Migalhas de Peso

Cumulação de rito de execução de alimentos: uma busca pelo melhor interesse da criança

Um olhar alinhado com os princípios processuais civis norteadores da efetividade e celeridade acerca dos ritos executivos de alimentos.

21/11/2022

A busca pela regularização ou cobrança da pensão alimentícia é um quadro fático que vem se intensificando pelo Brasil e, mesmo com o advento da pandemia em 2020 e 2021, os processos de execução de alimentos acompanharam tal progresso. Em 2021, as ações judiciais por pensão alimentícia cresceram em média 17% no país, conforme dados lançados pelo Conselho Nacional de Justiça. Nos primeiros 8 meses do anoforam registros 22.149 pedidos de pagamento, revisão ou cancelamento de pensão alimentícia.

Normalmente, os que arcam com a aflição e penúria da falta de pagamento são as crianças e as mães que, em muitos dos casos, suportam a dificuldade decorrente da desídia. Por isso, a obrigação alimentar, não obstante seja regulamentada no Código Civil e no Código de Processo Civil, diplomas afetos ao ramo do Direito Privado, exige medidas que busquem a efetivação do direito no campo prático social, pois diante dos massivos casos, é imprescindível que o poder público ordene instrumentos eficientes que sejam aptos a auxiliar os alimentandos a receber o mínimo para seu sustento.

No que concerne ao recebimento de alimentos, conforme o princípio do melhor interesse da criança, este calcado na Constituição Federal, impera quando da aplicação da lei em seu caso prático. É inclusive o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem adotado o sentido de priorizar o melhor desenvolvimento da criança e adolescente. Nesta acepção também leciona “uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia do “tudo ou nada” (PEREIRA, 2015, p. 588-589). Portanto, resta demonstrado que existe uma clara relação com a solidariedade e à dignidade humana, princípios constitucionais. No art. 227 da Emenda Constitucional 65, de 2010, vemos de forma cristalina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à vida e à dignidade humana. Desse modo, nos casos que se torna comprovado que o alimentante depende da pensão para assegurar uma vida digna, a execução de alimentos não pode ser negligenciada, precisa ser rápida e efetiva empregando todos os recursos disponíveis.

Por este ângulo, diante da breve explicação acima, e considerando a tamanha recorrência do processo no país, vê-se a relevância e a representatividade dos preceitos constitucionais nela imbuída. Por isso, há necessidade de que a legislação preveja um mecanismo ágil, célere, eficaz para as prestações alimentícias. Como objetivo claro de atender constitucionalmente o direito a uma vida digna do alimentante, que neste caso é a satisfação do crédito.

Assim, se observam os princípios constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana quanto ao alimentando, que tem o direito de desfrutar de uma existência digna com suas necessidades básicas atendidas por aqueles que têm obrigação legal de prover seu sustento. E igualmente é necessário observar o princípio da primazia do mérito (4º, 6º, 317 e 488 NCPC), que é desdobramento daquele de índole constitucional referente à duração razoável do processo, pugna pelo alcance do mérito pelo Juiz. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

O direito à vida e à dignidade do credor de alimentos é mencionado porque muitas vezes, este não pode sobreviver sem o cumprimento da prestação. Por outro lado, se o alimentado é menor de idade, além dos princípios constitucionais aludidos podem ser invocados os dispositivos dos arts. 4º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que concretizam o princípio da proteção integral do menor, na busca do qual o Poder Judiciário tem o dever de empregar todos os meios possíveis e necessários.

Sabe-se que a obrigação alimentar nasce da relação de parentesco, da relação conjugal e do ato ilícito. No caso de parentesco, é inevitável considerar o princípio do melhor interesse da criança. Isso porque, o infante deixa de ser apenas uma posse dos pais, mas passa a ser sujeito de direito, que requer proteção integral e absoluta prioridade. Isso quer dizer que o princípio do melhor interesse, e o princípio da proteção integral devem nortear as decisões jurídicas, que independem do benefício dos pais.

Tal característica tem influência direta nas normas processuais, vez que justifica a excepcionalidade das técnicas executivas previstas para garantir o cumprimento da prestação alimentícia. Como é o caso da prisão, uma medida extrema, que mobiliza o devedor e todo seu grupo familiar.

A questão cerne acerca o fato de ter de acionar o judiciário por duas vias a fim de buscar um mesmo objetivo, a satisfação do crédito alimentício. Este inclusive, de alta valia para que o alimentando consiga ao menos sobreviver. Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 designou a possibilidade da execução dos valores por dois ritos, estes, até o ano de 2022 em autos distintos e apartados caso concomitantes. Indicando e necessitando demandar em dois processos o que um apenas poderia deliberar.

No entanto, a anterior jurisprudência se posicionava de duas formas: a primeira, que veda a utilização dos mecanismos da prisão e da penhora nos mesmos autos. Porém levando em conta a importância da execução para a dignidade do credor, e a grande massa de pedidos de execução de alimentos, imagine-se a dificuldade de se fazer dois processos diferentes para o mesmo credor com o mesmo devedor, para conseguir forçar um pagamento, responsabilidade do poder público, claramente não é algo prático, muito menos eficiente.

