Muitas vezes em processos de execução, a parte exequente se depara com situações que parecem um “beco sem saída”, no qual se sabe que o devedor poderia cumprir sua obrigação, mas não o faz, momento em que é preciso utilizar da criatividade para se obter uma efetividade à prestação jurisdicional.
Por esse motivo, o Código de Processo Civil de 2015 ampliou, de forma expressa e definitiva, os poderes do juiz nas execuções, ampliando as possibilidades de meios executórios para aumentar a efetividade da prestação jurisdicional, permitindo que a criatividade do magistrado e da parte exequente sejam um diferencial para o cumprimento de uma obrigação ou pagamento de uma dívida.
Para se executar uma obrigação de pagar em face de inadimplentes, até poucos anos atrás, se pensavam em dois caminhos principais: os meios expropriatórios, quando se força o pagamento da dívida de forma direta, retirando-se bens do devedor e passando o bem ou o valor equivalente ao credor; e os meios coercitivos, quando se pune o devedor pela sua inadimplência.
A pergunta que sempre gerou debate na doutrina e na jurisprudência é: é lícito ao juiz deferir e praticar atos executórios não previstos em lei? Seria lícito a prática de medidas coercitivas para execuções de prestações pecuniárias?
O CPC de 2015 resolveu as questões prevendo, em seu art. 139, inc. IV, o poder geral de execução indireta ao juiz, o autorizando a praticar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para todo tipo de execução. Vejamos:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
É notável que o diploma processual cível não apenas autoriza que o juiz pratique todas as medidas cabíveis, como estabelece como um dever do magistrado, concretizando o princípio da eficiência previsto no art. 8º do CPC.
A aplicação de medidas executórias atípicas ganhou destaque com o julgamento do REsp 1.864.190/SP, que analisou a possibilidade de adoção de medidas coercitivas contra o devedor para o pagamento de uma dívida pecuniária, tais como suspensão da CNH, apreensão de passaporte e cancelamento de cartões de crédito.
No precedente mencionado, a Terceira Turma do STJ destacou a importância dos mecanismos atípicos como forma de pressionar o devedor a quitar sua obrigação, autorizando o juiz a “adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor”, conforme destacou a Ministra Relatora Nancy Andrighi.
Com a autorização de medidas executórias não previstas em lei, se amplia muito a efetividade da prestação jurisdicional, que passa a depender da criatividade do credor, de seus patronos e do magistrado para a satisfação da obrigação.
Podemos pensar em alguns bons exemplos de medidas atípicas que podem ser úteis se bem utilizadas em execuções, tais como: suspensão da CNH e passaporte; inscrição do devedor em cadastros de proteção de crédito; cancelamento de cartões de crédito; impedimento para realizar investimentos na bolsa de valores e frequentar certos lugares, como clubes; e proibições de participação em licitações, concursos públicos.
Em todos os julgamentos de medidas atípicas de execução que passaram pelo STJ, inclusive do importante precedente mencionado, muito se reiterou os diversos requisitos para a aplicação das medidas, sem as quais a medida se torna nula.
A primeira delas e mais vezes reiterada é a subsidiariedade, ou seja, é necessário que tenham se esgotado as medidas expropriatórias e coercitivas previstas na legislação para somente então se partir para medidas atípicas.
Outro requisito para a aplicação das medidas coercitivas é o indício que o executado tenha patrimônio ou condições de adimplir sua obrigação, evitando-se que prive injustamente o executado de seus direitos apenas em razão de sua condição financeira e o deixe sofrendo as penalidades coercitivas por tempo indeterminado.
Também é requisito essencial da decisão que aplica alguma medida coercitiva atípica que ela seja devidamente fundamentada e que seja observado o direito do executado ao contraditório, conforme destacou a Quarta Turma do STJ em julgamento de Habeas Corpus que questionava a apreensão de passaporte do devedor.
Mais um requisito, que pode parecer óbvio num primeiro momento, é que seja observada se a medida é legal ou constitucional, bem como o sobrepeso dos direitos que se pretende proteger.
Para se exemplificar uma decisão que, na visão deste autor, seria absolutamente ilegal e inconstitucional, tem-se o caso do Juiz de Taguatinga/DF, que autorizou que a Polícia Militar utilizasse “instrumentos sonoros contínuos” e impedisse o fornecimento de água e comida numa tentativa de expulsar 35 alunos que ocupavam uma escola pública na cidade durante uma manifestação.
A medida coercitiva em questão é, na verdade, uma técnica de tortura física e psicológica, violando o art. 5º, inc. III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, bem como constitui crime previsto na lei 9455/97.
Naturalmente que as medidas executórias não poderiam, de forma alguma, por exemplo, consistir em atos de tortura ou que colocassem em risco direitos humanos do executado.
Por fim, outro requisito essencial é a razoabilidade e proporcionalidade. Não se pode determinar uma medida coercitiva atípica que não seja justificável pela obrigação que se pretende cumprir ou que cause mais danos que o que se pretende resolver.
Aqui podemos tomar de exemplo outro caso que, apesar de se tratar de uma medida tomada em um processo criminal, nos permite refletir sobre o requisito em questão.
Em 2014 e 2016, juízos criminais determinaram o bloqueio do aplicativo “WhatsApp” no Brasil após sua desenvolvedora, Facebook, não cumprir ordens de quebras de sigilos de usuários investigados por crimes.
Apesar de não se tratar de uma execução cível, é possível imaginar um pedido de bloqueio de aplicativo sendo feito numa execução de pagar quantia certa, de fazer ou não fazer, o que, contudo, representaria medida inequivocadamente desproporcional.
Não seria razoável se retirar o acesso de mais de 165 milhões de brasileiros a um aplicativo de comunicação, que muitas vezes utilizam do programa para o trabalho, estudo ou mesmo laser, apenas para satisfazer uma dívida de um credor.
É relevante destacar que, apesar da previsão legal e do entendimento do STJ que tem se consolidado a respeito da possibilidade de adoção de medidas executivas coercitivas atípicas e da sua inegável utilidade para aumentar a eficiência da prestação jurisdicional, há quem defenda sua impossibilidade, ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Nesse interim, tramita desde 2018 no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5941, proposta pelo Partidos dos Trabalhadores, que visa a declaração de inconstitucionalidade do art. 139, inciso IV, do CPC, bem como para declarar inconstitucionais as medidas de apreensão de CNH e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública.
A decisão definitiva da ADIn em questão certamente representará um marco no sistema processual brasileiro e poderá ser um divisor de águas na busca pela efetividade jurisdicional.
Apesar das polêmicas envolvendo as medidas executórias atípicas e dos diversos requisitos sua aplicação, sua utilização é relevante para alguns tipos de execuções e casos específicos, sendo um diferencial e uma arma poderosa para quem tiver maior criatividade e domínio dessa técnica processual.