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É possível cumular pedidos de prisão e de penhora na mesma execução de alimentos

Precedente do STJ permite cumulação de coerção pessoal (prisão) e patrimonial (penhora) no mesmo processo de execução de alimentos, salvo se comprovado prejuízo ao devedor com tumulto processual no caso concreto.

10/11/2022

Tradicionalmente, a doutrina e a jurisprudência brasileira eram contrárias à possibilidade de cumular pedidos de prisão e penhora na mesma execução de alimentos, de modo que caberia ao credor escolher um dos ritos executivos, observados os limites do enunciado de súmula 309 do STJ e da atual previsão contida no art. 528, §7º do Código de Processo Civil, que reduz o objeto executivo do rito prisional às últimas três parcelas vencidas, além das vincendas.

Caso o credor optasse pelo rito da prisão civil e pretendesse a prática de medidas expropriatórias, como a penhora, deveria requerer a conversão de rito da execução para o rito da penhora, nele prosseguindo-se. Na prática, portanto, era inviável a cumulação de pedidos e medidas.

A corrente que defende a vedação da cumulação o faz, em síntese, por dois fundamentos:

(i) ocorrência de tumulto processual;

(ii) expressa proibição legal para cumulação.

A esse respeito, verifica-se, inclusive, que o art. 528, §8º do Código de Processo Civil determina que o credor faça a opção entre o rito da prisão e o rito da penhora (execução por quantia certa).

§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

De forma geral às execuções, o art.780 do Código de Processo Civil também proibiria a cumulação da execução de alimentos pela prisão e pela penhora, em razão da diversidade de ritos executivos procedimentais:

Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.

A partir de 2020, em razão do cenário de Pandemia de COVID-19, os Tribunais passaram a flexibilizar essa regra, em prol de atender ao melhor interesse do alimentado, e permitir que fosse possível a penhora de bens do devedor de alimentos em execução pelo rito da prisão, sem que houvesse conversão de ritos da execução; isto porque existiam previsões protetivas da pandemia que impossibilitavam temporariamente o decreto prisional.

O Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 3ª Turma, no julgamento do Recurso Especial número 1.914.052-DF, em junho de 2021, consignou essa possibilidade:

É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus.

O voto condutor proferido no STJ nesse precedente, da lavra do Ministro Marco Aurelio Bellizze, consignou:

“Em outras palavras, o rito da penhora exclui a possibilidade de prisão civil do devedor. Porém, o rito da prisão apenas adia a realização de atos constritivos no patrimônio do executado, por se tratar, obviamente, de medida coercitiva, e não satisfativa.”

Em outro precedente do STJ, julgado em março de 2021, a relatora Ministra Nancy Andrighi consignou da mesma forma, em ementa no Habeas Corpus número 645.540/SC:

“A experiência acumulada no primeiro ano de pandemia revela a necessidade de afastar uma solução judicial apriorística e rígida para a questão, conferindo o protagonismo, quanto ao ponto, ao credor dos alimentos, que, em regra, reúne melhores condições de indicar, diante das inúmeras especificidades envolvidas e das características peculiares do devedor, se será potencialmente mais eficaz o cumprimento da prisão em regime domiciliar ou o diferimento para posterior cumprimento da prisão em regime fechado, ressalvada, em quaisquer hipóteses, a possibilidade de serem adotadas, inclusive cumulativa e combinadamente, as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, nos termos do art. 139, IV, do CPC, de ofício ou a requerimento do credor”

Em razão da impossibilidade da prisão civil do devedor de alimentos, em razão das proibições protetivas à época da Pandemia de COVID-19, o juiz poderia, com fundamento nas medidas coercitivas atípicas, autorização contida no art.139, IV do Código de Processo Civil, determinar a penhora de ativos financeiros e patrimônio do devedor para satisfação do credor, mesmo no rito executivo prisional de alimentos.

Esse entendimento flexibilizado, surgido no período de pandemia, seria mantido após o término das medidas protetivas da pandemia, como se verá a seguir.

Em agosto de 2022, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 4ª Turma, em precedente de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, no Recurso Especial número 1.930.593/MG (Informativo 744), seguindo na esteira desse entendimento flexibilizado ao longo do período de Pandemia de COVID-19 acima exposto, fixou que, a despeito ao encerramento das proibições de prisão e medidas restritivas pandêmicas, permanece possível a manutenção dessa cumulação.

Na cobrança de obrigação alimentar, é cabível a cumulação das medidas executivas de coerção pessoal e de expropriação no âmbito do mesmo procedimento executivo, desde que não haja prejuízo ao devedor nem ocorra qualquer tumulto processual. (STJ. 4ª Turma. REsp 1.930.593/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/8/22

O precedente consigna que apenas se comprovada a ocorrência de prejuízo ao devedor, com tumulto processual, é que cindirá o feito em duas execuções distintas (penhora e prisão). A possibilidade de cumulação dos pedidos vista atender aos fins sociais e exigências do bem comum, com promoção da dignidade da pessoa humana para tutela do direito do credor, nos termos fixados no art. 8º do Código de Processo Civil.

Assim, se inexistente comprovação de efetivo prejuízo e tumulto processual, deve ser flexibilizada a regra legal proibitiva da cumulação, contida no art. 528, §8º, em prol da efetividade do processo e atendimento do direito material, com satisfação do direito de crédito. Trata-se, outrossim, da derrogação da regra legal em caso concreto pelo princípio constitucional da efetividade, conferindo-se interpretação adequada e conforme à Constituição.

O objetivo disto é justamente garantir a efetividade do processo civil, promovendo um processo civil de resultados, capazes de tutelar de forma efetiva o direito violado do credor alimentar.

De toda forma, a 3ª turma do STJ ainda não se pronunciou sobre o tema especificamente. Esse precedente de agosto de 2022 foi proferido pela 4ª turma daquele tribunal.

Otavio Coelho
Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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