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EPP’s e ME’s como princípio constitucional da atividade econômica nacional com acesso aos mercados

O tratamento diferenciado surgiu, portanto, para minimizar os efeitos da desigualdade social, para fomentar o empreendedorismo, incentivar os pequenos negócios a se inserirem no mercado.

22/11/2022

Embora a lei 7.256/84 tenha sido editada para estabelecer normas integrantes do Estatuto da Microempresa, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 se evidenciou no país a grande preocupação com a igualdade, desenvolvimento, direitos individuais e sociais da população.

E como forma de valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, buscando assegurar a todos uma existência digna, estabeleceu-se no art. 170, da CF/88, os princípios norteadores da atividade econômica, dentre eles, a livre concorrência, redução das desigualdades regionais e sociais, busca pelo pleno emprego e, especialmente, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no Brasil.

O art. 179, da Constituição Federal, por sua vez, reforçou que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão dispensar às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

O tratamento diferenciado surgiu, portanto, para minimizar os efeitos da desigualdade social, para fomentar o empreendedorismo, incentivar os pequenos negócios a se inserirem no mercado, gerando, assim, mais emprego e renda.  Por tal razão, implementou-se a redução da burocracia - muitas vezes sufocante aos que não possuem grande infraestrutura - além da diminuição da carga tributária e trabalhista, acesso facilitado a crédito e ainda, preferência e privilégios quando o assunto é aquisição de bens e serviços pelo Poder Público.

Trata-se, portanto, de direito constitucionalmente garantido, cujo cumprimento deve ser exigido e utilizado por todos aqueles que se enquadram como ME (microempresa), EPP (empresa de pequeno porte) e MEI (microempreendedor individual).  E, ao contrário do que muitos acreditam, não há que se falar em ofensa o princípio da isonomia, até porque, a ideia é justamente essa, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida exata de suas desigualdades.

Dito isso, diante da necessidade de colocar em prática as regras constitucionais sobre o favorecimento às ME’s, EPP’s e MEI’s, e diante da timidez da lei  8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) sobre o assunto, fez-se necessária a instituição de um regramento próprio, daí a edição do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte - nossa conhecida LC nº 123/06 - que além dos benefícios de ordem tributária, trabalhista e creditícia, trouxe capítulo específico para tratar de acesso aos mercados, corroborando a intenção de estimular a inserção das micro e pequenas empresas nas compras/contratações públicas.

Cabe lembrar que fazem parte do rol de privilégios concedidos às ME’s, EPP’s e MEI’s, a possibilidade de regularizar eventual pendência fiscal e trabalhista em momento posterior à sessão, seja do pregão ou da concorrência, além da observância da regra do empate ficto, que nada mais é do que a hipótese de considerar empatadas as propostas apresentadas por microempresas e empresas de pequeno porte e as demais, quando a diferença de valor estiver dentro dos limites preestabelecidos, quais sejam, na modalidade pregão, o intervalo percentual estabelecido de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.  Para as demais modalidades, como a concorrência, esse limite sobe para valor igual ou até 10% (dez por cento) superior à proposta mais bem classificada. 

Em sendo identificado o empate ficto, a ME, EPP ou MEI mais bem classificado poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação que lhe garantirá a adjudicação do objeto licitado.

Além da prerrogativa de regularização tardia de certidões fiscais e trabalhistas e do empate ficto, às ME’s, EPP’s e MEI’s são destinadas as chamadas licitações diferenciadas, que englobam a licitação exclusiva, na qual a Administração Pública realizará processo licitatório destinado exclusivamente à sua participação nos itens de contratação com valores de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), bem como, a licitação com cota exclusiva ou cota reservada.  Nesse último caso, a Administração Pública deverá estabelecer nas licitações com valores superiores a R$ 80.000,00 e para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do respectivo objeto para a contratação de ME’s, EPP’s e MEI’s.