Nesse sentido o Min. Luís Felipe Salomão afirma que: “não se pode baralhar os conceitos de técnica executiva e procedimento executivo, pois os instrumentos executivos servem, dentro da faculdade do credor e da condução processual do magistrado, justamente para trazer eficiência ao rito procedimental”. Para Rolf Madaleno, especialista em direito de família, a prisão dos devedores é um dos mecanismos mais eficazes para a garantia do pagamento de pensão alimentícia, mas, ainda assim, há pouca efetividade do Judiciário na tramitação destes processos. Por isso é pertinente poder pedir a expropriação, para que o credor possa receber o quanto antes, a quantia necessária para sua dignidade.

A lentidão judicial e o excessivo número de recursos que o devedor pode usar dificultam a cobrança. Por isso, a segunda forma de interpretar a jurisprudência autoriza a cumulação dos meios executórios, como forma de prestigiar o credor; ficando a seu cargo cumular ou não os ritos dentro do mesmo procedimento. Por isso, a segunda forma de posicionamento considera os direitos constitucionais do credor, assim, se aproveitando as reformulações do novo Código de Processo Civil3, alguns juízes já permitem a cumulação dos ritos de prisão e expropriação, principalmente, por motivos da satisfação do credor, mas também pela eficiência do processo, otimização do procedimento e economia processual, buscando que a decisão judicial chegue a tempo e modo de permitir o recebimento e utilização do bem de vida concedido.

Se abre um precedente que permite e facilita a harmonização de dispositivos que aparentam conflitos, destaque para o princípio da dignidade humana, que, aliado aos da efetividade do mérito e do crédito, levam à percepção de que a execução de alimentos há de superar obstáculos formais e atrair resultados práticos. Assim é que o novo Código Processual se manteve atento ao desejo de que o bem de vida seja entregue à parte, se possível a tempo e modo, num só processo.

Nesse sentido, a cumulação dos ritos é uma inovação feita pelo STJ já em 2018, destaque para discussão do IRDR  0004232-43.2018.8.04.0000 4, proposto pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas, no TJAM, Crime de abandono material. Mais recentemente o Supremo Tribunal de Justiça deixou claro sua posição inovadora e favorável a cumulação na RESp 1930593/MG de agosto deste ano. Vemos, assim, a evolução de sete anos até a definitiva admissão da cumulação dos ritos de prisão e penhora na execução de alimentos, do novo CPC DE 2015 até a resolução de 2022 do STJ.

Na resolução considerou-se que a admissibilidade da cumulação se justifica pela flexibilidade procedimental, pela incidência dos princípios da economia, celeridade, eficiência e proporcionalidade, atende às exigências do bem comum e, notadamente, à dignidade do credor e, quando for o caso, do melhor interesse da criança ou do adolescente. A prioridade está no recebimento do crédito, só a prisão não basta. É importante pontuar, ainda com relação aos citados princípios da efetividade e da primazia, que o legislador, agora, elegeu como prioridade o recebimento do crédito, mitigando o rigor com que vinha sendo tratado o princípio da dignidade humana, sempre em benefício do devedor.

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1 Números coletados de janeiro a agosto de 2021, da pesquisa realizada todos os anos nesse mesmo período, pelo Conselho Nacional de Justiça.

2 Vale aclarar que a expressão aqui usada “eficiente” se refere a efetividade da prestação jurisdicional, sempre defendida como princípio processual.

3 O CPC de 2015 não proíbe a acumulação desses procedimentos. Art. 528, p.8, não especifica que a acumulação não é permitida.

ADFAS. É possível a cumulação dos ritos da prisão e da penhora na execução de alimentos. Associação de Direito de Família e das Sucessões, [s. l.], 13 set. 2022. Disponível em: https://adfas.org.br/e-possivel-a-cumulacao-dos-ritos-da-prisao-e-da-penhora-na-execucao-de-alimentos/#:~:text=O%20Min.,trazer%20efici%C3%AAncia%20ao%20rito%20procedimental%E2%80%9D. Acesso em: 10 out. 2022.

PAINS, Clarissa; FERREIRA, Paula. Ao menos cem mil processos de cobrança de pensão alimentícia tramitam hoje no país. O Globo, [s. l.], 25 mar. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/ao-menos-cem-mil-processos-de-cobranca-de-pensao-alimenticia-tramitam-hoje-no-pais-22522436. Acesso em: 11 out. 2022.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Min. Luis Felipe Salomão. 15 de agosto de 2022. Informativo nº 744. [S. l.], 2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&processo=1930593&livre=@docn&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T. Acesso em: 10 out. 2022.

VALLADÃO, Luiz Fernando. A Execução de alimentos no Novo Código de Processo Civil. Jusbrasil, [s. l.], 2015. Disponível em: https://daniloborgescouto.jusbrasil.com.br/artigos/300492090/a-execucao-de-alimentos-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 8 out. 2022.

Amina Ghazaoui
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Dinâmica das Cataratas. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional e IBMEC.

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