A Advocacia Pública do Estado no século XXI tem um papel essencial na concretização do princípio jurídico da sustentabilidade multidimensional, por meio da paradiplomacia. A paradiplomacia significa, em síntese necessária, a atuação jurídico-consensual dos entes políticos subnacionais, nomeadamente os Estados-membros, no plano externo, transnacional e internacional, estabelecendo diretamente relações jurídicas multilaterais ou bilaterais, com atores públicos e privados, visando o desenvolvimento sustentável estadual.
Não se confunde com a atividade diplomática, atrelada às relações que se estabelecem diretamente pela República Federativa do Brasil, por meio da União Federal, com outros Estados soberanos e demais atores transnacionais e internacionais. A paradiplomacia se justifica porque existe um conjunto de questões políticas, econômicas, sociais, administrativas, ambientais, tecnológicas, inovadoras e digitais que podem e devem ser resolvidas não somente pela União Federal, mas, também, pelos Estados-membros, como decorrência da ideia de sustentabilidade multidimensional, que, além das dimensões citadas, também é global e local.
Isto porque, os Estados-membros estão mais vocacionados a compreender, propor soluções e equacionar, à luz das suas respectivas realidades, os seus problemas regionais, em respeito ao princípio da subsidiariedade. Ou seja, os desafios só devem ser resolvidos pela União Federal quando não possam ser eficientemente identificados e solucionados pelos entes federativos estaduais.
Cuida-se de realidade incontroversa no Brasil, em diversos entes da Federação brasileira. Vale destacar alguns casos, somente no ano de 2022. Neste sentido, a recente subscrição, pelo Estado do Espírito Santo, da Carta de Compromisso para adesão ao Pacto Global de Desenvolvimento Sustentável, iniciativa de sustentabilidade promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a finalidade de alinhamento de estratégias e operações aos Dez Princípios Universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção.
Outro caso recente é a parceria internacional para a cooperação técnica, científica e acadêmica firmada entre a Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo e a Universidade de Coimbra, em Portugal, por meio de sua Faculdade de Direito. Ainda na linha da paradiplomacia, a recente participação de Procuradoras e Procuradores do Estado do Espírito Santo, no “VII Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra: uma visão transdisciplinar”, com a apresentação de trabalhos científicos aprovados acerca da igualdade de gênero na Advocacia Pública do Estado, no simpósio “Igualdade de Gênero no acesso às funções públicas no âmbito Europeu e Internacional”. Esse intercâmbio técnico-jurídico e científico deu ensejo à edição da portaria 008-R, de 21 de novembro de 2022, que disciplina a organização e funcionamento da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo para a adoção de medidas visando à equidade de gênero no âmbito da Advocacia Pública estadual, em alinhamento com os objetivos de desenvolvimento sustentável de números 05 e 16 da ONU.
Neste sentido, a finalidade da paradiplomacia é a concretização, real e prática, do princípio da sustentabilidade multidimensional, global e local. O meio utilizado é a consensualidade. E aqui entra a Advocacia Pública do Estado, na medida em que tanto a sustentabilidade quanto a consensualidade são dois princípios jurídicos da mais alta relevância na atuação do Estado-administrador do século XXI.
Daqui para diante, o sucesso ou fracasso da gestão pública estará diretamente relacionado à capacidade de o Estado efetivar juridicamente a sustentabilidade multidimensional pela via da consensualidade. Posturas públicas adversariais, judicializantes e refratárias à negociação, ao acordo e ao consenso, em uma sociedade hipercomplexa, plural e multicultural, postegarão a realização de interesses públicos, direitos humanos e fundamentais, que não se coadunam com posturas e soluções monocêntricas e unilateralistas. Antes, pressupõem uma administração pública aberta ao diálogo e à participação democrática da sociedade na gestão pública.
Daí porque cabe à Procuradoria Geral do Estado atuar, consultiva e proativamente, como instituição mediadora e condutora dos ajustes, acordos, parcerias e negócios, transnacionais e internacionais, aos quadros da juridicidade democrática, nos termos da Constituição, do Direito e das realidades e necessidades do ente federativo estadual. Para tanto, é fundamental empreender uma releitura da Constituição brasileira de 1988, sob as luzes do princípio jurídico da sustentabilidade multidimensional, global, local e orientada, também, pela consensualidade baseada na paradiplamocia.
Desde logo, para se entender sistemicamente o enunciado do art. 21, I, da Constituição brasileira de 1988, de modo a se conferir preponderância, mas não exclusividade, à União Federal para a celebração de acordos internacionais. Não haverá essa preponderância quando o interesse jurídico-político diga respeito ao ente federativo subnacional, em respeito aos princípios da predominância dos interesses regionais e da subsidiariedade. Em outros termos, o Estado-membro também deve buscar, na sua respectiva realidade regional, a promoção do desenvolvimento sustentável multidimensional, com a redução das desigualdades regionais, nos termos do art. 3º da mesma matriz constitucional. Esse entendimento reforça a autonomia estadual, prevista no art. 18 da Constituição brasileira de 1988.
