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O pagamento de prêmios aos empregados e a solução de consulta 151/19

Com relação à liberalidade, a RFB, como visto, acolheu o entendimento de que ela (liberalidade) só está presente na ausência de qualquer obrigação legal ou ajuste expresso entre tais partes.

25/11/2022

O tema não é novo, tampouco a Solução de Consulta Cosit 151/19, entretanto, sempre é salutar retomarmos os conceitos que circundam os pagamentos variáveis previstos em nosso ordenamento.

No presente texto trataremos dos pagamentos classificados como “prêmio”.

O § 2º do art. 457 da lei 13.407/17 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) apontou que os prêmios “não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.”

Enquanto, o § 4º do art. 457 da CLT trouxe a “liberalidade” e o “desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades” como características intrínsecas para que determinados pagamentos sejam classificados como prêmio.

Dentro deste contexto, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Coordenação-Geral de Tributação, expediu a Solução de Consulta 151, de 14/05/19, manifestando sua opinião sobre os requisitos para a caracterização jurídica do prêmio:

“Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: (1) são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos ao segurados contribuintes individuais; (2) não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; (3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e (4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado.”

Com exceção do item (2), os demais expressam uma compreensão mais restritiva do conceito de prêmio e são estes os pontos objeto do presente estudo.

Com relação à liberalidade, a RFB, como visto, acolheu o entendimento de que ela (liberalidade) só está presente na ausência de qualquer obrigação legal ou ajuste expresso entre tais partes.

Portanto, para a RFB estar-se-ia perante um prêmio tão-somente quando o empregador decidisse, inesperadamente, entregar certos valores aos beneficiados, que não poderiam ter qualquer expectativa nesse sentido, ou mesmo guiar a prática de suas funções com a esperança de receber algo além das verbas trabalhistas obrigatórias.

Logo, mesmo a existência de uma política interna de premiação, estabelecida pelo empregador livremente, sem qualquer imposição de lei, contrato, convenção ou acordo, inviabilizaria a caracterização jurídica do prêmio não tributável pela contribuição previdenciária. Isso porque, para a RFB, a previsão de uma política interna conhecida (regulamento da empresa) retiraria a liberalidade a partir desse momento.

Em nossa opinião, a Administração Fiscal Federal equivoca-se ao acolher a compreensão mais restritiva possível de norma que afasta a tributação. No caso, ela o faz a ponto de frustrar objetivo da lei. 

Isso porque não vemos razão para desconsiderar a alternativa de que o requisito de liberalidade também está presente quando a empresa, não tendo obrigação de fazê-lo, estabelece e divulga uma política interna de premiação, com a qual se compromete a partir desse momento e pela duração prevista a premiar os funcionários que tiverem desempenho superior ao esperado. Ela não estava obrigada a fazê-lo e nem o funcionário tinha direito a exigi-lo. O fez por decisão própria, por liberalidade, para estimular o trabalho mais eficiente, de modo a render ganhos para ambos – empresa e funcionário –, dentro da relação cooperativa, de maior proximidade e harmonia entre as partes da relação de trabalho, mencionada no início desta reflexão e que inspirou ao menos parte da lei 13.467/17.

Com efeito, a liberalidade ocorre quando é criada e divulgada a política interna de premiação. E tanto há liberalidade que o funcionário não tinha e não adquire direito a ela. A política de premiação é “concedida” (termo utilizado no § 4º do art. 457 da CLT). ou seja, a concessão é em caráter precário, sem obrigação de um lado, nem direito de outro.

Sendo assim, a liberalidade pode estar no momento da concessão da política de premiação e não somente no momento da entrega, em si, do bem, serviço ou valor em dinheiro, que materializa o ganho do prêmio.

Enquanto, com relação ao “(...) desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, trata-se de previsão que, além de sua função de conceituar, procura evitar o abuso e até a fraude, consistente em remunerar o empregado, a título de prêmio não tributável, pelo exercício normal/ordinário de suas atividades.

Ora, contrata-se um empregado para que exerça certas funções e espera-se que o faça adequadamente. Trata-se da prestação envolvida no contrato de trabalho. Como contraprestação, há o salário, a remuneração. Logo, é manifestamente errado pretender remunerar o trabalho normalmente/ordinariamente esperado com título de prêmio. Se isso é feito, na verdade (em substância) o valor pago não é prêmio, é salário.

Portanto, ao exercer “desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, o empregado vai além de suas funções, realiza aquilo que não é dele “esperado” e, por decorrência, o valor pago pela empresa por essa “razão” não se qualifica como salário/remuneração, mas como prêmio. Daí que, tal como o empregado não é obrigado a desempenhar algo além do que lhe era esperado, também o empregador não tem obrigação de lhe conceder o prêmio (caracterizando a liberalidade).

Por outro lado, a Solução de Consulta parece extrapolar quando menciona a comprovação “objetiva” de qual seria o desempenho esperado                                                                                                                                                           e o quanto ele foi superado. Deve haver cautela neste ponto, principalmente no que diz respeito à avaliação do desempenho de executivos, calcada em componentes subjetivos, inerentes, inafastáveis que diferem da apuração do desempenho do operário de uma fábrica, cujos colegas ordinariamente produzem certa quantidade de produtos, e outro tem um rendimento numericamente superior.

Enquanto, com relação ao não oferecimento à tributação da contribuição previdenciária apenas dos prêmios pagos a segurados empregados, não alcançando aqueles aos segurados contribuintes individuais, entre os quais diretores não empregados de pessoas jurídicas, a Solução de Consulta limita-se às previsões contidas na legislação trabalhista (CLT), restritas à relação entre empregador e empregado e deixa à margem a previsão contida na Lei da Previdência Social  8.212/1991, a qual expressamente exclui os prêmios do salário-de-contribuição, base de cálculo dos segurados contribuintes individuais, como diretores não empregados, o que não nos parece ser o entendimento mais acertado.

Com relação à posição sobre o tema nos Órgãos Julgadores das searas administrativa e judicial, em que pese se tratar de matéria fática, ou melhor, cada caso é analisado conforme suas particularidades, é possível extrair características comumente enaltecidas na caracterização de pagamentos como prêmios.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, (CARF) entendeu pela não integração, ao salário de contribuição, do pagamento de valores como premiação por ideias fornecidas pelos segurados-empregados, aprovadas pela empresa.

Na oportunidade, o CARF ponderou que a ausência do caráter contraprestacional de tempo à disposição do empregado afastou incidência da contribuição previdenciária sobre os pagamentos realizados a título de prêmio (Precedente: acórdão 2201­004.072 da 2ª Câmara do CARF, sessão de 05/02/18).

No Judiciário, pagamentos variáveis como bônus, prêmios, gratificações abonos, comissões não podem estar revestidos de habitualidade (Precedente: Apelação Cível 0001227-91.2018.4.03.6105, TRF 3ª Região, julgamento em 22/08/22).

Além da ausência da habilidade, o Judiciário elege a liberalidade como fator determinante para caracterização dos pagamentos variáveis como prêmios (Precedente: Apelação Cível/Remessa Necessária 0002053-72.2017.4.03.6002, TRF 3ª Região, julgamento em 21/10/21).

Do exposto, a aplicação da política de pagamentos variáveis, dentre eles o prêmio, é o que move as atuais relações de trabalho, caracterizadas pelo cooperativismo e parceria entre empregador e empregado, em substituição a parâmetros hierárquicos rígidos, sendo inevitável que um tema como esse acarrete dúvidas, que aos poucos devem ser superadas.

Cristina Caltacci
Advogada associada do Velloza Advogados.

Newton Domingueti
Sócio do Velloza Advogados.

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