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COP ou Copa?

O equilíbrio entre a manutenção do consumo e a preservação do meio ambiente é necessário e possível, mas representa um enorme desafio.

2/12/2022

A COP27 (que discute mudanças climáticas) acaba de finalizar em Sharm El-Sheikh (Egito) e a COP15 (que discutirá conservação global da biodiversidade) está prestes a iniciar em Montreal (Canadá) e acontecerá no período compreendido entre 5 e 17 de dezembro de 2022.

Torço para que o trocadilho infame, que constitui o título do presente artigo, tenha alguma utilidade para chamar a atenção do tema, que, enfrentará a concorrência desleal com o evento em andamento no Catar, estrelado por Richarlison, Messi e companhia.

Os recursos biológicos do planeta são fundamentais para a humanidade, assim é necessário que ambos estejam em equilíbrio e que o ser humano se conscientize que não há como separá-lo do meio ambiente, uma vez que ele é resultado deste meio1. Na contramão desta premissa, os índices de extinção de espécies e a ameaça aos ecossistemas causadas pelo ser humano atingiram níveis alarmantes nos últimos anos.

Por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi criado um grupo de trabalho (Comitê Intergovernamental de Negociação)2 para estudar a elaboração de um tratado internacional focando na conservação da diversidade biológica, que veio a se consolidar na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)3. No mesmo momento (RIO92), nasceu também a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima4 e a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação5.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) entrou em vigor em dezembro de 1993 e conta hoje com mais de 160 (cento e sessenta) países membros. Após quase 20 (vinte) anos de existência, continua sendo o principal e mais importante tratado que discute os temas relacionados à biodiversidade global.  Entre os seus principais objetivos, a Convenção definiu que os países devem buscar:

a) conservação da diversidade biológica;

b) utilização sustentável de seus componentes;

c) repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes.

Em seu art. 23, a CDB definiu que as Partes deveriam se reunir, periodicamente, através de sessões ordinárias e extraordinárias e que, por ocasião destes encontros, deveriam estabelecer a forma e a periodicidade da comunicação das Informações a serem apresentadas, exame de informações, bem como os relatórios apresentados por qualquer órgão subsidiário, pareceres científicos, técnicos e tecnológicos apresentados pelo Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA), adoção de protocolos, exame e adoção de emendas e anexos, estabelecer os órgãos subsidiários, especialmente de consultoria científica e técnica, considerados necessários à implementação da Convenção, entre outras incumbências previstas no mesmo dispositivo.

Até agora foram realizados 14 (catorze) encontros das partes (COPs)6 sendo que a COP15 já teve uma parte de seu encontro realizada em Kunning (China) e a segunda parte ocorrerá em Montreal (Canadá) no período compreendido entre 05 a 17 de dezembro de 2022.

Neste mesmo período e local, também acontecerá o Encontro das Partes relacionado aos tratados suplementares decorrentes da CDB. São eles, a COP-MOP 10, referente ao Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança e a COP-MOP 04 referente ao Protocolo de Nagoia sobre Acesso e Repartição de Benefícios.

A COP15 possui como elemento principal em sua agenda a discussão da proposta do “Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020”, um compêndio de 22 (vinte e duas) metas globais a serem alcançadas até o ano de 2030 e 04 (quatro) metas de longo prazo para 2050, relacionadas a “Visão 2050 para a Biodiversidade”

Resumidamente, as 4 metas de longo prazo funcionam como grandes premissas, para que os países consigam atingir a grande Visão 2050 que é "Viver em harmonia com a natureza". Já as 22 metas (Pós-2020) funcionam como um grande guia operacional, com os caminhos e objetivos que norteiam os países, na presente década, a adotarem medidas urgentes para estancar e reverter a perda global da biodiversidade.

As metas 1 a 8 estão voltadas, de forma geral, a ações relacionadas à redução de ameaças à biodiversidade, dispondo sobre:

1) uso integrado e inclusivo da terra e mar, respeitando o direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais;

2)  extensão e metas de restauração;

3) metas envolvendo áreas de conservação;

4) ações urgentes de gestão sustentável para a recuperação e conservação das espécies;

5) medidas envolvendo a exploração de espécies silvestres;

6) controle sobre espécies exóticas invasoras;

7) redução de poluentes;

8) interface entre biodiversidade e mudanças climáticas.

