Nossos tempos são outros e, cada vez mais, mudam com mais rapidez, diminuindo o ciclos de estabilidade que, antes, separariam uma geração da outra. De modo um tanto amorfo, a internet removeu aquilo que, em um passado longínquo, se traduziu por ‘sabedoria’, transformando este milenar campo de reflexão teológica e filosófica, em um campo minado de ideologias contrárias levada a um paroxismo que divide, atualmente, nosso país (como se espraiou pelo mundo).
Através do abuso das indiscutíveis benesses oriundas das redes sociais, o fato é que isto acabou por consumir nosso tempo livre, redirecionando aquilo que antes era o ócio, em “atividade produtiva”, isto é, compartilhar notícias, defender uma causa ou aderir à modismos ideológicos ad hoc.
Logo, o tempo de sopesamento e reflexão, da rara delibração e fruição de ideias, é solapado pelo bombardeamento de informações (agora, ainda mais, atrelada à opiniões revoltosas contra isto ou aquilo) que nos forçam a aderir a certos monopólios opinatinos; algo que, claro, é um terreno profícuo para a proliferação das fake news. Há mais, porém: a capacidade de se discordar de alguém sem ser desagradável ou violento – ah! Esta sim! – desapareceu.
Diante de reflexões poucos auspiciosas a respeito do futuro de um país justo, equitativo e eticamente disposto, deparei-me com o artigo do advogado de Illinois Bar Association, Rory T. Weiler (Illinois Bar Journal, agosto de 2022, vol. 110, 8, p. 8-9), que cogitava sobre o mesmo tema.
Dou ênfase sua eloquente descrição sobre o inegociável papel moral do advogado: “como advogados, independemente de nossas crenças pessoais a respeito de alguma decisão ou regra, nós não deveríamos estar profundamente preocupados a respeito dos ataques contínuos e crescentes direcionados ao nosso judiciário e à segurança dos juízes? [...] Nossos juízes devem ser livres para realizarem decisões livres e imparciais baseando-se apenas nos fatos (e amparados pela lei) da lei” (p. 8). E nada além, porque não legisla.
Ora, a politização do judiciário é outro fenomeno que, equiparado com o da violência contra os juízes, tende a acarretar sérios problemas de legitimidade do sistema jurídico, contudo, como salienta novamente Weiler, “nós, como advogados, temos um compromisso especial com o público e com o sistema no qual atuamos, isto é, [...] a proteção e segurança de cada juíz, em nosso sistema legal, não deveria depender ou se sujeitar às crenças políticas de cada um” (p. 8).
Como advogados, nós devemos elevar o nível do “debate” que é promovido nas redes sociais e fazer uso de nossa formação e de nossa vocação para o fim pedagógico de ensinar o porquê da importancia da independência dos três poderes (datado de Montesquieu, em De L'esprit Des Lois, de 1748) e, consequentemente, de um judiciário atuante em harmonia, não dissenso. É o ideal tão sonhado.
E reitero: não estimulo a ideia de que discordância seja algo ruim, mas que seja mantida e resguarda pela razoabilidade, em protesto civilizado, o que não implica em ameaçar pessoas, expor número de suas casas online etc. O exercício da discordância, estimulado e bem-vindo em democracias, não pode se perder sua identidade e se tornar o exercício do ódio. Apesar da discordância com inúmeros juízes, há que se reiterar o óbvio: nenhuma decisão judical deve ter suas raízes na ameaça ao magistrado e/ou sua família. A decisão judicial deve vincar-se em fatos e na interpretação da lei. Repito o verbo e o tempo: deve!
É imediata a necessidade de frear o desrespeito, pois me amedronta que, por um lado, o direito de protestar pacificamente, hoje em dia, esteja sendo confundindo com o direito de assediar determinadas autoridades, algo que, no limite, o advogado poderia contirbuir em aclarar, embora não esteja acontecendo: confundimos torcidas de esportes com exercícios de direitos de expressão!
Pois, conclui Weiler muito sabiamente: “quando membros do público começam a acreditar que até os advogados não possuem respeito ou crença no sistema judiciário, nós vamos ter fracassado em nosso dever e habilidade em assegurar a regra da lei em benefício de todos. Restará só o caos” (p. 9).
Será que estamos evitando esse caos?