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A prática de atos do mandatário perante o INPI e a processualidade administrativa

Reitera-se que a concessão (da patente ou do registro), sobremaneira, é uma tomada de decisão (vinculada) da Administração consubstanciada em uma cadeia de atos administrativos.

8/11/2022

Em matéria de propriedade industrial, o teor de fundo do ato/decisão administrativa1 (tanto da patenteação quanto do registro)2 é a concessão (vide Art. 2º, I-III da Lei 9.279/96).

Atente-se a que o significado de concessão nesta seara não se refere, por óbvio, à noção da delegação contratual de serviço público (i. e. regime de concessão), mas sim coaduna à noção precípua de que “os atos administrativos são atos que supõem outorga de poder”3, com a eficácia declarativa (do reconhecimento do pedido) e constitutiva de uma pluralidade (feixes) de poderes, deveres e obrigações atribuídos pela autoridade estatal ao titular do pedido, seja ele pessoa física ou jurídica, de direito privado ou público.

Muito interessante e oportuna é a colocação de José Luis García-Pita y Lastres sobre o aspecto administrativista-publicístico (com evidentes irradiações no seio privativista) da “concessão” no presente contexto:

E o fato é que existe uma teoria jus-administrativista dos direitos que compõem o que é conhecido como Propriedade Industrial; uma teoria que oferece sua própria explicação sobre a natureza desses direitos que não é incompatível, mas - muito pelo contrário - totalmente congruente e até complementar a outras construções de natureza jusprivatista, tais como as construções juscivilistas, que vêem aqui uma espécie de direitos reais sobre bens imateriais; [...]. Aplicada - por exemplo - a marcas e direitos de marcas [e, da mesma forma, a patentes e a direitos de patentes – observação nossa], a teoria jus-administrativista dos direitos de Propriedade Industrial, acima mencionada, recorre a conceitos próprios do direito patrimonial administrativo, ou seja, aos conceitos de Domínio Público e concessões [concesiones demaniales]. E certamente é tentador pensar na Economia de Mercado como uma espécie de esfera de uso público - refletida no princípio da Livre Concorrência -, que admite ser objeto de usos privativos de intensidade especial; tanto assim que dá origem a verdadeiros monopólios legais. E um uso tão intenso requer uma técnica administrativa de concessão: aqui estão os elementos característicos das concessões administrativas, tais como "a concessão de uma situação privilegiada, que é o monopólio do gozo da marca e a possibilidade de exclusão daqueles que não têm o direito de usá-la", mesmo que se trate de uma concessão imprópria ou, melhor, uma concessão atípica, já que o regime de marcas, a partir da concessão deste título administrativo, será um regime de direito privado, de modo que a hipotética intervenção ou supervisão da Administração Pública dá lugar a um controle confiado estritamente aos Tribunais de Justiça, [...]. É possível que alguns argumentem, pelo contrário, que não pode ser uma concessão... porque a concessão supõe a titularidade pública daquilo - trabalho, serviço, fornecimento, terrenos, etc. - que é concedido, enquanto que a Propriedade Industrial; os chamados "direitos sobre bens intangíveis", são algo que pertence, não à Administração, mas ao Inventor, àquele que cria o desenho, àquele que cria a marca, etc.., [...] É verdade... mas o raciocínio, embora seja absolutamente verdadeiro no que diz, baseia-se - por outro lado - numa abordagem falaciosa; numa falácia que consiste na confusão sobre o objeto da titularidade pública: o objeto desta titularidade - que é o que torna necessário um regime de concessão - não é a invenção, nem o sinal ou a obra de arte aplicada; nem é a Patente, nem a Marca ou o Nome Comercial ou o Desenho Industrial que protegem estes bens, mas a Liberdade de Mercado, que é limitada pela exclusividade que envolve e protege estes direitos.4

Arnoldo Wald5, ao mencionar a natureza da concessão de patente na década de 70 (sob o regime do então Código da Propriedade Industrial de 1973), exara que:

É manso e pacífico, na jurisprudência e na doutrina brasileiras, que a concessão de patente constitui um ato vinculado, que se caracteriza pelo arbítrio ou poder discricionário por parte da autoridade que decide da matéria. Uma vez atendidos os requisitos legais pela parte interessada, a decisão deve ser proferida no sentido de reconhecer o direito do requerente. A autoridade, no caso, aplica um critério legal rígido, sem qualquer elasticidade, não lhe cabendo invocar argumentos vinculados à conveniência ou oportunidade.

