Migalhas de Peso

O que o dinheiro não compra? O dinheiro de fato pode comprar todos os bens?

O Estado, neste sentido, deve ser a garantia, o incentivador, o tutor e o algoz do próprio mercado quanto este se torna selvagem a ponto de descartar e ética e a moral nas relações de compra e venda.

13/12/2022

Em primeiro momento, é importante frisar que este ensaio teve como inspiração vários e profundos textos do Filósofo do Direito e Professor em Harvard (E.U.A) Michael J. Sandel acerca dos Limites Morais do Mercado que ajudaram a compilar o Best Seller  “What Money Can't By: The Moral Limits of Markets”, lançado em 2012.

Também é importante e imperativo para este artigo antes de responder à questão “O que o dinheiro não compra?”, definir à luz do Direito, quais bens estamos colocando como objeto da questão.

Filosoficamente a própria pergunta nos remete à uma resposta rápida e objetiva se  assim generalizarmos “O que são esses bens?”, nos forçando academicamente à uma compreensão mais refinada da questão com a estratificação do conceito de bens.

Bens, repito, à luz do Direito podem ser divididos em alguns grupos, tais como como Bens Livres, que são àqueles relacionados ao livre acesso de todos e que não há como mensurar preços/valores , tais como ar, a luz solar, o mar, etc...; Bens Econômicos, que são àqueles em que há a possibilidade de se atribuir preços, e que são relativamente escassos e atribuídos à algum esforço humano, podendo se subdividirem em Bens Materiais, tais como Bens de Consumo e Bens de Capital, e por fim, ainda na senda dos Bens Econômicos, podem ainda se subclassificarem em Serviços, que propriamente são intangíveis, entretanto com preços e valores no mercado, e por último e não menos importante, e talvez seja o cerne principal de nossa questão filosófica, os Bens Morais, atribuídos tão somente à conduta humana na sociedade, seja na esfera de suas relações sociais privadas ou públicas.

Há de se destacar também, porém sem igual importância para a questão filosófica da resposta a que almejamos, no entanto coerente nestas primeiras fundamentações, no ordenamento jurídico brasileiro, os bens em geral possuem classificações mais refinadas que colaboram para o entendimento jurídico das coisas que nos cercam em nosso espaço fisico e no exercício moral na sociedade.

Nesta seara de classificações, subdivisões e atribuições conceituais sobre Bens, nos deparamos com a notória e simplista definição que praticamente tudo pode ter um preço no mercado, até mesmo o ar, o mar e a luz solar, pois mesmo classificados como bens livres, indiretamente, o mercado atribui valores ao seu uso, ora por questões de saúde, ora por questões turísticas, ora por questões do meio ambiente, emprestando como exemplo a venda de crédito de carbono, produtos para proteção da pele contra a luz solar, preservação do ecossistema marinho com a taxação do uso e frutos turísticos entre outros.

Então, o que realmente importa quando estabelecemos correlações de preços na relação compra e venda é a abstração total nesta relação dos Bens Morais, cujos bens não se atribuem preços, mas valores significativos e não monetários de maior importância na sociedade que estabelecem vínculos cívicos e sociais, logo, o dinheiro, ainda não pode comprar de fato tudo na vida, desde que os Bens Morais não sejam abstraídos da questão. Será?

SE NÃO PODE COMPRAR TODOS OS BENS, O QUE DE FATO PODE COMPRAR?

Comprar é uma das ações diretas das relações de compra e venda do mercado, onde logicamente se há um comprador, decerto teremos do outro lado um vendedor e ambos estabelecerão um preço a ser atribuído na concretização desta relação, neste sentido,  se alguma coisa pode ser comprada, esta mesma coisa também pode ser vendida, o que mesmo parecendo óbvio, há de se lembrar que muitas coisas podem ter fixação de preços de venda, no entanto, o mercado não atribui condições de compras, principalmente se ultrajar o âmbito da Lie, da ética, da moral e da civilidade, e o mesmo também inversamente,  nem tudo que se quer comprar pode ter fixação de preço de venda, pelos mesmos motivos legais, éticos, morais e cívicos.

Deste modo,  dentro da relação imperativa da compra e venda, de fato, o que o dinheiro pode comprar não está relacionado aos bens titulados como Morais, pois não possuem valores monetários, mas valores significativos da conduta humana e da convivência social dentro de um conceito arraigado axiológico a que se propõe pertencer.

