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Mulheres e política: breve retrospectiva da história política feminina no Brasil, de 1500 até 1933

Somente em 1933 foi eleita a primeira deputada federal brasileira, a médica Carlota Pereira Queiroz.

29/11/2022

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país fundado por Portugal, para fins de exploração da terra e produção de monoculturas para exportação, através do uso da mão de obra de africanos escravizados. Assim, o Direito, a Administração Pública, a cultura e demais instituições brasileiras têm origem portuguesa, de maneira a ser imprescindível iniciar o texto mencionando Portugal. Tal nação está inserida na cultura ocidental, formada pela junção da antiguidade greco-romana com a religiosidade judaico-cristã, todas extremamente machistas, patriarcais e misóginas (SILVA, 2011, p. 3; HENRIQUES, 2013, p. 1-2; BALBINOTTI, 2018, p. 5-6).

Outrossim, a visão que a sociedade brasileira historicamente teve sobre o gênero feminino foi herdada da nação portuguesa, razão pela qual as mulheres brasileiras sempre foram excluídas dos espaços públicos e relegadas a um papel social secundário de cuidados com a família e trabalhos domésticos. Houverem poucas mulheres (brancas) em cargos públicos durante a era colonial brasileira (1530  a 1822), situação que pouco melhorou da independência até o início do séc. XX, quando a pressão exercida pelas sufragistas e demais feministas brasileiras contribuiu para a eleição da primeira deputada federal, Carlota Pereira Queiroz, em 1933. Assim, o presente ensaio comentará brevemente esses fatos (PORTO et al, 2019, p. 3; OLIVEIRA, 2017, p. 12; DIAS et al, 2011, p. 6-7).

2 MULHERES, PORTUGAL, CATOLICISMO E O BRASIL COLÔNIA

Portugal surgiu a partir da Reconquista, espécie de cruzada contra os muçulmanos que ocuparam a Península Ibérica desde o séc. VIII, de modo que o catolicismo esteve intimamente ligado à sua formação e constituição enquanto Estado-nação. A visão que a Igreja Romana tinha das mulheres no final da Idade Média e início da Idade Moderna (desde 1453), foi construída através do uso das filosofias aristotélica e agostiniana para a interpretação das passagens bíblicas. Assim, a sociedade portuguesa que colonizou o Brasil, considerava a mulher como um ser humano de segunda categoria e dava ao gênero masculino papel de destaque e centralidade, tanto no âmbito familiar e privado, quanto, principalmente, no âmbito das relações públicas, devendo a relação da mulher para com o homem ser de estrita obediência (FONSECA, 2018, p. 6-7; KLEIN, 2021, p. 29-30; CAIXETA, 2019, p. 2, 4, 9; MARTINS et al, 2010, p. 1-2; DIAS et al, 2011, p. 5-6).

Portugal reproduziu no Brasil sua estrutura sociopolítica. De 1500 a 1535, o colonizador português não interferiu na organização social dos povos indígenas existentes. Nestas comunidades, os papéis de gêneros eram distintos e “definidos no tocante à família e à comunidade”. Entretanto, o casamento e a monogamia não eram expressivos. Além da influência religiosa, o papel da mulher (portuguesa) era determinado a partir do modelo vigente no Império Romano (Corpus Iuris Civilis), no qual ela era confinada ao lar e aos cuidados familiares. Muitas mulheres (de rua) foram perseguidas pelo Santo Ofício, por serem prostitutas ou se portarem de modo contrário aos bons costumes. A mulher não participava do debate público por causa das regras morais/religiosas assimiladas pela sociedade (DIAS et al, 2011, p. 4-7).

Durante a era colonial brasileira, algumas mulheres (brancas) conseguiram se tornar proprietárias e gestoras de bens familiares, principalmente graças ao falecimento de seus maridos, o que era autorizado formalmente através do instituto da meação, previsto nas Ordenações Filipinas. Aliás, “grande parte das mulheres proprietárias e gestoras de bens da América portuguesa” era composta por viúvas, pois enquanto estivessem submetidas ao poder masculino, tanto na figura do pai quanto do marido, não teriam capacidade para a prática dos atos da vida civil (MORAIS, 2017, p. 6-7).

Para além da seara civil, algumas outras (poucas) conseguiram posição de destaque no âmbito da Administração Pública do Brasil colônia, como Dona Ana Pimentel Henriques Maldonado, mulher de Martim Afonso de Sousa, donatário da capitania hereditária de São Vicente, que foi a primeira “governadora na América Portuguesa”, por meio de procuração dada por seu marido. É provável que ela tenha expedido alguns atos normativos de caráter legal, pois às autoridades locais era permitido exercer o poder legislativo em determinados casos, de modo subsidiário. Dentre seus principais feitos destaca-se a nomeação de Brás Cubas como capitão-mor e ouvidor da capitania, bem como a autorização dada aos colonos para acessarem o planalto paulista, “onde a terra era mais fértil e o clima mais ameno”, em clara oposição à vontade de seu marido, que almejava evitar conflito com os indígenas (CANDEIAS, 2004, p. 8-9; CARMIGNANI, 2018, p. 7).