Ademais, não há qualquer vedação constitucional para que o Estado cumpra as suas missões administrativas previstas no art. 23 da mesma matriz constitucional, por meio de parcerias transnacionais ou internacionais. Significa dizer, diante da ausência de vedação ao Estado para a celebração de parcerias transnacionais e internacionais, é constitucionalmente possível a celebração destas, nos termos do art. 25, § 1º da Constituição brasileira de 1988.
Além disso, o alcance prático dos princípios jurídicos da eficiência, economicidade e eficácia das ações administrativas específicas do Estado, a partir de parcerias transnacionais e internacionais, nos termos dos arts. 37, caput, 70 e 74, todos da mesma matriz constitucional, não pode ficar submetido à pura vontade política da União Federal para a celebração das ditas parcerias, sob pena de inviabilização de boas políticas públicas estaduais, a partir de cooperação sustentável multidimensional, para além do território nacional. Admitir essa hipótese seria reduzir, de forma irrazoável e desproporcional, a autonomia federativa do Estado-membro.
Avançando nas considerações, é possível sustentar que somente os compromissos transnacionais ou internacionais, com dimensão nacional, e potencial para acarretar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional como um todo, devem ser firmados e controlados no nível da União federal, consoante os arts. 49, I e 84, VIII, ambos da Constituição brasileira de 1988.
Além disso, a própria matriz constitucional reforçou a possibilidade de parcerias internacionais pelo Estado-membro e suas entidades universitárias na educação, nos termos do art. 207, § 1º, visando a celebração de parcerias técnico-científicas, assim como no ordenamento setorial da ciência, tecnologia e inovação, especialmente a promoção e o incentivo da atuação internacional e transnacional das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas ao desenvolvimento científico, tecnológico e inovador no âmbito do Estado-membro, na forma do art. 218, § 7º, da Constituição brasileira de 1988.
No mesmo sentido, o novo marco jurídico das licitações e contratações públicas estabelece a análise ampla pelo órgão de assessoramento jurídico dos acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes e outros instrumentos congêneres, a viabilizar o controle de juridicidade das parcerias transnacionais ou internacionais do Estado, nos termos do art. 53, § 4º, da lei 14.133/21. De se destacar, também, a aplicação do mesmo marco jurídico aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, disposição essa que também reforça a juridicidade e legitimação dos acordos e parcerias internacionais e transnacionais celebradas pelo Estado-membro.
Na mesma linha direcional, destaque-se a lei complementar estadual 1011, de 06 de abril de 2022, que estabeleceu a política de consensualidade no âmbito da administração pública estadual direta e indireta e instituiu a Procuradoria de Projetos Estratégicos – PPE. A novel normatividade viabiliza, reforça e consolida a juridicidade da celebração de acordos e parcerias transnacionais e internacionais do Estado, a partir da atuação jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo, para muito além, portanto, da prevenção e resolução de litígios e controvérsias.
Sem a pretensão de exaurir a matéria, a Advocacia Pública, no assessoramento de juridicidade à atividade paradiplomática do Estado do Espírito Santo, deve basear a sua atuação nas premissas jurídicas de consensualidade, respeito à autonomia da vontade das partes e desburocratização na celebração de parcerias transnacionais e internacionais, na forma do seu art. 3º. Ademais, deve-se ter em atenção a diretriz de juridicidade fundante do sistema normativo em exame, no sentido de se fomentar uma cultura de gestão pública consensual, coparticipativa e transparente na busca por soluções negociadas, na forma do art. 4º, IV da lei estadual em exame.
Neste contexto, consoante o art. 29-B, VII, da lei aludida, a Procuradoria de Projetos Estratégicos – PPE, na sua atuação preventiva, proativa e estratégica, na representação extrajudicial do Estado, prestará o assessoramento na celebração direta de acordos e parcerias transnacionais e internacionais, já que essa missão se enquadra no âmbito das suas competências dinâmicas, diante de um Estado que interage e negocia, com crescente intensidade, com atores transnacionais e internacionais, em mundo global interconectado, visando o atendimento dos seus objetivos específicos estaduais.
Nesta ordem de ideias, a paradiplomacia desenvolvida no âmbito do Estado-membro é uma inequívoca realidade no Brasil e no mundo global, que não tem a pretensão de se “desglobalizar”, na lição de Yuval Noah Harrari. Fechar os olhos para essa constatação da vida hipercomplexa do século XXI é um equívoco fático, estratégico e jurídico, vedando-se interpretações jurídicas com exclusivos olhos no passado e que interditem a via jurídica da paradiplomacia para os Estados-membros.
Nesse cenário, compete à Advocacia Pública do Estado, no exercício das suas missões constitucionais, previstas no art. 132 da Constituição brasileira de 1988, se estruturar para as relações jurídicas internacionais e se capacitar, inclusive multidisciplinarmente, para oferecer respostas juridicamente seguras, eficientes, transparentes, sustentáveis e consensuais para as parcerias transnacionais e internacionais dos Estados-membros, no atendimento dos interesses públicos, direitos humanos e fundamentais sob a responsabilidade estadual, o que interessa a todos.