A TECNIMED propôs em 2002 uma ação judicial em face da GEMS IT perante o Supremo GEMS IT Tribunal de Nova Iorque demandando a suspensão definitiva de arbitragem que então havia sido iniciada pela perante tribunal constituído em Miami, Flórida, Estados Unidos da América, segundo as regras da IACAC.
A matéria versada dizia respeito a normas federais norte-americanas perante a qual a GEMS IT apresentou contestação e reconvenção na qual demandou uma decisão de imposição da arbitragem e, ainda, uma medida cautelar obstativa de ação judicial para impedir que a TECNIMED prosseguisse com ação indenizatória cumulada com pedido declaratório de inexistência de débito e de revisão contratual por ela intentada no Brasil, perante a 10ª Vara Cível de Porto Alegre - RS em razão de suposta conduta prejudicial à imagem da TECNIMED.
O Tribunal de NY julgou improcedente a demanda da TECNIMED e procedente a reconvenção da GEMS IT entendendo que aquela estaca atrelada aos termos das cláusulas compromissórias de arbitragem contidas no contrato.
Por decisão do STJ, bem como pelo STF, já transitada em julgado, foi declarada nula a cláusula compromissória e afastada a convenção de arbitragem à vista do cumprimento das formalidades legais, se referindo ao REsp nº 1.015.194/RS. Na ocasião o recurso especial interposto pela GEMS IT não foi conhecido por unanimidade pela Terceira Turma do STJ por (i) falta de prequestionamento e incisão das súmulas 282/STF 1e 211/STJ 2e (ii) incisão da súmula 283/STF3, uma vez que não enfrentou os principais fundamentos autônomos e suficientes à manutenção do julgado, quais sejam: (a) trata-se de contrato de adesão em que não foi observado qualquer destaque às cláusulas que instituíram a arbitragem e (b) a pretensão inicial abrange mais do que a discussão sobre os contratos em si. O referido acórdão foi objeto de embargos de divergência e de recurso extraordinário não conhecidos transitando em julgado em 2012.
Conforme mencionado anteriormente, paralelamente, o Tribunal de NY julgava a demanda da TECNIMED que requerera a suspensão definitiva da arbitragem e a reconvenção da GEMS IT, que por fim julgou improcedente a demanda da TECNIMED e procedente a reconvenção. Ocorre que a referida sentença foi parcialmente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento da SEC nº 854/EX.
Como sabido, a homologação de sentença arbitral estrangeira é da competência do STJ e não mais depende de homologação do país de origem. Primeiramente é necessário esclarecer que “a sentença internacional não se confunde com a sentença estrangeira, que é a proferida pelo poder judiciário de ouro estado, para ser executado no país. A sentença estrangeira provém de uma autoridade judiciária estatal, cuja execução no território de outro requer a prévia aprovação do judiciário local por meio de sentença homologatória. E o que se executa é a sentença homologatória nacional da sentença estrangeira.4” Pois bem. Em se tratando de jurisdições concorrente, estrangeira e nacional, sobre a validade da cláusula arbitral, prevalece a sentença que primeiro transitou em julgado, nesse caso, a sentença estrangeira.
Abre parênteses para ressaltar que, no caso, há a preservação do princípio da Kompetenz Kompetenz, instituto no qual todo árbitro tem competência para analisar sua própria competência. O princípio basilar do Kompetenz Kompetenz, consagrado nos arts. 8 e 20 da Lei de Arbitragem, estabelece ser o próprio árbitro quem decide, com prioridade em relação ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, a validade ou a eficácia do contrato que contém cláusula compromissória. Como regra, diz-se, então, que a celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio da Kompetenz Kompetenz).
Retomando. No entanto, o STJ não homologou em parte na sentença estrangeira no que cabia a desistência, sob sanção, da ação anulatória movida no Brasil, dada a preservação da concorrência de jurisdição, afastando, portanto, a renúncia.