3 INDEPENDÊNCIA, SUFRAGISTAS E INÍCIO DA CARREIRA PARLAMENTAR FEMININA NO BRASIL

A mulher do séc. XIX era submissa ao marido ou ao patriarca e concentrava sua atuação nos afazeres domésticos. A primeira constituição brasileira, que foi outorgada em 1824, concedeu direito de voto aos cidadãos (homens) brasileiros e naturalizados. Não eram considerados eleitores os homens com “renda anual líquida inferior a cem mil réis”. Não foi necessário excluir, formalmente, do texto constitucional, as mulheres do direito de votarem, porque elas já eram excluídas de fato, em virtude de dependerem financeiramente e estarem subordinadas aos seus pais ou maridos, de modo a não possuírem capital próprio em seu nome. Assim, a segregação feminina dos espaços de poder no Brasil Império representou uma continuação da práxis colonial (DIAS et al, 2011, p. 7-8; INÁCIO, 2015, p. 2).

As brasileiras oitocentistas começaram a entrar em contato com libertinas inglesas e francesas, que criticavam a desigualdade de gênero e a postura inerte das mulheres ante a misoginia cultural e institucional. Em 1827 foi dada permissão às meninas para estudarem. Ao longo do período imperial, 8 (oito) normas foram sancionadas pela regente Princesa Isabel, das 29 (vinte e nove) leis ordinárias e 52 (cinquenta e dois) decretos em vigor à época. Outrossim, “alguma figura masculina (um conselheiro, membro de confiança do Imperador) tinha de assinar em conjunto com ela” (INÁCIO, 2015, p. 3-4, 8).

A mulher, no oitocentos, era vista como um ser dominado pelas emoções e portanto incapaz de desempenhar funções públicas e de exercer os direitos políticos de votar e ser votada, que exigem aptidão racional. É no Império que ocorreu um dos primeiros movimentos políticos de mulheres organizadas, qual seja, uma petição enviada ao Senado e firmada por 160 (cento e sessenta) mulheres, em 1832, pugnando pela anistia de seus irmãos e maridos insurrectos (DIAS et al, 2011, p. 8-9).

Após a proclamação da República em 1891, as mulheres começaram a se organizar e mobilizar mais politicamente. Muitas emendas constitucionais que visavam garantir voto às mulheres solteiras, viúvas e diplomadas foram rejeitadas com base na alegação de que a emancipação feminina causaria a destruição da família. Em 1909 foi fundado, pela sufragista Leolinda Figueiredo Daltro, o Partido Republicano Feminino — PRF, composto apenas por mulheres. Outra sufragista de destaque foi Bertha Lutz, que presidiu a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino — FBPF, e conquistou o voto feminino no Estado do Rio Grande do Norte em 1927 (PORTO et al, 2019, p. 2; DIAS et al, 2011, p. 10-11).

Finalmente, em 1932, a pressão exercida pelas feministas surtiu efeito, pois a cidadania feminina foi consagrada no art. 2º do Código Eleitoral. Entretanto, com o advento da Constituição de 1934, tal dispositivo teve sua eficácia contida, pois o voto foi limitado apenas às mulheres “que exercessem funções remuneradas em cargos públicos”. Em 1933 a primeira deputada federal foi eleita, a médica Carlota Pereira Queiroz, única mulher a assinar a retromencionada constituição de 1934, sendo Bertha Lutz a sua suplente. Carlota criou anteprojetos em busca de uma maior igualdade de gênero e de proteção à maternidade (PORTO et al, 2019, p. 3).

4 CONCLUSÃO

O Brasil, desde sua fundação em 1500, sempre foi um país de poucas oportunidades para a mulher, que até o início do séc. XX só tinha como opção ser mãe e/ou dona de casa, além de sempre estar em uma relação de subalternidade para com o homem, seja seu pai ou seu marido. As que conseguiram se libertar do jugo masculino foram viúvas que optaram por não se casarem novamente, ao passo que a administradora da capitania de São Vicente (Dona Ana Pimentel Henriques Maldonado) só alcançou essa posição por intermédio de procuração outorgada por seu marido.

No Brasil Império, os argumentos misóginos levantados contra a presença feminina na vida pública foram reformulados. As mulheres não eram racionais o suficiente para votarem ou serem votadas, e muito menos para exercerem função na Administração Pública ou cargo parlamentar. Mesmo a Princesa Isabel, quando sancionou atos normativos, necessitou da assistência de algum conselheiro (homem) para suprir sua incapacidade perante a lei.