Sergio de Andréa Ferreira6 também aborda questões relativas ao ato administrativo proferido pela autoridade competente. Aborda especialmente o registro7-8 (porque sobre marcas), mas que muito importa também à noção da concessão:

Exercido, com o depósito, pelo legitimado – o especificador, o criador ou o ocupante do sinal distintivo -, o direito postestativo à aquisição da propriedade [...]; prolatada a decisão de deferimento do pedido [...]; e, uma vez efetuados os pagamentos correspondentes, dar-se-á expedição do respectivo certificado [...]. O ato registral tem eficácia constitutiva, e seu objeto, o registro, uma vez concretizado, torna real o direito, a esta altura já formado, fazendo surgir a propriedade industrial [...], efeito final daquele ato [...]. O ato registral é ato jurídico estatal, de Direito Público, embora sua eficácia alcance o Direito Privado. Registro é vocábulo que tem um sentido material e um sentido instrumental.  [..] Os atos registrais compreendem atos meramente formais, meios de documentação e publicidade; e atos de conteúdo material, de caráter constitutivo [...]: no primeiro, ele é constitutivo da personalidade; nos dois outros, o registro é modo de aquisição da propriedade [...]; Registro é, portanto, o nome dado, tanto ao ato jurídico, quanto ao assentamento resultante; quer sob o aspecto formal; quer sob o ângulo material, de objeto, tornado efeito, do ato registrário; na espécie, com o efeito de constituição do direito real [...].

Para a atuação no(s) processamento(s)9-10 do pedido perante a autoridade administrativa competente (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)11, para além da possibilidade de os advogados exercerem o mister (e do próprio pretenso titular enquanto procurador, i.e., “o interessado, pessoalmente”), havia no Brasil até 201012 a necessidade de capacidade postulatória derivada da reserva de atividade ao “Agente da Propriedade Industrial”13, com antigas raízes calcadas pelo decreto 22.289 de 26 de julho de 1933 (com os “agentes officiaes”) e, posteriormente, pelo decreto-lei 8.933 de 26 de janeiro de 1946, quando da estruturação do pretérito Departamento Nacional da Propriedade Industrial (DNPI).14

O assessoramento técnico15 (ou a defesa técnica) do postulante a concessão de (ou de terceiro interessado na oposição, subídio, manifestação de nulidade à) direito industrial por pessoas profissionais no domínio do métier exigido por tal disciplina jurídica é uma das ações que podem conferir segurança jurídica às relações empresariais.

É de se ressaltar que a natureza da obrigação do procurador (pessoa advogada16, agente17 etc.) a praticar atos em favor do mandante perante o INPI “não é de resultado, mas de meio, mormente ao se considerar tratar-se de serviço de assessoria para registro de marcas e patentes [sic], cuja concessão, ou negativa, é de responsabilidade de órgão próprio.”18

Prontamente, “quando o exercício [de atos] se dá mediante mandato ou instrumento com outorga de poderes, por dialética, algumas regras básicas devem ser observadas, como, v.g., a qualificação e habilitação profissional [...]”19, cumprindo tal profissional o múnus irradiado em sua esfera de responsabilidade.

Mas, qual a relação da Lei do Processo Administrativo Federal com o(s) processamento(s)?

