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Reflexos contratuais da “cessão” do direito de imagem de atletas profissionais em jogos eletrônicos

Para a exploração de direitos de personalidade é imprescindível a licença/autorização de seus titulares e, o direito de imagem, como tal, deve ser respeitado e circunscrito aos limites contratuais estabelecidos nos instrumentos celebrados.

21/11/2022

O entretenimento em sua modalidade virtual, a cada dia, ganha mais capilaridade. É fato que, especialmente durante o período de isolamento imposto pela pandemia do COVID19, houve um significativo crescimento do entretenimento no setor de jogos eletrônicos (games).

Segundo informações constantes no site da Revista Veja, a Pesquisa Game Brasil (PGB) identificou que “72,2% dos gamers brasileiros afirmam terem jogado mais durante o período, e 57,9% marcaram mais sessões de partidas online com amigos quando ficavam em casa”1. E, nesse contexto, no Brasil, o consumo de jogos envolvendo esportes se destaca, particularmente daqueles relacionados ao futebol, como, por exemplo, o game denominado FIFA.

Para a exploração de direitos de personalidade é imprescindível a licença/autorização de seus titulares e, o direito de imagem, como tal, deve ser respeitado e circunscrito aos limites contratuais estabelecidos nos instrumentos celebrados.

Os direitos da personalidade são protegidos pela Constituição Brasileira de 1988 no âmbito do artigo 5º, dentre os quais, destacamos, os direitos de imagem, constantes nos incisos V, X e XXVIII, “a”2, da referida Carta Magna.

O Código Civil, em seu art. 203, também abriga a proteção à imagem das pessoas, senão vejamos:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)”.

E, ainda, a popularmente conhecida como “Lei Pelé” - lei 9.615, de 24 de março de 1998 4 dispõe que:

“Art. 87-A.  O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.(Incluído pela lei 12.395, de 2011).

Parágrafo único.  Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.”   

Assim, não restam dúvidas de que os direitos de imagem dos atletas profissionais são protegidos, portanto não podendo ser objeto de utilização/exploração sem as devidas licenças e autorizações.

Insta esclarecer que o direito de imagem abordado neste artigo não se confunde com o direito de arena das entidades de prática desportiva/clubes e que consiste “na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem”, nos termos do disposto no art. 42 da Lei Pelé 5;  

O direito de imagem, pela própria natureza de direito personalíssimo, em tese, não nos parece que poderia ser efetivamente “cedido”, eis que a cessão tem caráter definitivo, mas apenas ter sua utilização/exploração temporariamente licenciada ou autorizada. O fato é que a Lei Pelé menciona, no referido art. 87, que tal direito poderá ser “cedido” ou explorado e, na prática, em muitos instrumentos jurídicos celebrados entre os atletas profissionais e as entidades de práticas desportivas/clubes, consta o termo “cessão” pelo prazo de vigência dos contratos.

O uso de tal terminologia não nos parece o mais apropriado, uma vez que levaria a crer que os atletas profissionais estariam privados de exercer o controle sobre a utilização/exploração de sua imagem. Assim, a depender do que estiver pactuado no contrato firmado, necessitarão da anuência de tais entidades de práticas desportivas/clubes nos instrumentos que celebrarem de forma autônoma com terceiros ou da respectiva autorização expressa daqueles em Termo apartado a fim de não incorrerem em possíveis violações que possam ensejar a aplicação de multa, sem prejuízo de eventuais perdas e danos cabíveis.

Por força de tal “cessão” é cada vez mais comum, a depender das disposições contratuais específicas de cada caso, as entidades de práticas desportivas, além de possuírem a legitimidade para negociar com terceiros (emissoras de televisão aberta, por assinatura, plataformas na internet, patrocinadores, parceiros, apoiadores etc.) os direitos de imagem dos atletas profissionais em jogos presenciais (em estádios, ginásios, eventos desportivos etc.), terem a legitimidade para negociar a utilização das imagens daqueles em jogos eletrônicos e outras modalidades. Em breve, provavelmente também abarcarão a exploração no denominado “metaverso”.

