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A confusa tributação progressiva do IPTU no município de São Paulo

Na eventualidade de aplicação do redutor pela variação do IPCA superar os 10% do valor do IPTU pago no exercício anterior (exercício de 2022) prevalecerá a trava de 10% para o lançamento do IPTU de 2023, ou seja, o valor do imposto de 2023 não poderá ser superior ao valor do IPTU pago em 2022.

6/12/2022

Como é de sabença geral o IPTU pode ser progressivo em função do valor venal, ou em função do descumprimento da função social da propriedade urbana.

No primeiro caso temos a chamada progressividade fiscal, decretada exclusivamente  no interesse da arrecadação.

No segundo caso temos a chamada progressividade extrafiscal, decretada no interesse ordinatório da propriedade urbana, por via de instrumento tributário.

Para distinguir essas duas modalidades de tributação progressiva há que se atentar para o disposto na Emenda Constitucional de 29, de 13-9-2000, que aboliu a chamada tributação progressiva genérica, então, prevista no art. 156, § 1º da CF, em sua redação original, que assim dispúnha:

 §1º O imposto previsto no inciso I (IPTU) poderá ser progressivo, nos termos da lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”.

Resulta com solar clareza que o texto constitucional está a exigir função ordinatória por meio do IPTU progressivo. Penso que durante a sua vigência era possível a progressão de alíquota do imposto para o proprietário de terreno sem capinagem, sem limpeza, sem muro e sem construção de calçada, pois essas ações atuam como forma de conferir função social à propriedade urbana.

Todavia, na década de 90, houve abuso legislativo pelo Município de São Paulo instituindo o IPTU progressivo, sem declinar a razão da progressividade.

Imóveis localizados nas áreas de proteção ambiental, onde é proibido qualquer tipo de edificação, eram tributados progressivamente a pretexto de não utilizado ou subutilizado, de sorte a não cumprir a função social da propriedade.

Resta claro que o legislador incorreu no desvio de finalidade.

Como resultado desse abuso legislativo sobreveio a EC 29/00 alterando a redação do § 1º, do art. 156 da CF para os seguintes termos:

 “§1º sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”.

A nova redação conferida ao texto constitucional do § 1º, do art. 156 aboliu a progressividade extrafiscal genérica, substituindo-a pela tributação progressiva de natureza fiscal fundada no valor do imóvel. Preservou, outrossim, a progressividade especifica, baseada tão somente no fator temporal (art. 182, § 4º, II da CF). Quanto mais tempo perdurar sem o cumprimento da função social, maior será a alíquota do IPTU, limitada, porém, ao teto de 15% para não afrontar o princípio constitucional que veda a tributação de efeito confiscatório. Daí em diante, o Município deverá partir para o derradeiro instrumento ordinário da função social da propriedade urbana, que é a desapropriação do imóvel mediante pagamento da justa indenização em títulos da dívida pública, de emissão autorizada pelo Senado Federal, resgatáveis no prazo de 10 anos.

Tanto isso é verdade que o STF veio a editar a Súmula 668, cujo verbete assim prescreve:

“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinado a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”.

É a resposta que o STF deu à legislação do Município de São Paulo que, a pretexto de implementar a função social da propriedade, exacerbava as alíquotas do IPTU sem que nada estivesse regulando. A Súmula expressa com lapidar clareza que a progressividade fiscal fundada no valor do imóvel (progressividade imotivada) não era admitida antes da Emenda 29/00. Condenou essa tributação progressiva de natureza fiscal mascarada de IPTU progressivo de natureza ordinatória.

Tanto é que a legislação da época não apontava a razão da progressividade, porque simplesmente não existia intenção de regular coisa alguma, salvo o interesse meramente arrecadatório do Município, sob o manto de progressividade extrafiscal.

Resumindo, o que restou em termos de tributação progressiva extrafiscal  do IPTU é apenas aquela prevista no art. 182, § 4º, II da CF que deve obedecer aos seguintes requisitos:

a) inserção prévia da área a ser tributada progressivamente no Plano Diretor da Cidade;

b) definição da função social da propriedade urbana pela lei que aprova o Plano Diretor;

c) concessão de prazo para o proprietário construir ou lotear o imóvel, conforme o tamanho da propriedade.

Cumpridos esses três requisitos o Município poderá lançar o IPTU progressivo, porém, apenas e tão somente em sua modalidade temporal, sendo irrelevantes outros fatores como a existência de equipamentos urbanos. Outrossim, a progressão de alíquotas fica limitada ao máximo de 15%.

Logo, quando a lei 16.050/14 (Lei do Plano Diretor da Cidade) dispõe para efeito de tributação progressiva do IPTU que “ficam excluídos das categorias de não edificados ou subutilizados os imóveis que abriguem atividades que não necessitam de edificação para suas finalidades, com exceção de estacionamento” (art. 94) está se referindo à exclusão de tributação progressiva específica contemplada no art. 182, § 4º, II da CF.

Em outras palavras, esse art. 94 atua como fator de inibição da tributação progressiva extrafiscal para conferir função social à propriedade urbana, nos casos que especifica.

Assim, merece exame o disposto na parte final desse art. 94 que se refere à exceção de estacionamento.

 A parte final desse art. 94 conduz à interpretação no sentido de exigir edificação da área destinada a estacionamento de veículos, para ser excluída da categoria de imóvel não edificado ou subutilizado.

Dessa forma, os estacionamentos a céu aberto estão sujeitos, em tese, à tributação progressiva de natureza ordinatória.