[Processualidade administrativa funcional e relacional]

Reitera-se que a concessão (da patente ou do registro), sobremaneira, é uma tomada de decisão (vinculada) da Administração20 consubstanciada em uma cadeia de atos administrativos (podendo ocorrer o vício – de forma ou de fundo – de tais atos pela autarquia ou pelo pretenso titular) que visam alcançar um ato final ou de “outorga” ou de recusa da exsurgência do título.

O subsídio, a oposição, o pedido de nulidade, o pedido de caducidade, o pedido de declaração de alto renome, o pedido de prioridade unionista etc., igualmente podem proporcionar o transcurso de um iter de atos.

Por princípio, “a processualidade é exigência para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo e para a emissão de uma decisão da Administração Pública.”21 Neste sentido, a Lei do Processo Administrativo Federal “não regula apenas os chamados processos administrativos em sentido estrito, mas toda a atividade decisória da Administração, sem exceções, independentemente do modo como ela se expressa [...]”22

A própria autarquia e o judiciário23 vêm reiterando a aplicabilidade subsidiária da LFPA aos processamentos:

“O fato da recorrente arguir a lei 9784/99, Lei do Processo Administrativo Federal, no seu art. 56 que prevê a interposição de recurso contra as decisões administrativas, em face de razões de legalidade e de mérito, nenhuma razão assiste a recorrente, visto que supracitada lei será apenas subsidiária preenchendo lacunas da disciplina específica e auxiliando na interpretação dos seus termos, conforme preconiza o art. 69, do mesmo diploma legal, que assim disciplina: os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei.”24

Para cada “tipo” de direito industrial há as singularidades em seu procedimento (processamento). Por exemplo, o desenho industrial prescinde, a priori, da análise de mérito (podendo o titular de iure condendo requerê-la “a qualquer tempo da vigência” – novidade e originalidade), diferentemente do signo distintivo (reprodução ou imitação, liceidade etc.) ou da invenção (novidade, atividade inventiva, aplicação industrial, suficiência descritiva etc.)

A processualidade funcional, como bem revela Bruno Santos Cunha, observa “o exercício natural da função administrativa em cotidiana atividade decisória”25, subordinada ao “devido processo legal administrativo, como imperativo constitucional [...]”26 que “lança luzes sobre todas as manifestações do exercício de função administrativa, atingindo tanto a forma quanto o conteúdo das decisões administrativas em geral”27 e, portanto, suscita a “fixação de um regular transcurso da atuação administrativa decisória”28. O que, em se tratando de pleito de título de patente, marca, desenho industrial etc., é justamente o que se verifica.

A exceção29 administrativa ao pleito (oposição, subsídio, PAN) configuraria manifestação de processualidade relacional, eis que “envolve a atuação de interessados sob a incidência do contraditório”30, com “potencial contraposição de interesses capaz de demarcar a conflituosidade inerente”31.

Tal contraposição deve ser fundamentada, também e de maneira elementar, nas previsões e restrições disciplinadas pela Lei de Propriedade Industrial (e.g, relativo a patentes, “recusa peremptória, proibições categorias por opções de política pública”32 do Art. 18; a barreira excludente das hipóteses de incidência do sistema pelo Art. 10 etc.)

__________

1 “sendo o despacho de concessão o ato constitutivo do direito de patente, até a decisão definitiva daquele procedimento não existe ainda um verdadeiro exclusivo que o titular possa fazer valer contra terceiros, que porventura decidam explorar o mesmo invento” (Sousa e Silva. Direito industrial: noções fundamentais. Coimbra: Almedina, 2019. p. 73); “A concessão de uma patente, depois de concluídos todos os trâmites legais, constitui ato jurídico perfeito e acabado não só para o seu titular, mas também para o INPI e para todas as outras pessoas, que adquirem o direito de, desde logo, conhecer o seu objeto e utilizá-lo livremente para a pesquisa de novas invenções ou aperfeiçoamentos, e, após transcorrido o prazo de duração da patente, fazer uso direto de seu objeto, inclusive comercialmente.” (Sentença no Procedimento Comum Cível 0808578-61.2011.4.02.5101)

