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Versatilidade da separação de poderes

O assunto da separação de poderes ainda não chegou em um consenso entre os doutrinadores, todavia quando se analisa os ideais pretéritos de Montesquieu.

30/11/2022

Inicialmente, faz-se mister relacionar a separação depoderes com os ideais dos filósofos gregos Platão e Aristóteles que acreditavam na distribuição de funções típicas e atípicas entre os entes políticos da época. Ou seja, visualizou-se que, se o poder ficasse centralizado em uma pessoa, haveria pessoalidade nos julgamentos, arbitrariedades na administração e perda normativa extrínseca à função legislativa. Posteriormente, o doutrinador Montesquieu expôs, em sua obra “Espírito das leis,” a teoria da separação de poderes, pautada no arrefecimento do controle da monarquia e na maior efetividade das funções administrativas, legislativas e judiciárias. Segundo este,” tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legislativo e Executivo. Se estivesse unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.” 

Nesse contexto discursivo, pode-se descrever a importante existência da teoria da tripartição de poderes no qual há a distinção entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, cuja finalidade pontual é a cooperação e a equidade. Todavia, existem ainda, na doutrina, citações da teoria quadripartida (Brasil Império) e a pentapartida(Constituição do Equador de 2008), de acordo com o professor Flavio Martins.  Outrossim, há uma discussão sobre a nomenclatura “separação de poderes”, uma vez que deveria ser, para muitos, separação de funções. Assim, independente das divergências jurídicas, é cediço que muitos países da atualidade adotam o sistema tripartite de poderes com prerrogativas e funções de cada autoridade no próprio desempenho peculiar.

Ademais, é notória a contribuição da teoria americana denominada “check and balances” (freios e contrapesos), cuja fundamentação descrevia o equilíbrio imprescindível entre os poderes na condução do país. Especificamente noBrasil Império, houve o período de 1824 cuja Constituição propunha os poderes moderador, legislativo, executivo e o judiciário. Todavia, atualmente, a Constituição Federal de 1988 descreve como cláusula pétrea no art. 60: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Explicando melhor, o poder judiciário brasileiro tem como função típica a jurisdição, contudo, tem a função atípica administrativa de licitar, promover concurso, entre outras. Além disso, o poder legislativo tem a função típica de legislar, mas pode exercer a função atípica de julgar o presidente nos crimes de responsabilidade inseridos na Constituição Federal.

Nesse prisma, saber a melhor forma de dividir funções entre os poderes não pode ser considerada uma tarefa fácil, pois envolve aperfeiçoamento contínuo e adaptação às mudanças constantes da sociedade. Para o doutrinador Flavio Martins, a tripartição de poderes no Brasil poderia ser aperfeiçoada, pois há ainda divergências em relação à classificação do pertencimento do Ministério Público e da Defensoria Pública. Destarte, ambos institutos são classificados como funções essenciais à justiça e compartilham de grande importância em relação à população hipossuficiente. Ou seja, muito argumentar sobre a criação de um quarto poder com positivação de sujeições e prerrogativas específicas. Por conseguinte, a grande questão seria a observância da constitucionalidade de uma Emenda Constitucional que criasse um poder diferenciado para as funções essenciais da justiça.

Nessa linha de discussão, voltando à tratativa das cláusulas pétreas inseridas na Carta Magna, sabe-se que não podem ser suprimidas, entretanto, se forem expandidas, não haveria ilegalidade. Recentemente, houve um questionamento a respeito de supressão da Justiça do Trabalho a fim de evitar gastos orçamentários em prol do coletivo. Nessa toada, muitos foram contra, argumentando sobre a inviolabilidade de suprimir cláusulas pétreas, posto que o direito de acesso à justiça é um direito fundamental. Por conseguinte, após muitas argumentações, houve o consenso que se fosse retirada a justiça trabalhista, mas houvesse a transferência dos julgamentos para a justiça federal ou estadual, por exemplo, seria considerada adequada. Recentemente, em 2021, foi criado o TRF 6 em Minas Gerais, com iniciativa do STJ com o intuito de desafogar o TRF 1 responsável pelo Distrito Federal é mais treze estados – fato que permite interpretar a ampliação das cláusulas pétreas.

Nessa perspectiva, é importante discutir sobre os programas sociais do Brasil denominados Bolsa família ou Auxílio Brasil, prestados a parte da população vulnerável brasileira, devidamente cadastrada. Nessa linha, as normas programáticas constitucionais foram consideradas cláusulas pétreas com o intuito de se evitar o retrocesso social e o prejuízo à população. Desse modo, quando houve a pandemia da COVID em 2019, muitas pessoas ficaram em situação de pobreza extrema e o governo teve que expandir os programas sociais, criando subterfúgios para que os estabelecimentos ficassem fechados,mantendo a subsistência dos indivíduos. Portanto, diante do exposto, houve a expansão dos direitos fundamentaiscom a criação do “auxílio inclusão” por meio da lei 14.176/21 que estabeleceu o critério de renda familiar per capita igual ou inferior a ½ salário-mínimo para acesso ao BPC, e definiu novos parâmetros para a aferição da vulnerabilidade.

Outrossim, o pensamento crítico a respeito da separação de poderes tem o intuito de remeter à dicotomia entre o Estado provedor de políticas públicas e o Estado liberal, pois tanto um quanto o outro padecem de sujeiçõesaparentes. Nesse contexto, aparentemente, a Constituição Federal de 1988 foi elaborada com o intuito de ampliação de Direitos Sociais sendo considerada por muitos a Constituição Cidadã. Todavia, é fato que o orçamento da União, dos estados e municípios não consegue abrangertamanha demanda de oferta de serviços públicos, independente da reengenharia promovida pelo executivo. Ou seja, faz-se necessário que o mínimo existencial necessário à sobrevivência seja preenchido pela reserva do possível estatal, tentando-se preencher este abismo entre o poder-dever e seu financiamento. Para exemplificar, quando houve a pandemia do Covid-19, o Brasil, país intervencionista, manteve o programa do SUS com finalidade de atender a todos, independente de contribuição e gestão descentralizada. Em contrapartida, no mesmo período, os Estados Unidos, não possuiam um sistema público universal, que atendesse toda a população de forma igualitária gratuitamente. Nessa toada, cada estado possuia seu próprio sistema, com regras específicas, que operava-se principalmente pela iniciativa privada em relação aos  atendimentos da Covid. Portanto, é cediço que aconteceram muitos óbitos em ambos os sistemas, entretanto, qual dos dois foi mais eficiente, eficaz e efetivo ex-tunc ? Se for pensar na grande parte da população de hipossuficientes, que não conseguiram arcar com um plano de saúde privado, o sistema brasileiro ao menos tentou atender a todos, com igualdade de tratamento, porém o gasto orçamentário foi muito elevado, sendo um empecilho às reformas previstas no governo. 

Diante do exposto, percebe-se que o assunto da separação de poderes ainda não chegou em um consenso entre os doutrinadores, todavia quando se analisa os ideais pretéritos de Montesquieu, infere-se que a base teleológica é condizente com os ideais constitucionais da atualidade.Nesse diapasão, para que que se evite parcialidades e abusos de autoridades, é necessária uma compreensão global do assunto e adaptações constantes às mutações sociais de cada nação.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba .

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