O tema não é novo, tampouco a Solução de Consulta Cosit 151/19, entretanto, sempre é salutar retomarmos os conceitos que circundam os pagamentos variáveis previstos em nosso ordenamento.
No presente texto trataremos dos pagamentos classificados como “prêmio”.
O § 2º do art. 457 da lei 13.407/17 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) apontou que os prêmios “não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.”
Enquanto, o § 4º do art. 457 da CLT trouxe a “liberalidade” e o “desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades” como características intrínsecas para que determinados pagamentos sejam classificados como prêmio.
Dentro deste contexto, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Coordenação-Geral de Tributação, expediu a Solução de Consulta 151, de 14/05/19, manifestando sua opinião sobre os requisitos para a caracterização jurídica do prêmio:
“Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: (1) são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos ao segurados contribuintes individuais; (2) não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; (3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e (4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado.”
Com exceção do item (2), os demais expressam uma compreensão mais restritiva do conceito de prêmio e são estes os pontos objeto do presente estudo.
Com relação à liberalidade, a RFB, como visto, acolheu o entendimento de que ela (liberalidade) só está presente na ausência de qualquer obrigação legal ou ajuste expresso entre tais partes.
Portanto, para a RFB estar-se-ia perante um prêmio tão-somente quando o empregador decidisse, inesperadamente, entregar certos valores aos beneficiados, que não poderiam ter qualquer expectativa nesse sentido, ou mesmo guiar a prática de suas funções com a esperança de receber algo além das verbas trabalhistas obrigatórias.
Logo, mesmo a existência de uma política interna de premiação, estabelecida pelo empregador livremente, sem qualquer imposição de lei, contrato, convenção ou acordo, inviabilizaria a caracterização jurídica do prêmio não tributável pela contribuição previdenciária. Isso porque, para a RFB, a previsão de uma política interna conhecida (regulamento da empresa) retiraria a liberalidade a partir desse momento.
Em nossa opinião, a Administração Fiscal Federal equivoca-se ao acolher a compreensão mais restritiva possível de norma que afasta a tributação. No caso, ela o faz a ponto de frustrar objetivo da lei.
Isso porque não vemos razão para desconsiderar a alternativa de que o requisito de liberalidade também está presente quando a empresa, não tendo obrigação de fazê-lo, estabelece e divulga uma política interna de premiação, com a qual se compromete a partir desse momento e pela duração prevista a premiar os funcionários que tiverem desempenho superior ao esperado. Ela não estava obrigada a fazê-lo e nem o funcionário tinha direito a exigi-lo. O fez por decisão própria, por liberalidade, para estimular o trabalho mais eficiente, de modo a render ganhos para ambos – empresa e funcionário –, dentro da relação cooperativa, de maior proximidade e harmonia entre as partes da relação de trabalho, mencionada no início desta reflexão e que inspirou ao menos parte da lei 13.467/17.
Com efeito, a liberalidade ocorre quando é criada e divulgada a política interna de premiação. E tanto há liberalidade que o funcionário não tinha e não adquire direito a ela. A política de premiação é “concedida” (termo utilizado no § 4º do art. 457 da CLT). ou seja, a concessão é em caráter precário, sem obrigação de um lado, nem direito de outro.
Sendo assim, a liberalidade pode estar no momento da concessão da política de premiação e não somente no momento da entrega, em si, do bem, serviço ou valor em dinheiro, que materializa o ganho do prêmio.
Enquanto, com relação ao “(...) desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, trata-se de previsão que, além de sua função de conceituar, procura evitar o abuso e até a fraude, consistente em remunerar o empregado, a título de prêmio não tributável, pelo exercício normal/ordinário de suas atividades.
Ora, contrata-se um empregado para que exerça certas funções e espera-se que o faça adequadamente. Trata-se da prestação envolvida no contrato de trabalho. Como contraprestação, há o salário, a remuneração. Logo, é manifestamente errado pretender remunerar o trabalho normalmente/ordinariamente esperado com título de prêmio. Se isso é feito, na verdade (em substância) o valor pago não é prêmio, é salário.
Portanto, ao exercer “desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”, o empregado vai além de suas funções, realiza aquilo que não é dele “esperado” e, por decorrência, o valor pago pela empresa por essa “razão” não se qualifica como salário/remuneração, mas como prêmio. Daí que, tal como o empregado não é obrigado a desempenhar algo além do que lhe era esperado, também o empregador não tem obrigação de lhe conceder o prêmio (caracterizando a liberalidade).
Por outro lado, a Solução de Consulta parece extrapolar quando menciona a comprovação “objetiva” de qual seria o desempenho esperado e o quanto ele foi superado. Deve haver cautela neste ponto, principalmente no que diz respeito à avaliação do desempenho de executivos, calcada em componentes subjetivos, inerentes, inafastáveis que diferem da apuração do desempenho do operário de uma fábrica, cujos colegas ordinariamente produzem certa quantidade de produtos, e outro tem um rendimento numericamente superior.
Enquanto, com relação ao não oferecimento à tributação da contribuição previdenciária apenas dos prêmios pagos a segurados empregados, não alcançando aqueles aos segurados contribuintes individuais, entre os quais diretores não empregados de pessoas jurídicas, a Solução de Consulta limita-se às previsões contidas na legislação trabalhista (CLT), restritas à relação entre empregador e empregado e deixa à margem a previsão contida na Lei da Previdência Social 8.212/1991, a qual expressamente exclui os prêmios do salário-de-contribuição, base de cálculo dos segurados contribuintes individuais, como diretores não empregados, o que não nos parece ser o entendimento mais acertado.
Com relação à posição sobre o tema nos Órgãos Julgadores das searas administrativa e judicial, em que pese se tratar de matéria fática, ou melhor, cada caso é analisado conforme suas particularidades, é possível extrair características comumente enaltecidas na caracterização de pagamentos como prêmios.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, (CARF) entendeu pela não integração, ao salário de contribuição, do pagamento de valores como premiação por ideias fornecidas pelos segurados-empregados, aprovadas pela empresa.
Na oportunidade, o CARF ponderou que a ausência do caráter contraprestacional de tempo à disposição do empregado afastou incidência da contribuição previdenciária sobre os pagamentos realizados a título de prêmio (Precedente: acórdão 2201004.072 da 2ª Câmara do CARF, sessão de 05/02/18).
No Judiciário, pagamentos variáveis como bônus, prêmios, gratificações abonos, comissões não podem estar revestidos de habitualidade (Precedente: Apelação Cível 0001227-91.2018.4.03.6105, TRF 3ª Região, julgamento em 22/08/22).
Além da ausência da habilidade, o Judiciário elege a liberalidade como fator determinante para caracterização dos pagamentos variáveis como prêmios (Precedente: Apelação Cível/Remessa Necessária 0002053-72.2017.4.03.6002, TRF 3ª Região, julgamento em 21/10/21).
Do exposto, a aplicação da política de pagamentos variáveis, dentre eles o prêmio, é o que move as atuais relações de trabalho, caracterizadas pelo cooperativismo e parceria entre empregador e empregado, em substituição a parâmetros hierárquicos rígidos, sendo inevitável que um tema como esse acarrete dúvidas, que aos poucos devem ser superadas.