2 A redação do Art. 2º da norma italiana atinente a Propriedade Industrial (Decreto Legislativo 10 febbraio 2005, n. 30) parece apresentar uma distinção mais clara entre a patenteação/patenteamento e o registro: 1. Os direitos de propriedade industrial adquirem-se por patente, por registo ou pelas outras formas previstas neste código. O patenteamento [la brevettazione] e o registro [la registrazione] dão origem a títulos de propriedade industrial. 2. As invenções, modelos de utilidade e novas variedades vegetais estão sujeitas a patenteamento. 3. As marcas, desenhos e modelos, topografias de produtos semicondutores estão sujeitos a registo. 4. São protegidos os sinais distintivos que não a marca registada, segredos comerciais, indicações geográficas e denominações de origem, observadas as condições legais. 5. A atividade administrativa de patenteamento e registo tem natureza constitutiva [ha natura di accertamento costitutivo] e dá origem a títulos sujeitos a regime especial de nulidade e caducidade com base nas regras contidas neste Código. [tradução nossa]. Traçando dogmaticamente esta distinção, visualize-se a lição de Massimo Scuffi (I diritti di proprietà industriale: principi fondamentali ed evoluzione legislativa. In: Franzosi/Scuffi (orgs.). Diritto industriale italiano. Milão: Wolters Kluwer CEDAM, 2014. [ebook] [tradução nossa]): “A fim de melhor compreender o momento constitutivo da emergência [sorgere] dos direitos de PI, é necessário pressupor que os bens intangíveis, que fazem parte da chamada propriedade intelectual, se distinguem nas três principais entidades de invenções industriais, marcas registadas e obras intelectuais. Estas entidades ideais adquirem relevância jurídica com a sua externalização: de fato, sem um intermediário material perceptível pela comunidade, não poderiam sobreviver nem circular. Mas enquanto os direitos de autor surgem como resultado da criação na sua forma expressiva (a ideia em si não sendo protegida), a invenção e a marca pressupõem o reconhecimento pelo sistema estatal, o que se traduz, respectivamente, em patente e registo. E são previstas formalidades idênticas para modelos e desenhos, novas variedades vegetais e topografias de produtos semicondutores. Os direitos exclusivos que conferem estes títulos são incorporados num documento preparado pela UIBM [INPI italiano – observação nossa], que está autorizada a emiti-los a pedido do interessado, após verificação do cumprimento dos requisitos da lei. O documento é denominado patente ou registo e pode, portanto, ser definido como um acto administrativo de natureza mista de efeitos: (a) declaratório porque pressupõe a verificação da existência dos requisitos previstos por lei para a concessão do título; (b) constitutivo porque confere o ist excludendi alios que resume o reconhecimento do poder de exclusiva sobre os bens que a lei comporta com efeitos erga omnes e via de regra dentro dos limites territoriais do sistema estatal que os reconheceu.”

3 Pontes de Miranda. Tratado das Ações. Campinas: Bookseller, 1998. p. 35 [Tomo I]

4 García-Pita y Lastres. Adscripción ordinamental y régimen jurídico aplicable a la relación de servicios de los agentes de la propiedad industrial: entre el Derecho estatutario y el Derecho de contratos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2018. em especial p. 31-34 [tradução nossa]

5 Parecer: Concessão de Patente/Prazo de Proteção Legal/Direito Adquirido. Revista Forense. jul/set 1974. v. 247. p. 85. A discricionariedade a que o autor se refere é tão apenas a de conceder ou denegar o pedido.