A eleição da primeira deputada federal, em 1933, foi um marco histórico. Um adendo deve ser feito: de 1933 até 1974, a moda ou número recorrente de parlamentares mulheres na Câmara dos Deputados foi 1 (um), com destaque para o ano 1966, que contou com 6 (seis) representantes femininas. Desde 1978, a presença feminina cresceu de forma exponencial e constante na Câmara, com exceção para o ano de 1998, que recepcionou 28 (vinte e oito) deputadas, 5 (cinco) a menos quando em comparação ao ano 1994, que presenciou a chegada de 33 (trinta e três) delas. De 28 (vinte e oito) em 1998, a quantidade voltou a crescer em 2002, chegando a 43 (quarenta e três), e de 2002 até o presente momento, o número mais que dobrou, alcançando-se o patamar de 91 (noventa e uma) parlamentares em 2022, 2 (duas) delas mulheres trans (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022).

Destarte, ainda há muito a ser feito para que a plena igualdade de gênero seja efetivada no âmbito dos Poderes Públicos, em especial do Legislativo. As mulheres brasileiras estão saindo mais do ambiente doméstico e hoje ocupam cargos importantes dentro das instituições públicas, ainda que em proporção menor que os homens. Por fim, esse recorde histórico — 91 (noventa e uma) deputadas federais —, merece ser comemorado, divulgado e estudado.

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BALBINOTTI, Izabele. A violência contra a mulher como expressão do patriarcado e do machismo. Revista da ESMESC, Florianópolis, v. 25, n. 31, p. 239-264, 2018. Disponível em: https://revista.esmesc.org.br/re/article/view/191/165. Acesso em: 13 nov. 2022;

CAIXETA, Elenice Maria. Abordagem historiográfica da história da península ibérica medieval e da influência cultural árabe no Brasil. Revista (Entre Parênteses), Alfenas, v. 2, n. 8, 2019, 5 mar. 2020. Disponível em: https://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/entreparenteses/article/view/1086.Acesso em: 13 nov. 2022;

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Bancada feminina aumenta 18,2% e tem duas representantes trans. Brasília, 2022. Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-182-e-tem-duas-representantes-trans/. Acesso em: 13 nov. 2022;

CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. A presença feminina na história de Piratininga: homenagem às mulheres quinhentistas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo — IHGSP, São Paulo, ano 110, v. 96, p. 7-11, dez., 2004. Disponível em: http://ihgsp.org.br/wp-content/uploads/2018/02/Vol-96.pdf. Acesso em: 13 nov. 2022;

CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva. A justiça no Brasil Colônia. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 113, p. 45-75, 2018. DOI: 10.11606/issn.2318-8235.v113i0p45-75. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/156547. Acesso em: 13 nov. 2022;

DIAS, Joelson; SAMPAIO, Vivian Grassi. A inserção política da mulher no Brasil: uma retrospectiva histórica. Revista Estudos Eleitorais, Brasília, v. 6, n. 3, p. 55-92, set./dez., 2011. Disponível em: https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/1583/2011_dias_insercao_politica_mulher?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 13 nov. 2022;

FONSECA, Pedro Carlos Louzada. Matéria e forma de aristóteles e misoginia: disseminação na literatura medieval. Revista Nós — Cultura, Estética e Linguagens, Goiânia, v. 3, n. 3, p. 16-26, set., 2018. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revistanos/article/view/8310. Acesso em: 13 nov. 2022;

HENRIQUES, Antônio Renato. A civilização ocidental frente à pós-modernidade: uma análise de valores. Século XXI, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 105-116, jan./jun., 2013. Disponível em: https://sumario-periodicos.espm.br/index.php/seculo21/article/viewFile/1863/142. Acesso em: 13 nov. 2022;

INÁCIO, Myrrena. Do silêncio a uma voz: a princesa Isabel e a participação das mulheres no Império (1822-1889). Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 316-335, set./dez., 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot/article/view/22142/16006. Acesso em: 13 nov. 2022;

KLEIN, Janaina Luzia. O catolicismo e a reprodução da desigualdade de gênero nas relações sociais de mulheres que vivem sua religiosidade. 2021. 67 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) — Universidade Estadual de Londrina. Disponível em: http://www.uel.br/cesa/sersocial/pages/arquivos/JANAINA%20LUZIA%20KLEIN.pdf.Acesso em: 13 nov. 2022;

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Wagner Piau de Almeida Neto
Bacharel em Direito. Advogado. Mestrando. Aluno especial de Mestrado Profissional em Poder Legislativo, turma 2022/2, do Programa de Pós-Graduação do Cefor, da Câmara dos Deputados, na disciplina "Gênero, Poder e Representação Política - GPRP".

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