Há dúvida se basta apenas uma cobertura ou abrigo, ou se é preciso uma edificação de garagem horizontal ou vertical. Sabemos que na realidade existem inúmeros estacionamentos a céu aberto com chão de terra batida.

O decreto regulamentador de 55.638/14 dispõe em seu art. 6º que são consideradas atividades que dispensam a edificação para o desenvolvimento de suas finalidades, dentre outras, os terminais logísticos, as transportadoras e garagens de veículos de transporte coletivo ou de cargas.

Esse confuso decreto não deita luz para sanar a dúvida que antes levantamos.

Primeiramente, mistura locais físicos (terminais logísticos) com empresas transportadoras.

Em segundo lugar, refere-se às garagens de veículos de transporte coletivo, aparentemente, confundindo estacionamento de veículos de transporte coletivo com garagens que, necessariamente, pressupõe edificação, posto que inexiste a categoria de garagem a céu aberto.

Enfim, a interpretação correta deve ser no sentido de que os locais destinados a estacionamento de transportes coletivos não precisam estar edificados, o que não é o caso de locais destinados a estacionamento de outros tipos de veículos, que precisam ser edificados, mediante construção de abrigos, coberturas, ou construção de garagem propriamente dita.

Por derradeiro, a progressividade fiscal fundada no valor do imóvel expressamente admitida pela atual redação do § 1º, do art. 156 da CF, no Município de São Paulo, foi implementada de forma, a nosso ver, inconstitucional.

Ao invés de progredir a alíquota em função da elevação do valor do imóvel, de forma simples e transparente, a legislação municipal (lei 13.250/01 e lei 13.475/02) partiu para o nebuloso regime de tributação progressiva consistente na instituição de três tabelas progressivas do IPTU: uma para imóvel residencial, outra para imóvel não residencial e uma terceira para imóvel não edificado,  adotando faixas de valor venal diferentes, como se  tratassem  de três impostos distintos.

Ora, graduar as alíquotas segundo o valor do imóvel, como está  prescrito na Constituição, torna irrelevante distinguir imóvel edificado do imóvel não edificado. O que interessa é apenas o valor de cada imóvel, progredindo a alíquota em função da elevação do valor do imóvel, sendo que para o imóvel residencial a progressão deverá partir da alíquota básica de 1%, e para imóveis comerciais e terrenos a  progressão de alíquota deverá partir da alíquota básica de 1,5%. Nada disso acontece na legislação municipal de São Paulo que mantém as alíquotas fixas seguidas de introdução de fatores de diminuição e de acréscimo em função da faixa de valores dos imóveis, faixas essas, como se disse antes, diferentes para cada tipo de imóvel (residencial, não residencial e terreno).

 Dessa forma, às vezes, o IPTU do imóvel residencial favorecido com a alíquota de 1% acaba saindo mais caro do que o IPTU de imóvel não residencial e/ou terreno tributado com alíquota de 1,5%. É que o fator de redução no imóvel residencial é menor do que no imóvel não construído, ao passo que, o fator de aumento no imóvel residencial é maior do que no imóvel não residencial ou no imóvel não edificado.

Entendemos inconstitucional esse tipo de progressão que não tem amparo no § 1º, do art. 156 da CF que, repita-se, somente reconhece a progressividade fundada no valor do imóvel, isto é, progressão de alíquotas em função do valor venal, e não progressão da base de cálculo do IPTU em função da presumível capacidade contributiva de seu proprietário. O valor de um imóvel é dado objetivo. Não varia em função da capacidade contributiva de cada proprietário.

A operação de lançamento tributário deveria encerrar-se com a aplicação da alíquota progressiva sobre a base de cálculo, tal qual acontece na apuração do IRPF mediante uso da tabela progressiva. Aumento ou diminuição do imposto apurado não faz parte do lançamento tributário, devendo esses aumentos ou reduções estarem previstos em leis específicas.

Entretanto, o STF considerou constitucional essa nebulosa tributação, reformando a escorreita decisão em sentido contrário proferida pelo extinto 1º TAC de São Paulo (RE 423.768).

Por oportuno, registre-se que nos lançamentos do IPTU no exercício de 2023, sem prejuízo da trava geral de 10%, há que se observar a legislação específica e excepcional que instituiu para os exercícios de 2022, 2023 e 2024 uma trava especial representada pela variação do IPCA do exercício anterior, de conformidade com os §§ 6º a 8º do art. 9º, da lei 15.889/15 acrescidos pelo art. 6º da lei  17.719/21, in verbis:

“§ 6º Excepcionalmente os lançamentos efetuados nos exercícios de 2022, 2023 e 2024 ficam limitados à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA no exercício anterior, conforme última estimativa do Banco Central do Brasil disponível no dia 15 de dezembro do exercício da medição, e limitados a no máximo a 10% (dez por cento) da diferença nominal entre o crédito tributário total do IPTU do exercício do lançamento e o do exercício anterior.

§ 7º O limite de que trata o § 6º deverá ser único para todos os imóveis.

§ 8º Caso a variação do IPCA, calculada nos termos do § 6º, seja superior ao limite previsto no caput, aplicar-se-á o referido limite." (NR)

Em outras palavras, na eventualidade de aplicação do redutor pela variação do IPCA superar os 10% do valor do IPTU pago no exercício anterior (exercício de 2022) prevalecerá a trava  de 10%  para o lançamento do IPTU de 2023, ou seja, o valor do imposto de 2023 não poderá ser superior ao valor do IPTU pago em 2022.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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