6 Parecer: Marca DDI/Registro/Ação Coletiva/Antecipação de tutela/Inviabilidade. Revista Forense. jan/fev 2004. v. 371. p. 265-266. Há, também, um interessante artigo deste autor intitulado “A natureza jurídica dos atos de deferimento do pedido de patente e de patenteação e a decretação administrativa de sua nulidade”, disponível na página da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

7 No campo positivo-subjetivo do direito de autor, o registro é de cunho “declarativo; é dizer, nele são publicizados [publificados] direitos subjetivos e situações provisórias próprias de averbações preventivas [averbaciones preventivas], mas, em nenhum caso, tais direitos subjetivos e situações protegíveis são nele criados, [...]” (Albesa. El registro de la propiedad intelectual. In: Gómez. (org.). El registro de la propiedad intelectual. Madrí: Reus, 2008. [ebook]); “Da sistemática apresentada, identificamos que o registro das obras para fins de proteção dos direitos autorais obedece ao seguinte regramento: 1. Para fins da proteção dos direitos de autor, o registro é facultativo (art. 18, LDA), não sendo pressuposto de sua proteção (art. 19, LDA). Disso decorre que o registro não é constitutivo da situação jurídica de autor, mas meramente declaratório; e 2. O registro da cessão dos direitos é igualmente facultativo, podendo ser averbada à margem do registro, se já realizado, ou no Registro de Títulos e Documentos, se não tiver sido registrado anteriormente (art. 50, § 1º, da LDA)." (Miranda/Cimino. Sistemas brasileiros de identificação de direitos sobre propriedade imaterial. In: Pedroso. (org.). O Direito e o Extrajudicial: Direito Administrativo. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2021. [Volume II] [ebook])

8 Uma boa definição para registro é a seguinte: “na acepção jurídica, entende-se a soma de formalidades legais, de natureza extrínseca, a que estão sujeitos certos atos jurídicos, a fim de que se tornem públicos e autênticos e possam valer contra terceiros.” (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. [verbete registro]).

9 Supõe-se que a utilização do termo “processamento” seja derivado da práxis, dada a esta modalidade de processo administrativo, tendo raízes no termo prosecution, difundido internacionalmente.

10 Veja-se que, basicamente, “há três períodos desde o ato-fato jurídico da invenção: o que vai do ato da invenção ao pedido da patente; o que vai do ato do pedido e respectivo depósito à patenteação; o que começa da data da patenteação e acaba ao cessar o direito do titular da patente.” (Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2012. p. 449 [§ 1.921, I] [Tomo XVI]); “Tanto no processo dos pedidos de patente quanto no processo dos pedidos de registro, há estabelecimento inicial da relação jurídica processual entre requerente e Estado, relação jurídica processual que só se angulariza cabendo e ocorrendo oposição. O depósito é elemento comum. Comum é a oponibilidade por terceiro interessado.” (p. 278 [§ 2.052, I] [Tomo XVII])

11 Não é demais lembrar que “qualquer seriedade em um projeto plurianual de desenvolvimento e emancipação tecnológica para o Brasil, perpassa por (a) um INPI forte, e (b) com seus servidores respeitados, bem treinados, e motivados com subsídios reajustados para que melhor produzam dentro de uma adequada estrutura de trabalho.” (Barbosa. “Definitivamente, o INPI tem jeito”, 2022)

12 Quando foi deferida a antecipação de tutela pleiteada pelo Ministério Público Federal nos autos da Ação Civil Pública 0020172-59.2009.4.03.6100 para que fossem afastadas as aplicações dos atos administrativos do INPI que reservavam o mister de procurador dos pedidos de títulos, e dos títulos concedidos, apenas aos advogados e agentes. Em sentença de 30 de junho de 2014 foram declarados inconstitucionais, incidenter tantum, tais atos. Em acórdão de 4 de outubro de 2019, a sentença foi confirmada. Há pedido de Recurso Especial e Extraordinário pendente.