Contudo, apesar da LC 123/06 ter estabelecido as vantagens da licitação exclusiva e cota reservada, necessário destacar que um dos principais objetivos a ser perseguido na licitação pública é o da competitividade, razão pela qual, a própria LC 123 estabeleceu as hipóteses nas quais esses benefícios não incidirão, como por exemplo, quando não houver no mínimo 03 (três) potenciais fornecedores (competitivos) enquadrados como ME, EPP ou MEI, sediados no local ou regionalmente. Outra situação impeditiva, em que a Administração poderá, justificadamente, não aplicar os benefícios legais é quando não se revelar vantajoso para a Administração Pública, ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

Por falar em fornecedores locais, outra grande oportunidade é a prioridade de contratação para as ME’s, EPP’s e MEI’s sediados local ou regionalmente até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido. 

Essa previsão autoriza que, após a fase competitiva, se a classificação apontar que a empresa inicialmente considerada vencedora não pertence ao município licitante, o Órgão responsável pela licitação poderá convocar a microempresa, empresa de pequeno porte ou microempreendedor individual sediado localmente, com proposta igual ou de até 10% (dez por cento) acima do lance inicialmente considerado vencedor, dando-lhe a oportunidade de cobrir o valor e ser declarado vencedor. 

Mas atenção, a aplicação desse benefício, inclusive o percentual de prioridade, limitado a 10% (dez por cento) precisa estar previsto no Edital e ser devidamente motivado.  Lembrando que essa situação específica se insere no chamado poder discricionário do Poder Público, e não uma imposição legal.

Mas, e com a entrada em vigor da nova Lei de Licitações e Contratos (lei  14.133/21), como fica o tratamento diferenciado previsto na LC nº 123/06?

Permanece inalterado, de acordo com o disposto no art. 4º, caput, da lei 14.133/21, segundo o qual, aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por ela, as disposições constantes dos arts. 42 a 49, da lei complementar 123/06, que versam exatamente sobre os privilégios elencados acima. 

Ainda nos termos do disposto no art. 60, § 2º, da nova Lei de Licitações, que dispõe sobre os critérios de desempate, as regras ali estipuladas não prejudicarão a aplicação do art. 44, da lei complementar 123/06.

Porém, em que pese a manutenção das prerrogativas conferidas às ME’s, EPP’s e MEI’s pela LC 123/06, houve mudança significativa com a nova Lei de Licitações no que tange ao presente tema.  Os benefícios aqui tratados somente serão aplicados quando a licitação versar sobre aquisição de bens ou contratação de serviços em geral e de obras e serviços de engenharia cujo valor estimado do item for inferior ou igual à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como EPP, atuais R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).   

E ainda, só se beneficiarão dos privilégios se a soma dos contratos eventualmente firmados com a Administração Pública no ano-calendário da licitação não ultrapassar a quantia de R$ 4.800.000,00.  

A hipótese registra o que se convencionou chamar desenquadramento prévio.  Até então, ME’s, EPP’s e MEI’s poderiam participar das licitações e obter o tratamento diferido, valendo-se simplesmente do seu enquadramento e atendidos os requisitos de habilitação respectivos, inclusive e especialmente o econômico-financeiro, e a partir daí, a responsabilidade sobre o desenquadramento recaía totalmente sobre a empresa, que deveria adotar providências posteriores para tal.  Firmava-se quantos contratos fossem possíveis, sem se preocupar na verdade, com a real estrutura e fôlego para honrar os ajustes firmados com a Administração Pública. 

A partir da vigência da NLLC, só farão jus ao tratamento privilegiado quando os valores dos itens, ou do total estimado no caso das obras e serviços de engenharia, e ainda, dos contratos já firmados, forem inferiores a R$ 4.800.000,00.  Superado esse valor, a ME, EPP ou MEI poderão participar normalmente da licitação, todavia, em igualdade de condições com as demais empresas, sem olvidar das consequências no caso de descumprimento da proposta e do contrato 

Ante o exposto, restando induvidosa a contribuição das ME’s, EPP’s e MEI’s para o desenvolvimento econômico e social do país e, por conseguinte, para a redução das desigualdades, revela-se estratégico e imprescindível o incentivo legal para sua efetiva participação nas compras públicas, sem ignorar, por certo, que as regras introduzidas pelo novo marco legal para as contratações públicas visam, também, garantir a execução dos contratos e conclusão dos serviços.

Patricia Andreato Leme
Servidora pública estadual, especialista em Gestão por Excelência.

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