As metas 9 a 13 buscam discutir a relação entre as necessidades das pessoas envolvidas com uso sustentável e da repartição de benefícios, dispondo sobre:

9) uso sustentável de espécies exóticas, beneficiando as pessoas, notadamente aquelas mais vulneráveis;

10) uso sustentável das terras;

11) contribuições por serviços ecossistêmicos;

12) aumento das áreas verdes em áreas urbanas;

13) ações que resultem em aumento da repartição de benefícios.

As metas 14 a 22 estabelecem ferramentas e soluções para implementação e integração, dispondo sobre:

14) integração da biodiversidade com foco nas ações governamentais;

15) práticas sustentáveis de empresas e instituições financeiras;

16) estímulo ao consumo sustentável;

17)  danos e efeitos adversos da relação entre biotecnologia e biodiversidade;

18) eliminação de subsídios prejudiciais a biodiversidade;

19) recursos financeiros e estímulo ao acesso e transferência de tecnologia;

20) acessibilidade de dados e informações, com respeito ao livre arbítrio dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais;

21) representações respeitando a igualdade de gênero e

22) que mulheres e meninas tenham igualdade de oportunidades e capacidade de contribuir para os três objetivos da Convenção.

Além da discussão sobre o “Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020”, as delegações que representam os países debaterão, no mesmo período, questões bastante controversas e complexas, como Informações de Sequências Genéticas Digitais (DSI, em inglês) e Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios.

Os países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e do Protocolo de Nagoia possuem ampla soberania para definirem seu sistema local de acesso e repartição de benefícios (ABS, no inglês). Baseados neste princípio, existem diversas legislações que definem critérios diversos sobre ABS. No Brasil, por exemplo, há um sistema eletrônico de cadastros (SISGen) que permite ao usuário cumprir com os requisitos de acesso e o racional de repartição de benefícios varia de 0,75% a 1% da receita líquida de fabricados contendo biodiversidade brasileira.

A questão torna-se mais complexa na relação de ABS entre países e, em razão disso é que os membros da CDB criaram um tratado específico para o tema, o Protocolo de Nagoia (NP, no inglês), a fim de que pudessem ter um fórum específico de discussão sobre mecanismos e critérios de acesso e repartição de benefícios.

No âmbito do NP há um mecanismo que estimula a transparência entre países usuários e provedores, denominado ABS Clearing-House, em que as partes obtém informações mais precisas sobre os regimes locais de ABS.

Mas o mundo avançou e o sistema elaborado pelas partes, previsto no ABS Clearing-House, parece não alcançar soluções mais concretas quando se trata de utilização de Informações de Sequências Genéticas Digitais (DSI)7, que contenham patrimônio genético de determinado país provedor. Há uma série de questões que devem ser enfrentadas, mas que possuem dois grandes objetivos:

a) que o acesso aos bancos de dados digitais seja livre (para não atravancar a ciência) e

b) que os provedores tenham a sua justa contrapartida, através do pagamento de repartição de benefícios.

Por intermédio da COP15, as Partes discutirão soluções para a repartição de benefícios via DSI e uma que parece ser razoável é o desenvolvimento de um “Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios”. Um grupo de cientistas membros do DSI Scientific Network se uniu para debater a questão e o resultado foi a publicação de um excelente artigo em coautoria, denominado “Multilateral benefit-sharing from digital sequence information will support both science and biodiversity conservation8, que define as bases de um possível mecanismo multilateral de repartição de benefícios, onde propuseram uma estrutura em que o acesso a DSI é desvinculado da repartição de benefícios de DSI, e que não haja limite de acesso à DSI, com a criação de um fundo com diversas fontes de financiamento (inclusive royalties por depósitos de patentes) que será revertido aos provedores de recursos genéticos.

Seja em razão da relevância do “Marco Global da Biodiversidade Pós-2020” ou dos demais temas que também serão debatidos em Montreal (como DSI ou Mecanismo Multilateral de Repartição de Benefícios) a COP15 pode representar um divisor de águas para a conservação da biodiversidade global, com reflexo direto para o Brasil, que possui biomas riquíssimos (e, infelizmente, ameaçados). O equilíbrio entre a manutenção do consumo e a preservação do meio ambiente é necessário e possível, mas representa um enorme desafio. No entanto, não há outro caminho, a fim de assegurar um planeta vivo para as presentes e futuras gerações.

