inserir no Código Penal o Art. 171-A, punindo a conduta do sujeito que pratica fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, a fim de obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, mantendo a vítima em erro mediante qualquer expediente fraudulento.
Conforme já pontuado, as investidas legais em torno da mitigação de práticas criminosas vêm esgarçadas pela inserção de crimes na legislação, os quais, quase sempre, assemelham-se com tipos penais já existentes e que punem, de forma suficiente, as condutas repreendidas, numa verdadeira expressão do que se convenciona chamar de Direito Penal de Emergência.
Nesta linha, o direito penal de emergência é sempre uma resposta ao clamor popular dirigido a “esfriar” a percepção de lesividade que determinada conduta possui, inovando legislações de forma inócua e pouco ou nada efetiva.
É o caso do crime previsto no Art.10 do projeto de lei em comento, que abarca as mesmas condutas já punidas pelo atual crime de Estelionato (Art.171 do Código Penal), exacerbando as penas previstas, elevando o patamar mínimo de 1 ano de prisão (no estelionato) para 4 anos, fazendo com que o agente imputado pela prática do Art.171-A não faça jus a diversos “benefícios” processuais.
Logo, denota-se uma perigosa desproporcionalidade entre as penas previstas e a aferição de lesividade da conduta, tendo em vista que o legislador atribui o caráter danoso do delito apenas e tão somente ao uso de ativos virtuais para obter vantagem ilícita mediante fraude, repetindo o mesmo modus operandi previsto no já existente crime de estelionato, que prevê penas consideravelmente mais brandas.
A vista disto, denota-se a falta de cuidado dos legisladores pátrios com os crimes financeiros, que parecem demandar atenção especial do ponto de vista dogmático quando do desenvolvimento das legislações repressoras das condutas que utilizam o sistema financeiro nacional
Logo, é necessário que se diferencie a forma de tratamento dos crimes financeiros com os crimes “comuns”, não sendo coerente que se puna os delitos de cunho econômico com o mesmo rigor desenfreado que o faz com os delitos que possuem violência ou ameaça, sob pena de incorrer em grave desproporcionalidade, princípio constitucional basilar e regente do direito penal, pautado em estudos lógicos e racionais da criminologia.