13 Esta dita atividade é muito conhecida e difundida na práxis internacional de propriedade intelectual, sendo que ainda é necessário em muitos países a inscrição como “agente” para se poder pleitear perante as autoridades competentes: “Em todo o mundo há profissionais especializados no trato das marcas e patentes perante as repartições oficiais que concedem tais direitos de propriedade imaterial. A atuação de tais profissionais é altamente técnica e exige conhecimentos específicos, sob pena de serem desperdiçadas vultosas somas das empresas em inovação e desenvolvimento de novas invenções e novas marcas. [...] Aliás, há inclusive países que ‘cindem’ a profissão de Agente da Propriedade Industrial em duas, quais sejam, o Procurador para Marcas (Trademark Attorney, na Inglaterra) e o Procurador para Patentes (Patent Attorney, na Inglaterra, oú Patentanwalt, na Alemanha), com extensa regulamentação específica para cada uma destas profissões.” (ASIPI, ACP op. cit., itens 17 e 24); “Não se deve desconsiderar que o acompanhamento dos bens da propriedade industrial e requerimentos correlatos frequentemente envolvem conhecimento especializado. O mandato, em casos tais, engloba uma complexidade de atos que o Procurador deve praticar em benefício de seu representado. Entre eles citam-se os requerimentos de marca e desenho industrial e procedimentos respectivos (busca, oposição, caducidade, defesa em processo administrativo de nulidade, prorrogação e extinção); correta elaboração de pedido de patente e seu acompanhamento, tarefa que abrange identificação do estado da técnica, resposta às exigências formuladas pelo INPI e recursos pertinentes; averbação de contratos dc transferência de tecnologia e franquia; acompanhamento dos depósitos de software e dos direitos de topografia dos Circuitos integrados.” (INPI, ACP op. cit., p. 11-12). Inclusive, tal atividade estava regrada por normas de espeque deontológico (vide o Código de Conduta Profissional do Agente da Propriedade Industrial – Ato Normativo do INPI 142/98).

14 “Não são apenas as exegeses histórica e lógico-sistemática que vêm em apoio das teses que venho sustentando, mas também o elemento teleológico fundado em inequívocas razões de salvaguarda dos interesses individuais dos possíveis titulares dos direitos que informam a propriedade industrial. Creio desnecessário enfatizar a relevância e a complexidade do Direito Industrial contemporâneo, que extrapola dos lindes nacionais a fim de atender a exigências de ordem cada vez mais internacional, desde a proteção de patentes de invenção e marcas de indústria e comércio até à repressão da concorrência desleal, uma hidra de inúmeras cabeças, para perceber-se o imenso risco a que se expõe o interessado que confia a defesa de seus interesses "a qualquer do povo", desprovido do conhecimento dos princípios e normas que regem a propriedade industrial. [...] A chamada privatividade de representação, outorgada a Advogados ou a Agentes da Propriedade Industrial, não representa um privilégio odioso, mas antes uma garantia legitima por todos os títulos, merecendo ser lembrado o sábio ensinamento de que, nas relações entre o fraco e o forte (seja este o competidor no plano dos interesses, ou a própria Administração Pública, às vezes presa a critérios rotineiros) são os imperativos legais que asseguram a liberdade real.” (M. Reale, parecer, ACP op. cit., 1989). Para um profundo estudo que também envolve a temática, novamente cita-se García-Pita y Lastres. op. cit.

15 Infelizmente, não é incomum que ocorram “práticas” atécnicas nesta seara, abusivas e/ou ilegais, desde se “omitir da contratante todas as taxas e/ou mensalidades que seriam necessárias até o registro” (Sentença no Procedimento Comum Cível 1000438-47.2020.8.26.0280) até a geração de falsos boletos, em nítida tentativa de fraude.