Em resumo: transitando em julgado primeiro do que o acórdão proferido no Brasil, o STJ entendeu que a sentença estrangeira deveria ser parcialmente homologada. E, sendo assim, não há como a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul impeça a homologação da sentença arbitral, ou melhor, a homologação parcial da sentença arbitral estrangeira sobre os vícios da cláusula arbitral objeto da referida sentença uma vez que esta transitou em julgado em momento anterior à proferida no Brasil. Inclusive, a decisão em comento toma como apoio os arts. 37 a 39 da Le nº 9.307/1996 e no art. 216-C do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, a primeira sentença objeto da homologação tratou exclusivamente da competência do tribunal arbitral e a segunda ratificou a conclusão para examinar as questões decorrentes dos contratos e o acolhimento da tese sobre a cláusula compromissória. Isto é, não cabe se debruçar sobre o mérito por força do art. 485, VII do Código de Processo Civil, in verbis: O juiz não resolverá o mérito quando: acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência. Ou seja, a apreciação do STJ é meramente delibatória, sendo vedado adentrar no mérito, motivo pela qual foi negado provimento ao recurso uma vez que o reexame do conteúdo extrapola os limites do Juízo.
A TECMED sustenta em suas razões que no contrato havia apenas cláusula compromissória, e não um compromisso arbitral, cuja disposição foi imposta em contrato de adesão. Quanto a isso, nos termos do art. 4º, § 2º, da lei 9.307/965, nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Não existindo manifestação expressa quanto aceitação à convenção de arbitragem, e deixando de juntar o contrato de adesão assinado para comprovar a anuência expressa da contratante com a cláusula de arbitragem, não há como se reconhecer a eficácia da referida cláusula, estabelecendo flagrante desvantagem.
Além disso, não obstante o desfecho do REsp 1.015.194-RS, que não conheceu do recurso especial interposto contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a Corte Especial (SEC 854/EX) reconheceu que, no caso posto, a sentença estrangeira que apreciou a controvérsia acerca da competência do Tribunal arbitral para dirimir as questões relativas aos contratos em que envolvidas as partes, transitou em julgado primeiro que o acórdão proferido no Brasil, razão pela qual deveria ser parcialmente homologada.
Ademais, cabe destacar que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal não impede a renúncia das partes à submissão da questão litigiosa à apreciação judicial, antes de exaurir a instância arbitral. Sendo assim, estando a vontade das partes manifesta na cláusula compromissória, permitir o seu suprimento judicial equivaleria a admitir a invalidação da vontade bilateral dos litigantes, o que somente é admissível nas hipóteses de cláusulas abusivas ou ilegais.
Outrossim, conforme prevê o art. 31 da legislação em comento, a sentença arbitral produzirá entre as partes os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo assim, a arbitragem, através da prolação do ato sentencial, extingue a controvérsia existente entre os contratantes que a elegeram, produzindo os efeitos da coisa julgada entre eles. A sentença arbitral é título executivo judicial (CPC, art. 475-N, IV), o que significa dizer que quando impuser condenação de obrigação por quantia certa a sua satisfação observará o procedimento de cumprimento de sentença previsto nos arts. 475-I e seguintes do Código de Processo Civil, com as alterações da lei 11.232/2005.
Cabe salientar que o ajuste de arbitragem como forma de solução de controvérsias impede o Poder Judiciário de se pronunciar sobre o aspecto meritório da celeuma, acarretando, via de consequência, a extinção do processo sem resolução de mérito com fundamento no art. 267, VII, do Código de Processo Civil. Entretanto, esta preliminar não pode ser examinada de ofício pelo juiz, devendo aguardar eventual provocação do réu conforme dispõe o art. 301, inciso IX, § 4º do mesmo diploma processual.
Isto é, caso anule a sentença arbitral, o juiz estatal não poderá proferir nova decisão de mérito, restringindo-se sua atividade à averiguação ou não de qualquer invalidade e, se possível, devolvendo o conflito ao conhecimento do árbitro. Se não for mais viável a arbitragem, anula-se a sentença e aguarda-se que as partes tragam o conflito ao Poder Judiciário.
Por fim, insta concluir que, apesar de pontuais desavenças, o rito da arbitragem guarda, em si, como característica inerente, a flexibilidade, o que tem o condão, a um só tempo, de adequar o procedimento à causa posta em julgamento, segundo as suas particularidades, bem como às conveniências e às necessidades das partes, reduzindo, por consequência, eventuais diferenças de cultura processual própria dos sistemas judiciais adotados em seus países de origem.
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1 É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
2 Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.
3 É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
4 MAGALHÃES, José Carlos. Os laudos arbitrais proferidos com base no Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias. In Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicação, 2003, p. 77.
5 “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”