Não é muito raro de se encontrar, principalmente nas questões que envolvem quesitos sociais e cívicas de alta relevância, tais como Eleições e Serviços Públicos, aqueles que comprarão um voto, desde que haja alguém que queira vender, ou negociações paralelas para adquirir um determinado serviço público, e neste contexto ambas as relações ferem as leis, rebaixam a axiologia da vida cívica e social e escarnam a condição ética humana.

Há de se compreender também que quando usamos a palavra “pode” como verbo (poder) e não como um substantivo (permissão), estamos atribuindo hipóteses, e dessas inúmeras hipóteses do que o dinheiro pode comprar, uma delas nos remete, por exemplo,  a situação da vida humana amparada no direito fundamental do Homem, inviolável aos “olhos” sociais e jurídicos e tutelada pela conservação dos Bens Morais, no entanto, pode ser uma “coisa” na relação de Compra e Venda no mercado, lembrando que é comum casais estéreis ou homossexuais adquirirem espermas e óvulos através dos serviços médicos de fertilização e alugam um ventre de uma outra mulher para a gestação financiada da fecundação; Este ente humano que está sendo gerado, que tem vida,  torna-se uma “coisa” comercializada, ultrajando praticamente todas as questões morais sobre a vida, no entanto, satisfaz as necessidades morais dos casais, que igualmente possuem a oportunidade de serem felizes, constituírem família e desenvolverem-se junto com a sociedade que os recebeu dentro dos ditames morais da convivência social.

Percebe-se então que até mesmo os Bens Morais podem fazer parte indiretamente da Relação de Compra e Venda no mercado, porém com diferentes hipóteses que devem ser avaliadas em contexto geral, pois mesmo ferindo um uma ou outra questão axiológica e moral, por outro lado pode-se ao mesmo tempo valorar-se.

A princípio, e de fato, não há dúvidas,  o dinheiro pode comprar tudo, dependendo à que se destina e sua aceitação dentro dos conceitos morais e valorativos da sociedade à que se fez presente a relação da Compra e Venda.

O QUE É QUE SE PODE ESPERAR DA AÇÃO DO ESTADO?

O Estado como tutor da sociedade que o mantém,  e gestor dos recursos arrecadados que devem retornar à sociedade através de serviços públicos no âmbito da Educação, Saúde, Lazer , Segurança, Justiça, e outros bens denominados sociais , não tem outra opção que não seja moderar as relações comerciais no âmbito da soberania de sua nação, vez que sua única fonte de renda provêm justamente dos impostos, taxas e tributos que geralmente se acumulam nas relações de Produção e Compra e Venda do mercado que ele mesmo regula. Sua moderação sempre deverá ser com base na preservação dos Bens Morais da Sociedade, procurando nunca extinguir a vertente, o ciclo e principalmente os limites econômicos do mercado, mas sempre regular seu avanço quando o valor atribuído ao dinheiro preterir o valor moral, social e jurídico das relações sociais. O crescimento e a expansão econômica do mercado não só é importante, como também é necessário ao Estado com regime econômico capitalista, dada a conceituação básica de ser o meio principal das atividades financeiras do Estado e consequente aplicação na sociedade, no entanto,  a diferença de uma economia de mercado e uma sociedade de mercado, onde a primeira é uma ferramenta valiosa e eficaz de organização de uma atividade produtiva, enquanto a segunda passa a ser um modo de vida em que os valores de mercado permeiam cada aspecto da atividade humana, há de se concluir que a sociedade é um lugar em que as relações sociais são reformatadas à imagem do  próprio mercado e sua evolução.

A regulação das atividades econômicas pelo Estado, mesmo em uma espécie de mercado liberal, dado o incentivo à sua expansão constante, fazem parte de qualquer governo, no entanto, a regulação deve ser mais acirrada para não se contaminar com pensamentos, ações e discursos mercadológicos que preterem os fundos morais, e que colocam à margem do acesso aos bens sociais públicos grande fatia da população economicamente ativa com poucas condições financeiras.

O Estado, neste sentido, deve ser a garantia, o incentivador, o tutor e o algoz do próprio mercado quanto este se torna selvagem a ponto de descartar e ética e a moral nas relações de Compra e Venda.

Moacir Jose Outeiro Pinto
Advogado Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professor Universitário, Parecerista, Articulista, Palestrante, Escritor, Especialista em Direito Bancário, Empresarial e Constitucional.

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