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Emendas do relator (RP9) é incompatível com o princípio federativo e com o sistema presidencialista de governo

A chamada emenda do relator (RP9) que, além de não ter previsão orçamentária e violar o princípio da separação dos Poderes, estabelece um regime de condomínio na gestão governamental, usurpando a competência privativa do Executivo.

13/12/2022

O princípio federativo protegido em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF) repousa na separação dos poderes.

O Poder Executivo, que age no presente, exerce preponderantemente os atos de execução, isto é, governa o país. De forma atípica exerce a função judicante quando julga os processos administrativos tributários e os processos administrativos disciplinares. Excepcionalmente legisla por decreto nas duas únicas hipóteses previstas nas alíneas a e b, do inciso VI, do art. 84 da CF.

O Poder Legislativo, que atua para o futuro,  exerce preponderantemente a função de legislar. A previsibilidade que decorre das leis propicia segurança jurídica a todos. Excepcionalmente atua na função judicante tal qual o Executivo e promove atos de execução quando realiza, por exemplo,  certame licitatório para compra de materiais para guarnecer seus órgãos, mas nunca exerce a função de aplicar verbas na consecução de planos governamentais, ressalvada a aplicação de recursos para prover as necessidades de seus órgãos.

O Poder Judiciário, que age exclusivamente no passado,  exerce em regime de monopólio estatal a atividade jurisdicional. Esse Poder somente atua por provocação de interessados. Excepcionalmente exerce função executiva para realizar despesas para manutenção de seus órgãos. Toma iniciativa na elaboração de propostas orçamentárias (art. 99, §§ 1º e 2º da CF) a serem encaminhadas ao Poder Executivo. Outrossim, toma a iniciativa de leis para assuntos de interesse do Judiciário. (art. 96, II, a, b e c da CF).

O único Poder que age no presente visando alcançar os objetivos previstos no plano de governo é o Executivo.

No sistema presidencialista de governo cabe privativamente ao Chefe do Executivo elaborar com privatividade a proposta orçamentária a ser entregue ao Poder Legislativo até o final de agosto de cada exercício.

Aprovada e sancionada a LOA a sua execução cabe exclusivamente ao Poder Executivo.

O Presidente da República cumula as funções de chefe de Estado e de chefe do governo.

Como chefe de governo cabe ao Presidente governar com auxílio de seus ministros aplicando os recursos orçamentários de conformidade com a LOA, que espelha ou deveria espelhar as prioridades do governo.

Governar outra coisa não é senão direcionar e executar as despesas de conformidade com as regras orçamentárias, respeitando as vedações do art. 167 da CF.

A infração às normas orçamentárias implica crime de responsabilidade (art. 85, VI da CF) sujeitando o infrator ao processo de impeachment de acordo com o art. 10, 4 da lei 1079/50.

No processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff houve muita confusão no correto enquadramento legal de infração cometida no âmbito orçamentário.

A pedido do Presidente da Comissão Especial, Senador Raimundo Lira, enviamos àquela Comissão Especial um texto objetivo apontando a violação do art. 4º da lei 12.952/14, que aprovou o orçamento do exercício de 2014, quando se deu a abertura de crédito adicional suplementar por decreto, a favor da Universidade da Paraíba, exatamente na hipótese em que o art. 9º da LRF determinava a limitação de empenho. Esse enquadramento legal não constava em nenhum trecho de longa peça acusatória, limitando-se a falar sobre as pedaladas fiscais.

Só por esse fato está a verificar a absoluta incompatibilidade dos membros do Parlamento Nacional imiscuir-se na prática de execução orçamentária.

Cabe aos membros do Congresso Nacional exercer o importantíssimo papel de fiscalizar e controlar os atos de execução orçamentária pelo governo.

 Incogitável o controle e fiscalização da execução orçamentária das despesas executadas por seus próprios membros.

O sistema presidencialista de governo, contemplado na Federação Brasileira, não permite que o Legislativo exerça atos de gestão governamental. Isso é próprio do sistema parlamentarista de governo, onde o primeiro Ministro age como chefe de governo e o Presidente da República atua apenas como chefe de Estado para efeito de representação internacional.

Logo, a chamada emenda do relator (RP9) que, além de não ter previsão orçamentária e violar o princípio da separação dos Poderes, estabelece um regime de condomínio na gestão governamental, usurpando a competência privativa do Executivo.

Certamente os deputados são representantes do povo, porque legitimados por voto popular, mas eles foram eleitos não para governar, porém, para elaboração de leis que cabe ao Executivo cumpri-las.

A sua participação no processo legislativo do orçamento se esgota nas emendas a serem apresentadas na Comissão Mista de Orçamento - CMO - na forma do § 3º, do art. 166 da CF, desde que sejam compatíveis com o PPA e LDO e indiquem recursos necessários provenientes de anulação de despesas, excluídas as que incidam sobre encargos da dívida; dotações de pessoal e transferências tributárias constitucionais.

Nada impede, outrossim, de o Legislativo negociar com o Executivo para alteração da proposta orçamentária original, por meio de mensagens aditivas com base no § 5º do art. 166 da CF, bem como de apresentar emendas para proceder correções de erros.

Essas emendas dirigidas a CMO nada têm a ver com as chamadas Emendas do Relator, conhecidas pela sigla RP9 que não tem previsão constitucional e nem oferece elementos que possibilitam o controle e fiscalização das despesas executadas. Daí a denominação de orçamento secreto atribuída pela sabedoria popular.

O Relator do Orçamento, Senador ou Deputado, conforme o caso, chama a si a responsabilidade para fatiar fantásticas verbas entre deputados e senadores anônimos, a pretexto de agilizar a discussão e aprovação dos projetos legislativos de interesse do Executivo.

É a política de dificultar para abrir as torneiras do orçamento secreto.

Os verdadeiros requerentes dessas fantásticas verbas, geralmente gastas em obras ou serviços de discutível utilidade, quando não se descamba para o terreno da corrupção organizada, são ininvestigáveis por conta da clandestinidade. Na feliz expressão do Ministro Edson Fachin, os verdadeiros executores dessas verbas ficam sob o “manto de imperscrutabilidade”,

Ante o perigo de uma decisão do STF julgando inconstitucional esse tipo de emenda o Congresso está empenhado em elaborar uma nova Resolução para conferir transparência e publicidade que a Resolução 2/21 não trouxe, apesar das promessas que levaram a Ministra Rosa Weber levantar a interdição das verbas oriundas dessa Emenda do Relator.

Pelo visto a emenda sairá pior que o soneto.

Dar publicidade e transparência a algo que é ilegal, inconstitucional, contrário ao princípio federativo e afrontoso ao sistema presidencialista do governo não irá expurgar os vícios intrínsecos de que padece esse tipo de despesa discricionária a cargo de alguns parlamentares governistas que dão sustentação ao governo (integrantes do Centrão), em prejuízo dos demais parlamentares, igualmente, legitimados pelo voto popular.

SP, 9-12-2022.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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