_____________________

1 “Diversidade biológica - ou biodiversidade - é o termo dado à variedade de vida na Terra e aos padrões naturais que ela forma. A biodiversidade que vemos hoje é fruto de bilhões de anos de evolução, moldada por processos naturais e, cada vez mais, pela influência do homem. Ela forma a teia da vida da qual somos parte integrante e da qual dependemos totalmente. Esta diversidade é muitas vezes compreendida em termos da grande variedade de plantas, animais e microorganismos. Até agora, cerca de 1,75 milhão de espécies foram identificadas, principalmente pequenas criaturas, como insetos. Os cientistas calculam que existem na verdade cerca de 13 milhões de espécies, embora as estimativas variem de três a 100 milhões.”. https://www.cbd.int/convention/guide/

2 Trabalho finalizado em 22 de maio de 1992 por meio da Conferência de Nairóbi para a Adoção do Texto Acordado da Convenção sobre Diversidade Biológica.

3 Lei interna através do Decreto 2.519/98.

4 Lei interna através do Decreto 2.652/98.

5 Lei interna através do Decreto 2.741/98.

6 Fifteenth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Kunming, China (11-15 October 2021) and Montreal, Canada (5-17 December 2022); Second extraordinary meeting of the Conference of the Parties to the CBD Montreal (Online) 16-19 November 2020 and 25-27 November 2020 (resumed session); Fourteenth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Sharm El-Sheikh, Egypt 17-29 November 2018; Thirteenth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Cancun, Mexico 4-17 December 2016; Twelfth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Pyeongchang, Republic of Korea 6 - 17 October 2014; Eleventh meeting of the Conference of the Parties to the CBD Hyderabad, India 8 - 19 October 2012; Tenth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Nagoya, Japan 18 - 29 October 2010; Ninth meeting of the Conference of the Parties to the CBD Bonn, Germany 19 - 30 May 2008; Eighth Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Curitiba, Brazil 20 - 31 March 2006; Seventh Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Kuala Lumpur, Malaysia 9 - 20 February 2004; Sixth Meeting of the Conference of the Parties to the CBD the Hague, Netherlands 7 - 19 April 2002; Fifth Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Nairobi, Kenya 15 - 26 May 2000; First Extraordinary Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Cartagena, Colombia & Montreal, Canada 22 - 23 February 1999 & 24 - 28 January 2000; Fourth Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Bratislava, Slovakia 4 - 15 May 1998; Third Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Buenos Aires, Argentina 4 - 15 November 1996; Second Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Jakarta, Indonesia 6 - 17 November 1995 First Meeting of the Conference of the Parties to the CBD Nassau, Bahamas 28 November - 9 December 1994.

7 “Informação de sequência genética digital”, ou DSI (por sua sigla em inglês), é um termo que se originou no Grupo de Trabalho de Especialistas Ad Hoc (AHTEG) da CDB e cujo escopo não foi definido, mas que para muitos inclui DNA, RNA, e sequências de aminoácidos/proteínas em suas várias formas, assim como informação epigenética e de caracterização dos recursos genéticos” - https://www.synbiogovernance.org/wp-content/uploads/2018/06/ETC_DigitalSequenceInformationPortuguese_2F-REDUCED.pdf

8 Scholz, A.H., Freitag, J., Lyal, C.H.C. et al. Multilateral benefit-sharing from digital sequence information will support both science and biodiversity conservation. Nat Commun 13, 1086 (2022). https://doi.org/10.1038/s41467-022-28594-0 - Amber Hartman Scholz, Jens Freitag, Christopher H. C. Lyal, Rodrigo Sara, Martha Lucia Cepeda, Ibon Cancio, Scarlett Sett, Andrew Lee Hufton, Yemisrach Abebaw, Kailash Bansal, Halima Benbouza, Hamadi Iddi Boga, Sylvain Brisse, Michael W. Bruford, Hayley Clissold, Guy Cochrane, Jonathan A. Coddington, Anne-Caroline Deletoille, Felipe García-Cardona, Michelle Hamer, Raquel Hurtado-Ortiz, Douglas W. Miano, David Nicholson, Guilherme Oliveira, Carlos Ospina Bravo, Fabian Rohden, Ole Seberg, Gernot Segelbacher, Yogesh Shouche, Alejandra Sierra, Ilene Karsch-Mizrachi, Jessica da Silva, Desiree M. Hautea, Manuela da Silva, Mutsuaki Suzuki, Kassahun Tesfaye, Christian Keambou Tiambo, Krystal A. Tolley, Rajeev Varshney, María Mercedes Zambrano & Jörg Overmann

Luiz Ricardo Marinello
Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor na INSPER em Contratos de PI; Professor em Especialização de PI na ESA/SP; Coordenador de Comitê na ABPI; Diretor da ASPI; sócio de Marinello Advogados;

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