16“A ausência de representação por advogado tornaria evidentemente mais débil a defesa dos interesses da parte, o que prejudicaria a concretização da aspiração constitucional, consistente em tornar o processo um espaço efetivamente democrático, não apenas na forma, mas também na substância.” (Garcia Medina/de Araújo. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2021. [ebook]). A “finalidade da atividade” da pessoa advogada, sim, “dá concreção ao direito subjetivo do cliente [...], do direito que nasce seja da ocorrência dum fato previsto em lei, ou de uma garantia constitucional” (Costa. Deontologia jurídica: ética das profissões jurídicas. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2018. [ebook]), mas tal “concreção” não pode dar azo à expectativa de um resultado certo de uma causa (podendo ser o resultado certo, isto sim, do compromisso do patrocínio, a defesa técnica), já que as obrigações assumidas têm natureza de meio.

17 Em minha opinião, ao menos as características de atuação do agente da propriedade industrial apresentam um quê de atividade jurídica.

18 Sentença no Procedimento do Juizado Especial Cível 1006094-05.2020.8.26.0047.

19 ABAPI, ACP op. cit., p. 2

20 “Os direitos de propriedade intelectual (DPI) dependem de uma série de instituições, principalmente dos escritórios [offices] de propriedade intelectual que os concedem, que se enquadram na estrutura administrativa de cada país. De fato, o direito administrativo pode ser entendido como ‘o corpo de normas legais que estabelece as instituições executivas do governo, e confere poderes governamentais e impõe deveres às autoridades públicas’. E aqui se argumenta que, na medida em que os direitos de propriedade intelectual são direitos concedidos pelo Estado ou em nível supranacional, mas apenas com o consentimento do Estado (com uma série de consequências relevantes daí decorrentes), o direito de propriedade intelectual e o direito administrativo se sobrepõem. Essa sobreposição tem três consequências principais e diretas. A primeira consequência é que, se adotarmos a distinção clássica entre direito público e direito privado e a consequente divisão em diferentes subramos do direito [...], o conhecimento dos princípios básicos do direito administrativo é necessário para compreender e entender como a propriedade intelectual é regulada em nível nacional e internacional. Em segundo lugar, e não menos importante, do ponto de vista metodológico, não se pode realizar uma pesquisa completa e aprofundada sobre direito e política de propriedade intelectual sem levar em conta as ferramentas e categorias conceituais elaboradas no direito administrativo. Terceiro, [...], algumas novas linhas de pesquisa relacionadas à propriedade intelectual podem surgir, abraçando-se a relação entre propriedade intelectual e direito administrativo, ao vez de ignorá-la.” (Manderieux. The Relationship Between Intellectual Property and Administrative Law. In: Caliboni/Montagnani. (orgs.). Handbook of Intellectual Property Research: Lenses, Methods, and Perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2019. p. 109 [tradução livre])

21 Di Pietro. Tratado de Direito Administrativo: teoria geral e princípios do direito administrativo. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2019. [ebook]

22 Di Pietro. op. cit.

23 Principalmente em casos de mandado de segurança impetrados relativos à extemporaneidade de prazos de análise e exame pelo INPI (“ato de demora injustificada da autoridade”). Exempli gratia, Acórdão na Apelação Cível 0157849-70.2017.4.02.5101

24 INPI/PROC/DICONS 309/03 - 01/09/2003 apud Barbosa/Barbosa. O código da propriedade industrial comentado conforme os tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 713 [Volume I])

25 Cunha. Aplicabilidade da Lei Federal de Processo Administrativo. São Paulo: Almedina, 2017. p. 47

26 Cunha. op. cit. p. 48

27 Cunha. op. cit. loc. cit.

28 Cunha. op. cit. loc. cit.

29 “Mas o vocábulo exceção não indica somente o direito de resistir à pretensão do demandante, mas também o próprio ato de resistência, o qual opera como um contraponto da demanda deste.” (Dinamarco/Badaró/Lopes. Teoria Geral do Processo. Salvador: Juspodivm, 2021. p. 332)

30 Cunha. op. cit. p. 47

31 Cunha. op. cit. p. 65

32 Obsevação advinda de Barbosa/Barbosa, op. cit.

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal
Graduando em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Bolsista da AGIT FURB.

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