Quando se trata da classificação das sociedades, há alguns parâmetros considerados essenciais para serem analisados. E se referem, essencialmente, a: registro e objeto da empresa.
A classificação referente ao registro da sociedade empresária traz dois opostos: a personificação e a não-personificação. E essa baliza é relativamente de simples compreensão, uma vez que separa as sociedades que têm personalidade jurídica – que possuem um registro nos órgãos oficiais – daquelas que não a possuem.
Nesse diapasão, eis a imposição legal para o registro, conforme disposto no Código Civil:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.
A ausência de Registro, portanto, é exceção. E por ter apenas dois exemplos legalmente referenciados, parte-se deles para elucidação das sociedades não personificadas.
Mais uma vez, ampara-se no Código Civil, com destaques:
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.
Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.
Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.
Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer.
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
O disposto acima versa sobre o tipo mais comum de sociedade não personificada: justamente a Sociedade em Comum.
Da leitura do texto legal é possível confirmar que não é estratégico desenvolver uma atividade empresarial sem a devida formalização, uma vez que não há quase nenhuma proteção ao patrimônio dos sócios – um dos pilares mais básicos para a constituição de uma empresa. Todos os sócios respondem de maneira igual e solidária pelas obrigações sociais, de maneira ilimitada, não importando a participação de cada um na sociedade.
Outra sociedade não personificada é a Sociedade em Conta de Participação – SCP, a qual tem condições específicas de “funcionamento”. O principal ponto desse tipo societário é a distinção entre sócios, em sócio ostensivo e sócio participante. A atividade do objeto social é exercida apenas pelo sócio ostensivo, de forma que somente ele responde perante terceiros. Senão, veja-se trecho do Código Civil acerca da SCP:
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
Esse tipo societário tem suas particularidades e por vezes, é criticado, uma vez que, além de ser uma construção antiga (remonta do Código Comercial de 1850), dá margem para alguns tipos de fraudes.
A título de curiosidade, há dois tipos de fraudes mais comuns quando da utilização deste tipo societário para fins fraudulentos. O primeiro, dá proteção jurídica a quem seria o sócio participante, mas que atua como ostensivo, e é chamado de sócio oculto, pois deveria constar no ato constitutivo e, propositadamente se esconde. Essa movimentação ardilosa, não raro, é utilizada por pessoas que detêm alguma proibição para o exercício da atividade empresarial ou simplesmente se utiliza de uma pessoa – normalmente o denominado “laranja” – para fazer as vezes do exigido sócio ostensivo e responder unicamente pela sociedade, livrando o sócio oculto de qualquer responsabilização.
Outro uso indevido deste tipo societário serve para maquiar operações fraudulentas que poderiam ser caracterizadas como prestação de serviços – ou venda de produto – e, por consequência, estar adstrita ao Código de Defesa do Consumidor. Um exemplo muito utilizado ultimamente é de supostas empresas de investimento que captam clientes prometendo lucros exorbitantes, mas assinam contratos em forma de SCP, enganando os consumidores. Quando questionadas sobre os prejuízos, tais empresas (ou melhor, os sócios ostensivos) alegam o “risco empresarial” que assumiram juntos com os participantes, como sócios, se esquivando de devolver o valor “investido” ou o pagamento do lucro acertado contratualmente.
Tribunais do país vêm enfrentando o tema ultimamente, mas ganha destaque um posicionamento extremamente recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, julgando um conflito de competência suscitado entre uma Vara Cível e outra, Empresarial. Veja-se o acertado posicionamento, unânime, da 1ª Câmara Cível do TJDFT, para esse caso específico:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TERMO DE ADESÃO EM SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE. PIRÂMIDE FINANCEIRA. DEMANDA BASEADA EM RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCIA DA VARA DE FALÊNCIA AFASTADA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. 1. Conforme orientação consolidada por esta Corte de Justiça, ao ampliar a competência da Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais do DF, a Resolução TJDFT 23/10 apresentou rol taxativo, abrangendo, por conseguinte, somente as situações expressamente enumeradas, que correspondem a litígios de natureza eminentemente empresarial. 2. Caso concreto em que se constata que a discussão central na demanda proposta não é o desligamento da autora da sociedade em conta de participação, mas a possível fraude na captação de investidores com promessa de remuneração elevada do capital investido, em verdadeiro esquema de pirâmide financeira. 3. Diante da alegação de fraude, o debate consistirá na análise da alegação de que o contrato de constituição de sociedade em conta de participação assinado pelo demandante foi utilizado tão somente como subterfúgio para ludibriar investidores, dissimulando a existência de um verdadeiro contrato de investimento de cunho consumerista. 4. Como não se cuida de direito empresarial, afasta-se a incidência da regra do art. 2º, inc. II, da Resolução/TJDFT 3/10. 5. Conflito de competência procedente.
