O intuito com a escrita desse texto é exclusivamente aquele de ajudar os colegas operadores do direito, com a análise de um caso prático que envolve um instituto comum nas relações sociais, a insolvência civil.
O Novo Código de Processo Civil de 2015 narra que, os processos relacionados a insolvência civil, mais precisamente as execuções propostas contra devedor insolvente, até edição de lei específica regulamentadora, permanecerão sob os comandos do diploma processual revogado.1
Pois bem. Sabe-se que, tanto a recuperação judicial e a falência, como a insolvência civil, são institutos jurídicos amplamente utilizados, devido ao fato de que as relações negociais são corriqueiras e, em que pese seu sucesso gerando lucro, também podem desaguar em inadimplemento e dívidas.
A recuperação judicial e a falência, dizem respeito a pessoas jurídicas empresariais e a empresários profissionais, detalhando, a lei de regência, o procedimento caso isso ocorra.2
Já a insolvência civil diz respeito a pessoas físicas ou jurídicas que não sejam empresárias, em outras palavras, aquelas que não desenvolvam atividade empresarial.3
Passada essa introdução, recentemente, atuei em um caso no qual um cônjuge teve a sua insolvência civil declarada.
Importa mencionar, o fato de que a declaração da insolvência civil pressupõe decisão judicial, e só é possível nos casos em que as dívidas de determinada pessoa ultrapassam a soma de todo o seu patrimônio.
Retomando o raciocínio, fui convidado a atuar em uma interessante demanda, onde o declarado insolvente, em razão de dívidas condominiais, lidava com a habilitação do condomínio (onde residia) credor nos autos do processo de insolvência, como medida legal para perseguir seu crédito.
Diante de tal situação e buscando uma solução para o impasse, achou-se uma alternativa, que eu sequer sabia se funcionaria ou não.
Como o insolvente não possuía imediatas condições de saldar o débito, e, tratava-se de débitos condominiais, ditos propter rem, aqueles que perseguem a coisa, decidiu-se por entabular um acordo para a quitação do débito entre o insolvente, sua consorte e o condomínio credor.
Ora, ao insolvente não é permitido contrair novas obrigações. Mas vale lembrar que a sua esposa, coproprietária do bem litigioso, não era insolvente, portanto, financeira e legalmente capaz de suportar o débito, pondo fim ao impasse.
Ocorre que, o juízo universal entendeu por bem declarar a nulidade do acordo, sob o fundamento de que esse teria ocorrido sem a participação do administrador judicial, tampouco contando com a anuência do juízo universal.
Em um primeiro momento, poderia se entender pela nulidade do pacto, sob o argumento de que o insolvente não mais disporia de autonomia para firmar qualquer tipo de negócio envolvendo valores ou o seu patrimônio.
Porém, o voto da Desembargadora Relatora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, em sede de agravo de instrumento4, trouxe como apoio a fundamentação o fato de que o pagamento de despesas condominiais persegue a coisa, ditas propter rem, podendo ser judicialmente exigida de qualquer um dos seus coproprietários.
Destacou, ainda, a desembargadora, que a cônjuge não fazia parte do processo de origem, sendo agravante e terceira interessada/prejudicada.
Por isso, afastou o argumento do juízo a quo, de que o acordo é ineficaz em relação à massa insolvente, tendo ou não o contratante o conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis, por qualquer forma que não seja por intermédio deste juízo universal.
Afinal de contas, uma decisão acertada. Além disso, o diploma processual em vigência autoriza a interposição de recurso por terceiro prejudicado, pelo que a declaração de nulidade do acordo, já lhe emprestaria interesse recursal.
Importante mencionar, ao terceiro prejudicado é imposto o dever de demonstrar como a decisão recorrida atingirá direito seu, o que restou devidamente comprovado no agravo de instrumento.5
De importante menção, o fato de a esposa do insolvente ser totalmente capaz de saldar o débito, não se tratando de espécie de insolvência familiar, mas sim de insolvência pessoal.
Dessa maneira, caminhou muito bem a eminente julgadora de segunda instância, ao passo que o mero conserto do acordo não seria capaz de trazer prejuízos ao credor, tampouco caracterizar uma manobra de inadimplência.
Apenas buscou-se uma solução, que naquele momento satisfaria o débito, atingindo a finalidade única de futura execução, e presente habilitação nos autos da insolvência civil, qual seja a obtenção do pagamento, dentro dos moldes legais.
É bem verdade, se fosse a intenção da terceira interessada alguma espécie de manobra com a celebração do acordo, o condomínio credor sequer o teria assinado.
O seu desiderato daquela, terceira interessada, em que pese a insolvência decretada em juízo de seu marido, foi unicamente a de afastar em definitivo a aludida dívida do núcleo familiar, quitando-a nos termos entabulados.
Não por outra razão, a desembargadora relatora entendeu por bem a homologação do acordo.
Com isso, é possível chegar à conclusão de que, quando há relação entre o insolvente e aquele que quita a dívida, além de desse ter, também, relação jurídica com o bem objeto do débito, mesmo sendo terceiro estranho ao processo, deve-se ter por válido o acordo realizado.
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1 Artigo 1.052 do CPC.
2 Lei 11.101 de 2005.
3 Procedimento ainda regulado pelo revogado CPC de 1973, a partir do artigo 748.
4 Agravo de instrumento n° 0706929-07.2021.8.07.0000
5 Parágrafo único, do artigo 996, do CPC.