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Jabuti na árvore: Novo regime da prescrição intercorrente e o enfraquecimento do direito do credor

A conversão na lei federal 14.195/2021, trouxe uma mudança importantíssima no tema da prescrição intercorrente, com impacto negativo nos direitos dos credores, sobretudo nos processos de execução que já se encontravam em andamento à época da referida conversão.

22/11/2022

No âmbito legislativo, a expressão “jabuti” representa a inserção dentro de uma proposta legislativa de um tema sem qualquer relação com o texto original. Com esse tipo de manobra, muitas vezes sob o manto da aprovação de uma lei específica, o Poder Legislativo cria, exclui ou altera outros direitos, sem que haja o devido debate.

E foi por meio de um “jabuti” que no ano de 2021, o Congresso Nacional, ao converter em lei a Medida Provisória 1.040/21 que tratava da facilitação da abertura de empresas e proteção a acionistas minoritários, fez uma significativa alteração sobre o tema da prescrição.

Tal Medida Provisória fazia apenas uma referência à prescrição intercorrente com a intenção de positivar uma definição dada pela Súmula nº 150 do Supremo Tribunal Federal de que “a prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão”.

No entanto, a conversão na Lei Federal 14.195/21, trouxe uma mudança importantíssima no tema da prescrição intercorrente, com impacto negativo nos direitos dos credores, sobretudo nos processos de execução que já se encontravam em andamento à época da referida conversão.

Sem adentrar na duvidosa constitucionalidade de modificação de Lei Complementar por Lei Ordinária, a principal alteração da Lei Federal 14.195/21, quanto à prescrição intercorrente, foi a modificação do termo inicial de sua contagem no curso do processo.

Anteriormente, não localizados bens do devedor, o processo de execução era suspenso por um ano, sendo que apenas no caso de não haver manifestação do credor durante esse período é que se iniciava a contagem do prazo da prescrição intercorrente.

Com a referida alteração legislativa, o termo inicial da prescrição intercorrente passou a ser a simples ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis.

Com isso, a dúvida que surge é sobre a aplicação do referido dispositivo legal aos processos em curso, uma vez que em muitos deles pode ter ocorrido o decurso do prazo prescricional antes mesmo da data de promulgação da Lei Federal  14.195/21.

A despeito de o seu art. 58, inciso V indicar que a alteração introduzida “produzirá efeitos” na data da sua publicação, tal determinação não deveria ser aplicada imediatamente aos processos já ajuizados.

Tratando-se de instituto  de direito material, a prescrição não deveria retroagir a atos processuais anteriores à data da publicação da referida lei (26.08.21), sob pena de violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da irretroatividade (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal).

Da mesma forma, ainda que se considere a natureza mista da norma, o art. 14 do Código de Processo Civil é claro no sentido de que “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

Importante relembrar que no caso específico de redução de prazo prescricional, o Supremo Tribunal Federal já editou a Súmula 445 em que expressamente afirma que a lei que reduz prazo prescricional é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência, “salvo quanto aos processos então pendentes”.

Dessa forma, é defensável que o termo inicial para cômputo do prazo de prescrição intercorrente para processos ajuizados antes publicação da referida lei somente deveria ser considerado para os atos processuais ocorridos depois dessa data.

Destaca-se que quando da inserção ao ordenamento jurídico do instituto da prescrição intercorrente pelo Código Civil de 2015, ficou consignado expressamente que deverá ser considerado como termo inicial do prazo da prescrição “inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código” (art. 1.056 do Código de Processo Civil).

Em comentários ao referido dispositivo legal, Guilherme Kronemberg Hartmann1 ressalta que “sem açodamento, e em prol da segurança jurídica, o legislador fez inclusão de tal regramento transitório, quanto ao termo inicial do prazo prescricional, sendo relevante relatar seu traço heterotópico, de direito material”.

Dessa forma, aplicando-se a inteligência do referido dispositivo legal, no caso de alteração do conteúdo dessa mesma norma, o termo inicial do prazo prescricional deveria ser considerado, no mínimo, como a “data de vigência” da nova lei, ou seja, 26.08.2021.

Esse entendimento se demonstra mais adequado a salvaguardar os direitos dos credores, sobretudo, nos processos de execução já em curso, muitos dos quais simplesmente têm sido declarados extintos pela aplicação da indigitada prescrição intercorrente, para a ingrata surpresa de inúmeros e insatisfeitos credores.

Com mais esse “jabuti” que à sorrelfa alçou a copa da árvore, a tarefa dos credores que já era árdua, especialmente com as maléficas táticas de “blindagem patrimonial” utilizadas indiscriminadamente pelos devedores, agora torna-se hercúlia, e a aplicação desarrazoada da novel prescrição intercorrente certamente levará ao caminho da indesejada inefetividade da prestação jurisdicional.

___________________

1 HARTMANN, Guilherme Kronemberg, Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, 2016, Editora Forense, p. 1.585

Eduardo Costa
Escritório Lopes Muniz Advogados

Daniel Heidrich
Escritório Lopes Muniz Advogados

Julio Morais
Escritório Lopes Muniz Advogados

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