A representação, a reprodução e a transmissão/retransmissão de suas imagens, rostos e demais atributos da personalidade em jogos eletrônicos pode se dar através de desenhos, ilustrações ou escaneamentos por meio de recursos computacionais como, por exemplo, animação em 2D, 3D, realidade aumentada, vídeos 360º etc. E, para que não restem dúvidas sobre as modalidades abarcadas de utilização/exploração das imagens dos atletas profissionais, o recomendado é que estejam previstas de forma discriminada nos contratos celebrados. Em nosso entendimento, não se afiguraria razoável utilizar-se de uma interpretação extensiva das modalidades contratuais previstas, em razão do direito de imagem ter natureza personalíssima.

Um caso internacional que repercutiu na mídia, segundo noticiado pelo sítio Observatório de Games1 ,envolveu a utilização da imagem do jogador Zlatan Ibrahimovic, no game FIFA 21, tendo o EA (Eletronic Arts), se pronunciado no seguinte sentido:

“EA SPORTS FIFA é o jogo virtual de futebol líder mundial e, para criar uma experiência de futebol autêntica ano após ano, trabalhamos com várias ligas, times e talentos individuais para garantir os direitos de utilizar a imagem dos jogadores e incluí-los em nosso jogo. Um deles é o relacionamento de longa data com o representante global dos jogadores profissionais de futebol, a FIFPro, que se associa à diversos licenciadores para negociar acordos que beneficiem os jogadores e seus sindicatos”. (EA Sports FIFA 21 explica sobre o uso de direito de imagens de Zlatan Ibrahimovic - Por Alan UemuraPublicado em 25. 11.2020 - Disponível em:

https://observatoriodegames.uol.com.br/destaque/ea-sports-fifa-21-explica-sobre-o-uso-de-direito-de-imagens-de-zlatan-ibrahimovic -  Acesso em 04.11.2022.

Uma ponderação a ser feita, ainda, é a eventual associação das imagens de tais atletas a perfis comportamentais de seus personagens distorcidos da realidade e os respectivos riscos de danos reputacionais àqueles, o que pode vir a ensejar o pleito de indenização.

Assim, a substituição do termo “cessão” por “licença” e a inclusão de cláusulas que estabeleçam a necessidade de aprovação prévia dos atletas (por meio de Termo apartado ou mediante a celebração de Termo Aditivo) de suas representações sob a forma de personagens, avatares etc. em jogos eletrônicos ou outras modalidades de exploração de suas imagens não previstas no contrato, são medidas preventivas e salutares.

Em nosso entendimento, o fato de contratos de atletas profissionais conterem o termo “cessão de direitos de imagem” a fim de proporcionar maior amplitude de utilização pelas entidades de práticas desportivas/clubes não significa um salvo conduto para que estas explorem comercialmente as imagens daqueles de forma livre e ilimitada em jogos eletrônicos ou outras modalidades, salvo se houver disposição expressa nesse sentido. Do contrário, os excessos podem ser questionados em sede judicial.

______________

1 - “Pandemia fortalece e consolida presença dos jogos eletrônicos no Brasil” - por Alessandro Giannini. Publicado em 18 abril de 2022. Disponível em https://veja.abril.com.br/comportamento/pandemia-fortalece-e-consolida-presenca-dos-jogos-eletronicos-no-brasil/ - Acesso em 02.11.2022.

2 -  “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a)  a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;” - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm - Acesso em 03 de novembro de 2022.

3 - Art.20 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm - Acesso em 03.11.2022.

4 -  Art. 87, A, e parágrafo único da Lei 9.615, de 24 de março de 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm - Acesso em 03.11.2022.

5 -  “Art. 42.  Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).”  - Lei 9.615, de 24 de março de 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm - Acesso em 03.11.2022.

6 - “EA Sports FIFA 21explica sobre o uso de direito de imagens de Zlatan Ibrahimovic”- por Alan Uemura. Publicado em 25.11.2020 – Observatório de Games - Disponível em

https://observatoriodegames.uol.com.br/destaque/ea-sports-fifa-21-explica-sobre-o-uso-de-direito-de-imagens-de-zlatan-ibrahimovic -  Acesso em 04.11.2022.

Daniela Colla
Sua prática é voltada especificamente para Direitos Autorais, Direito do Entretenimento e Direito Eletrônico. Com mais de 15 anos de experiência, sua atuação envolve assessoria jurídica consultiva e contenciosa para diferentes segmentos da Economia Criativa, como a Música, o Audiovisual, as Artes Cênicas, Jogos Eletrônicos e Esportes.

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