(Acórdão 1321890, 07015464820218070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, 1ª Câmara Cível, data de julgamento: 1/3/2021, publicado no DJE: 12/3/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Contudo, para além disso, a SCP também tem se demonstrado uma excelente estratégia empresarial, quando utilizada de forma correta e balizada na lei. Algumas das principais vantagens são: a discrição; a informalidade e a simplicidade; a ausência de tributação na distribuição de resultados e lucros; o direito de fiscalização.
Assim, torna-se uma excelente alternativa para negócios.
Como foram tratadas as duas únicas possibilidades de sociedades sem personificação, com destaque aos pontos polêmicos (principalmente da SCP), passa-se à classificação quanto ao objeto. Sua distinção também não guarda muito segredo e se divide em sociedade simples e sociedade empresária, conforme dispõe o artigo 966 e seu parágrafo único, do CC:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Sociedade empresária é a disposta no caput e sociedade simples é a exceção, colocada no parágrafo único. A sociedade simples, por não ter fim empresarial, deve ser registrada no competente Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Já a sociedade empresária tem outras subdivisões, a depender da responsabilidade dos sócios (limitada, ilimitada e mista), bem como da sua forma de constituição (contratual ou institucional). Exemplos: sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações.
Vale destacar que as sociedades em nome coletivo e em comandita estão cada vez mais em desuso.
Por derradeiro, cabe tratar sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica. Essa é uma indesejada possibilidade ao objetivo principal almejado na constituição de uma sociedade empresária, qual seja: separação e proteção patrimonial – a não comunicação dos bens e direitos da empresa com os bens e direitos do sócio. Apesar de ser uma ficção, a empresa, a partir do momento que ganha personificação, passa a ser uma “pessoa”, com personalidade jurídica. A pessoa jurídica, por consequência, terá autonomia patrimonial, titularidade negocial e legitimidade processual, por exemplo. Empresa e sociedade não se confundem com a pessoa física do sócio.
Contudo, essa proteção pode ser relativizada em determinados momentos, como bem dispõe o art. 50 do Código Civil. Eis sua renovada e completa redação, após a Lei de Liberdade Econômica:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela lei 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela lei 13.874, de 2019)
Ou seja, se a proteção legal conferida às empresas for utilizada para fins ilícitos e fraudes, como o abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é possível o avanço no patrimônio dos sócios, desconsiderando-se a proteção inicial da empresa.
Há duas teorias principais acerca da utilização da desconsideração da personalidade jurídica: Teoria Maior e Teoria Menor.
A primeira é justamente a tratada no art. 50 do Código Civil, a qual precisa de com
provação e é aplicável na esfera cível e empresarial.
A Teoria Menor tem dois campos de utilização, basicamente: o ramo trabalhista e o ramo consumerista. Basta a ausência de pagamento devido ao trabalhador ou ao consumidor, praticamente, para que a personalidade jurídica da empresa seja afastada e o patrimônio dos sócios seja alcançado para quitação do débito. No Código de Defesa do Consumidor a Teoria Menor está destacada no art. 28, ao passo que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT faz referência explícita ao incidente de desconsideração em seu ar. 855-A, com base nos arts. 133 e seguintes do Código de Processo Civil.
Há ainda a possibilidade de aplicação desta teoria de forma inversa, quando o patrimônio da empresa é alcançado por uma dívida do sócio pessoa física. Essa aplicação é muito comum no Direito de Família para o pagamento de alimentos, por exemplo.
Por tudo exposto, convém ressaltar a importância do conhecimento acerca da classificação das sociedades empresárias e de sua personalidade jurídica, não só do ponto de vista do empresário, para fins de blindagem e proteção; mas também sob a análise de consumidores e terceiros, para resguardar seus direitos face às sociedades, notadamente quando vítimas de fraudes.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 de janeiro de 2002. Disponível em . Acesso em 15 de setembro de 2022